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Criança interior não cresce: como deixar as reações infantis para trás
Юлія Дубина
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“Não é minha criança interior que busco”, disse-me, uma cliente, na sua primeira sessão de terapia comigo. Numa voz que misturava tristeza e raiva, avançou: “O que eu realmente procuro é minha adulta.” “Essa é a parte que parece estar faltando em mim – aquela que deveria guiar minhas escolhas de forma saudável”, contou-me entre suspiros.

Compartilhou também as frequentes discussões com o companheiro acreditando que, por conta de suas reações infantis, acabaria por afastá-lo. Com um desânimo evidente, avançou: “É mais forte do que eu!”. “Quando ele faz algo que me desilude ou não está disponível quando espero que esteja, transformo-me numa criança birrenta”, acabou por confessar. Por fim, relatou o padrão habitual: “Descarrego nele; acabo por cobrar demais; e logo depois fico chateada por ele estar chateado…”

Senti a urgência em suas palavras. O desejo de encontrar uma maneira de superar essas reações que pareciam escapar ao seu controle. Ela buscava por autodomínio, enquanto se debatia para superar os sentimentos avassaladores que a relação lhe ativava. Aquela mulher desejava fervorosamente que sua criança interior crescesse de uma vez por todas…

O que acontece na infância, não fica na infância

É comum associarmos a infância a um doce período de inocência que não retorna mais. Acontece que, para a grande maioria de nós, ela não é assim tão longínqua quanto parece. Muitos de nós ainda tomamos decisões e vivemos as nossas vidas com base na experiência dos nossos “eus” de dez anos.

A nossa criança interior representa a soma das impressões e associações que ficaram em nós desde a infância. Podemos não nos lembrar de muitas experiências de forma consciente, no entanto, elas continuam a servir de legenda para a nossa visão de mundo. Somos adultos independentes, sim. Mas no que se refere ao inconsciente, o berço da nossa biografia emocional é muito mais influente do que o nosso intelecto.

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Quer queiramos quer não, todos nós possuímos uma criança interior ferida dentro de nós. Mesmo aqueles que referem ter vivido infâncias felizes. Todos os seres humanos são criados por seres humanos, que foram criados por outros seres humanos… E todos somos falhos. Temos demasiados pontos cegos. E pouquíssimo acesso a educação emocional consistente, que nos prepare para sentir dor emocional, em segurança.

O problema dos traumas vividos nos primeiros anos de vida, é que eles acontecem enquanto o cérebro está ainda em desenvolvimento. Experiências aparentemente pequenas, podem criar buracos profundos nas nossas necessidades emocionais inatas. Pais ausentes, mães deprimidas ou famílias demasiado críticas deixam marcas indeléveis.

A verdade é que podemos ter conseguido sobreviver e chegar à vida adulta. Mas não sem um custo. E geralmente ele pode ser reconhecido pelos sintomas emocionais que se repetem ao longo do tempo. A minha cliente era um exemplo claro disso: queria superar a infância, mas não sabia como…

O problema não é sua criança interior

Quando queremos que nossa criança interna deixe de sentir o que sente, estamos na verdade a perpetuar as experiências traumáticas do passado. Estamos literalmente a dizer-lhe: não quero que te sintas assim. Não tens direito à tua dor. Não quero acolher-te. Irás viver isso sozinha.

Havia algo que a minha cliente – como tantos de nós – não sabia. Não precisamos convencer nossa criança interior ferida de que o perigo passou. Aliás: quantas vezes, alguém pode ter-lhe dito: “isso não é nada” ou “não há razão para ficar tão frustrado!”. E mesmo sabendo que não existe nenhuma ameaça real, isso não mudou absolutamente nada o que você sentia?

Pois é. Forçarmo-nos a acreditar que não existe perigo, não fará com que nossa criança interior se sinta mais segura.

Esperar que nossa criança interior cresça, forçando-a a deixar de sentir o que sente, não ajuda. O que ela precisa não é que lhe digam que não faz sentido sentir-se assim. O que ela precisa é do suporte que não teve no momento do trauma original. Da legitimação que não recebeu. Da validação que não experienciou.

O que nossa criança interior precisa é de amparo para poder sentir sua dor em segurança. Veja: sentir rejeição, tristeza e até humilhação, por vezes, é inevitável. Esses sentimentos, por mais dolorosos que sejam, fazem parte da experiência humana. O problema é que algumas dessas experiências foram vividas sem apoio, regulação e orientação. Foram certamente experiências precoces demais, intensas demais ou rápidas demais. E quando assim é, o nosso Sistema Nervoso não consegue processar a carga emocional. Por isso, geram-se feridas. Ao não processarmos essas emoções de medo, vergonha ou raiva, elas ficam congeladas em nós. E na vida adulta, as nossas relações interpessoais colocam-nos em contato direto com essas feridas do passado.

