O que fazer quando se pensa demais?
O pensar demais, o excesso de preocupação, o ruminar problemas, o se preparar para o pior… São exercícios que além de não trazerem uma solução, põe-nos em padrões doentios e estão na origem de transtornos, como a ansiedade.
Pensar demais, excesso de preocupação, a ruminação de problemas, a preparação para o pior… São exercícios que além de não trazerem uma solução, põe-nos em padrões doentios e estão na origem de transtornos, como a ansiedade e a depressão.
Se você fizer uma busca no Google sobre os principais problemas que afligem o mundo de forma massiva, certamente vai encontrar a ansiedade no topo da lista. Entre as causas apontadas pelos estudiosos, destaco duas completamente opostas. A primeira é um estilo de vida hiperconectado. Todos estão “agarrados” a dispositivos, como o celular. A segunda aponta a sensação permanente de insegurança e incerteza. Estamos “soltos”. Pisamos em terra firme, entretanto sentimos que tudo se desmancha aos nossos pés.
Contudo, essas são apenas duas razões. Há outras. Entretanto, pouco se diz sobre o ato em si, a materialização da ansiedade. Nesse sentido, como explicaríamos para uma criança de 10 anos o que é a ansiedade?
Pensar excessivo
A resposta é: quando não conseguimos parar de pensar. Alguma preocupação com o trabalho ou a saúde. Alguém nos magoou. Uma dor que queremos ultrapassar. Uma perda que precisamos aceitar. Seja o que for, há uma avalanche de pensamentos contínuos. A seguir, tenta-se desesperadamente encontrar algum significado ou solução. Os pensamentos vão e voltam, mas, infelizmente, as soluções raramente chegam.
Numa primeira fase, o pensamento excessivo traz insônias, dificuldade de concentração e perda de energia. A seguir, passamos a nos preocupar com esse excesso de voz interna. Por fim, a tendência é achar que não estamos normais e a preocupação sobre porque sentimos o que sentimos. E aqui, o caminho direto para a ansiedade e a depressão.
Insônia: primeiro sinal
Seja como for, acorda-se no meio da noite com o mesmo alerta: uma sensação ruim, o mesmo pensamento. Insones, reunimos todas as justificativas racionais para não sentir o que sentimos. Procuramos razões e consolos. E lá vem uma chuva de pensamentos e ruminações. Recapitulamos detalhes e revemos todos os acontecimentos….
Sim. Eu falo de mim: desde a pandemia entrei para as estatísticas das pessoas ansiosas. Entretanto, não sou ansiosa todas as horas. Durante o dia, o trabalho e a vida prática me distraem. Porém, à noite sou bombardeada pelo excesso de pensamentos. Um atrás do outro e sem fim à vista.
Os livros
Nesse sentido, procurei uma solução e decidi que ao invés de ouvir a minha voz interna, ocuparia a minha mente com a voz de outros. Dessa forma, fiz uma seleção de livros “de cura” para essas noites de pensamentos excessivos. Resolvi começar por uma biografia: César: a Vida de um Colosso (Editora A Esfera dos Livros), do historiador Adrian Goldsworthy.
Na fase do pré-sono, o livro funciona. Porém, nas madrugadas, a concentração é difícil e misturo as agruras das batalhas da Europa antiga com a minha vida.
Por fim, com o insucesso, optei por uma solução mais técnica. Encontrei por acaso o livro de Pia Callesen, Live More Think Less (Viva Mais, Pense Menos, 2020, numa tradução livre), ainda não traduzido para a língua portuguesa. A autora, especialista em terapia metacognitiva, dedica um livro inteiro sobre o tema e propõe estratégias que prometem ser libertadoras para os excessivamente pensantes.
Pensar? Não precisa
Desde cedo, aprendemos que para encontrar as respostas ou significados, para tomar a decisão certa, precisamos passar horas examinando a nossa mente em busca de soluções. Depois passamos mais tantas horas a desafiar, resignificar e transformar o que pensamos e sentimos em versões mais realistas e toleráveis. A autora vai contra isso e afirma que esse processo — em excesso — pode ser paralisante.
Ora, mas esse não é o método da maioria das psicoterapias? Pois é. Pia afirma que passou anos acreditando nisso também. Entretanto, apresenta estudos onde mostra que a Terapia Metacognitiva é mais eficiente do que a Terapia Comportamental Cognitiva — uma das abordagens mais populares da psicoterapia, por exemplo.
Desista!
