Comida de mãe
O tempero da casa de origem — comida de mãe — é, muitas vezes, o que nos salva dos dias amargos e mais difíceis da vida.
O tempero da casa de origem é, muitas vezes, o que nos salva dos dias amargos e mais difíceis da vida.
Fiquei doente. Covid. Bem eu, a rainha do álcool gel e da máscara dupla. Nos primeiros dias fui nocauteada por um cansaço profundo. Era difícil levantar da cama. Durante os três primeiros dias, eu mal conseguia ir até a sala ou a cozinha para pegar um copo de água. Assim, o mundo se resumia ao meu quarto. Precisei ficar isolada em casa com meus filhos, um casal de gêmeos de 12 anos. Amigos preocupados e muita gente me sugerindo caminhos para lidar com o isolamento e a doença.
O principal deles era a alimentação. Eu não tinha a menor disposição para cozinhar. Comida pronta. Comida congelada. Entrega rápida. A vida em São Paulo parece simples e fácil nesse sentido. Entretanto, a solução, de fato, veio por um singelo telefonema. Da minha mãe. “Como eu posso te ajudar, filha?”. Pensei duas vezes antes de responder. Minha mãe, Ligia, está com 79 anos (e ela detesta que conte a idade dela nos meus textos). Já não tem mais a mesma agilidade de tempos atrás. Ela cozinha para ela e meu pai. Comida simples, do dia a dia.
Comida de mãe
Nesse sentido, pedir que ela me fornecesse almoço seria acrescentar refeição para mais três pessoas. Ao mesmo tempo, como mãe, me desdobraria pelos meus filhos. E ficaria magoada em saber que eles hesitaram em dividir um problema comigo, seja ele qual for. Então, disse a verdade para ela: “Preciso de comida, mãe. Você poderia me mandar almoço todos os dias?”.
E assim, durante duas semanas, ela e meu pai deixavam para mim e meus filhos uma refeição completa, com direito a suco da fruta. Abacaxi ou laranja, com recados: “Bebe tudo, filha. Para você ficar boa logo”. Comida simples, caseira. Arroz, feijão, salada, bife de frango a milanesa, frango ensopado, purê de batata, macarrão, nhoque. O cardápio foi basicamente esse. Contudo, cada prato pronto era um afago no coração. Comida de mãe. Não de uma mãe qualquer. Da minha, que ainda aparecia, no meio da tarde, com um bolo quente de chocolate.
Cura e conforto
Uma pesquisa rápida pelo Google com as palavras “estudo comida de mãe saúde” não me traz nenhum dado relevante que relacione o bem-estar físico com o tempero que vem de casa. Mas tenho certeza que existem efeitos benéficos nisso, sim. Em todos os meus dias mais difíceis, a comida da minha mãe sempre me salvou.
A primeira desilusão amorosa, que fez meu coração em pedacinhos, a separação do primeiro casamento, os primeiros meses dos gêmeos na minha vida. Sempre a minha mãe esteve ali. Ela, que nunca foi de abraçar ou de me dizer palavras de conforto, sempre aparecia com algo que eu adorava. Meu doce preferido, o bolo que gosto desde a infância, o suflê que faz suspirar.
Em resumo: amor. Comida de mãe tem essa capacidade de jogar luz nos nossos dias mais duros. E de mostrar que, com um pouco de afago e um bom prato daquele picadinho delicioso, tudo na vida passa. Os amores, as dores do corpo, os dias de choro incessante de dois recém-nascidos. Enfim, tudo passa. E a gente se refaz.
ANA HOLANDA é diretora de conteúdo da Vida Simples, autora dos livros Minha Mãe Fazia e Como se Encontrar na Escrita, ambos da Rocco. Gosta de cozinhar e de escrever, sua maneira de estar no mundo e de lidar com seus sentimentos mais profundos. Escreve mensalmente nesta coluna.
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