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Presos a um Estado de Consciência Infantil

Quando somos crianças, temos uma expetativa inerente de que nossos cuidadores estejam minimamente sintonizados conosco e com nossas demandas. Esperamos que, diante de experiências de estresse, nos regulem. Se temos pais capazes de reconhecer, acalmar e nutrir nossas necessidades e limites, aprenderemos a fazê-lo por nós mesmos.

Quanto mais regulados fomos na infância (pelos nossos principais cuidadores) mais autorregulação teremos na vida adulta.

Quando nossos pais não conseguem estabilizar, de forma segura e constante, nosso stress, a dor de não sermos amparados, torna-se avassaladora. E sempre que, na vida adulta, alguém não preenche nossas expetativas, podemos ser atirados de volta à ferida do passado. Sentimo-nos sem capacidade de sustentar essa experiência dolorosa.

Voltemos ao caso de minha cliente. Sua criança interior ferida tinha o desejo implícito, que seu companheiro adivinhasse suas necessidades.

Tal como desejou que os pais fizessem. Esperava que ele correspondesse com suas expetativas sem precisar dizer uma palavra. Essa parte sua, desejava que os outros entendessem seus limites sem ter que os comunicar explicitamente. Tal como gostaria que esses limites fossem óbvios para seus pais. A diferença é que, no passado, os responsáveis pelo nosso bem-estar, eram de fato esses adultos – nossos pais. Hoje, quem é responsável por nossa criança interior não são nossos pais, companheiros ou amigos. Hoje, cabe a nós mesmos cuidar e proteger de nossas necessidades e limites.

Nenhuma parte precisa ser excluída

Amadurecer não é forçar nossa criança interna a crescer. Mas, antes, sermos capazes de reconhecer o nosso Estado de Consciência Infantil. Quando somos capazes de ver que uma parte em nós se sente insegura, podemos oferecer-lhe o colo, suporte e afeto que não teve. Preste atenção: em momento algum escrevi que temos que fazer essa parte sentir-se de outro modo. Não é sobre isso. É sobre podermos permitir-nos sentir a dor, num lugar interno de presença e compassividade. É aí que percebemos que dentro de nós há espaço. Um espaço mais amplo onde pode existir não apenas nossa criança interior, mas também uma parte adulta que pode acolhê-la.

Quando estamos hiperidentificados com nossa criança interior ferida, não abrimos espaço para que ela seja acolhida. É como se tentássemos que ela própria fizesse isso sozinha e por si mesma.

A maioria de nós, inunda-se com suas emoções dolorosas. Ao fazê-lo, deixamo-nos dominar por nosso Estado de Consciência Infantil, que tem um único objetivo: fugir da dor.

Ao longo das sessões, minha cliente entendeu que sua reação infantilizada acontecia não pelo fato de seu companheiro não a levar a jantar. Mas por ela não tolerar sentir o que sentia, quando suas expetativas não eram correspondidas. Era como se sua criança interior ficasse sozinha e desamparada diante do sentimento de desilusão. Exatamente como no passado.

Ser compassivo com a dor cria espaço seguro para ela ser vivida, com início, meio e fim.

Acolher sua criança permitiu-a viver essa dor, sem a reprimir e sem se inundar nela. Ao fazê-lo passou a conseguir comunicar suas expetativas e necessidades sem atacar ou fugir do desconforto.

A criança interior não cresce; o adulto nasce

Quando nos permitimos reconhecer nossa criança interior sem nos hiperidentificarmos com ela, conseguimos também desenvolver as competências da nossa parte adulta. Uma não precisa esmagar a outra. Na verdade, é compatível que as duas existam e façam parte. E aí entendemos um outro ponto essencial no processamento de nossos traumas. Quando percebemos que as duas partes são compatíveis, entendemos que a cura de nossos buracos emocionais não acaba quando deixam de doer. Ela começa quando conseguimos sentir o desconforto de nossas feridas sem que elas nos sequestrem.

Aceitar que nossa criança interior não cresce, leva-nos a reconhecer que aquela dor faz parte. E que em vez de combatê-la, reprimi-la ou negá-la, podemos… oferecer-lhe suporte.

Podemos abraçar nossa vulnerabilidade e, ao mesmo tempo, desenvolver competências adultas para enfrentar os desafios da vida. Uma coisa não invalida a outra.

Assim, a maturidade emocional não é negar ou sufocar nossa criança interior, mas sim aprender a reconhecê-la e responder às suas necessidades de maneira consciente e responsável. Isso significa aprender a sentir a dor do passado em segurança para que ela não nos aprisione mais. Só assim, podemos começar a responder cada vez mais a partir da nossa parte mais madura, sem ignorar a história da nossa infância…

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