Mas como faço se sou, geneticamente, “aquela que pensa”? Para a terapeuta isso é mito. Pensar demais não é uma característica inata — como a cor dos olhos — é uma estratégia aprendida. Fazemos essa escolha consciente ou inconscientemente, como uma forma de tentar lidar com adversidades, com o que pensamos e sentimos. Então, se é assim, é algo que podemos mudar.
Nesse sentido, a primeira ideia é mesmo abandonar esses pensamentos. É o que a autora chama de “terapia preguiçosa”. A terapia metacognitiva afirma que o cérebro humano produz milhares de pensamentos, associações e memórias todos os dias. A maioria dessa produção nem notamos. Alguns pensamentos, entretanto, chamam nossa atenção: são os pensamentos-gatilho. Eis o problema. A partir deles, entram em cena outros pensamentos que podem se transformar em preocupações ou ruminações.
E se…
Portanto, surge um pensamento. Logo a seguir, começamos a pensar em cenários hipotéticos, algo do tipo “E se…”. Depois, outro pensamento-gatillho envolve questões como “o quê, por que e como”. Como se não bastassem as questões associadas ao problema, vem junto perguntas como ‘Por que estou me sentindo assim?’ ‘O que há de errado comigo?’ ‘Como faço para melhorar?
Por fim, o que diz a terapeuta? Primeiro identifique esses pensamentos-gatilho. E quando eles surgirem ignore-os. É como se o pensamento fosse um trem que chega numa estação. Não entre nele. Recuse o pensamento. Você não pode evitar os pensamentos que chegam a sua cabeça, mas a ideia é não embarcar neles. O embarque em vários trens, levará você para um destino doentio.
Adiar e reduzir
Entretanto, há temas incômodos que precisam ser pensados, precisam da minha reflexão. Neste caso, adie. Estabeleça um tempo — com hora definida — para pensar sobre determinado assunto. Logo, você pode programar a reflexão sobre eles para uma hora especifica. Por exemplo, pensarei sobre isso das 18 às 18H30. É algo como “vou me ocupar disso, porém, mais tarde. Não agora”.
E atenção: seja rigoroso no tempo destinado a eles. Seja como for, o grande mal não está no pensamento-gatilho: está na duração dele dentro da sua cabeça. De acordo com Pia, estratégias consagradas como vigiar ameaças, planejamento excessivo e a busca de respostas e garantias — são inúteis. Elas trazem mais preocupações, aumentam a sensação de perigo e a crença de que tudo está fora do seu controle. Enfim, autênticos tiros nos pés.
Por que o tempo?
Em resumo, é como estabelecer prioridades. Aqui é a mesma coisa. E, mais do que isso, há um bônus extra nessa atitude. Ao determinarmos um período para preocupação e ruminação, além de evitarmos a sobrecarga, nos sentimos no controle da nossa mente. E quem controla a mente, controla a vida. É a satisfação de sermos senhores na nossa casa!
Contudo, não vou romantizar. Essa terapia não é de fácil aderência. Antes de tudo, abandonar hábitos e crenças além de difícil, pode parecer assustador. O hábito de pensar, a reflexão sobre o que incomoda é mais do que um mecanismo de enfrentamento, é uma muleta que nos ajuda a suportar o fardo de viver. Logo, pensamos que o pensamento excessivo, a ruminação são estratégias seguras porque já estamos familiarizados a elas.
Eu me defendo
Eu, por exemplo, uso o excesso de pensamento como defesa. Penso que se eu refletir longamente sobre o que fiz de errado, poderei fazer melhor da próxima vez. Penso — como a maioria das pessoas — que se eu me preocupar com o que pode dar errado, serei capaz de lidar melhor quando o que “der errado” acontecer.
Por fim, faça uma análise do seu histórico pessoal e veja se isso é mesmo verdade. Eu fiz. Não é verdade. Pensar sobre o que pode dar errado, não nos prepara para o pior. Pelo contrário. Quando acontece, é como se aquilo nunca tivesse nos passado pela cabeça. Algo do terreno do inacreditável mesmo.
Assim, no momento, estou nesse caminho. Entretanto, preciso terminar a biografia. São 746 páginas. E cá estou, na madrugada, lendo sobre as batalhas de César para conquistar a Gália. E eu — tal como Napoleão que era um admirador da genialidade militar de César — tomo conhecimento das estratégias, analiso os diagramas dos cercos. Releio, interesso-me. Enfim, um inferno. Mas, melhor, muito melhor do que pensamentos excessivos e inúteis.
MARGOT CARDOSO é jornalista e pós-graduada em filosofia. Mora em Portugal há 18 anos, mas não perdeu seu adorável sotaque paulistano. Nesta coluna, semanalmente, conta histórias de vida e experiências sempre à luz dos grandes pensadores.
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