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É fácil ter empatia com as crianças?
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Eu já fui a pessoa sem filhos que achava que sabia mais do filho dos outros do que os próprios pais. Já virei os olhos com empáfia quando a criança mexia nos produtos da loja, quando os filhos da visita corriam pela casa fazendo barulho, quando a criança na rua não dava a mão pra mãe e saia correndo.

Duas verdades que aprendi depois de ser mãe: a mãe perfeita não tem filhos e a criança perfeita (ou que é vista como tal) não é uma criança feliz nem autônoma. Ah, os cuspes que caem na nossa testa.

A educação tradicional, passada para nós de geração em geração desde mil novecentos e bolinha, não sustenta a empatia que quer ensinar as crianças a ter. Adultos que somos, queremos ensinar boas maneiras e disciplina, mas nós mesmos ainda temos muito a aprender. Como ensinar uma criança a ter regulação emocional, se não temos nós mesmos regulação emocional pra lidar com ela? Como ensinar a olhar pro outro se colocando no lugar dele, dialogando, se a educação tradicional ensina que é pra fazer “porque sim”? Como ensinar a paz, a não violência, se essa tradição nos ensina que “um tapinha não mata”, que ameaças são necessárias porque o que importa é o fim, independente dos meios?

Um olhar conservador

A educação tradicional está menos alinhada com o que a ciência moderna diz e mais alinhada com o olhar de culpa e correção religiosos. É claro que crianças educadas à base do tapa e do grito parecerão mais educadas, porque elas estarão com medo. O medo é um ótimo potencializador de paralizações, mas não é um bom educador. Tire a pessoa ou a situação que estava causando medo e vamos ver se a criança aprendeu algo, ou se só estava se protegendo da punição. Normalmente é a segunda opção.

Estamos num período da história aonde o conservadorismo volta com tudo, e as pessoas minorizadas socialmente são as primeiras a sofrer o baque. Direitos das mulheres sendo minados, racismo sendo negado, leis que garantem inclusão de crianças com deficiência sendo revogadas, violência individual sendo incentivada para resolver problemas que o Estado deveria resolver.

Nesse contexto, crianças são ainda mais invisibilizadas e culpabilizadas, relegadas a carregarem rótulos de terríveis, mimadas, egocêntricas. Todo nosso arsenal adulto de sombra sendo projetados nelas, alvos fáceis. Num período como o da pandemia, cresce o número de denuncias de maus tratos, de violência intrafamiliar e negligência, denunciando o perigo de não olhar para a infância com prioridade e verdade.

A empatia, quando chega?

A dor do outro é uma dor que não dói em nós, quando não deixamos a empatia vir. Por isso, o caminho da empatia com nossas crianças passa não somente por uma análise do tipo de sociedade em que vivemos, mas também por uma análise da nossa própria história de vida, mais precisamente da nossa infância. Não é fácil voltar a calçar nossos sapatos infantis, porque o olhar que temos de nós mesmos lá atrás é o olhar de nós adultos, que foi contaminado pelo discurso dos adultos da época. Frases como “eu merecia mesmo uns tapas, eu era muito teimosa” dizem muito desse discurso incorporado e dizem pouco sobre nosso próprio sentimento infantil ao viver tais situações.

Revisitar nossa história é colocar um pouco a lealdade cega de lado e perceber que nossos cuidadores são e foram pessoas, não deuses. Que fizeram seu melhor, mas isso não significa que sempre acertaram. É começar a olhar pra história da própria vida com mais empatia, compaixão e verdade, entendendo que o amor só floresce de verdade quando considera a subjetividade (inclusive o amor-próprio). Eu desconfio que é esse o movimento que vai trazer um olhar de mais leveza e empatia para com nossos filhos e com as crianças do mundo.


Thais Basile é mãe da Lorena, palestrante e consultora em inteligência emocional e educação parental, eterna estudante. Apaixonada por relações humanas e por tudo que a infância tem a ensinar. Compartilha um saber para uma educação mais respeitosa no @educacaoparaapaz. Escreve nesta coluna mensalmente.

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