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Arrume sua vida, arrume sua casa
Amanda Vick | Unsplash
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Confesso que ofereci uma certa resistência às arrumações de Marie Kondo. Já conhecia o feng shui e sabia da importância que o pensamento oriental dá ao espaço e aos objetos que estão a nossa volta. Mas há coisas que não conseguimos escapar. Um amigo recomenda, outro aconselha e lá fui eu comprar o livro. Disseram-me que os vídeos com exemplos práticos são melhores do que o livro e também fui a eles. E, sem surpresas,  é exatamente como eu imaginava.

Porém, vislumbrei que o trabalho de Kondo tem um valor que ultrapassa a casa arrumada e isenta de tralhas: é o que acontece na nossa cabeça quando nos livramos do que não é necessário, do que não nos traz alegria. Os objetos que nos acompanham não preenchem apenas o nosso espaço físico, habitam também o nosso espaço mental.  E quando  olhamos para eles com racionalidade e espírito crítico, também olhamos para a nossa vida. Eis o grande mérito da guru das arrumações.  Com sutileza, ela procura fazer o 2 em 1. Ensina que organizar a casa, também é organizar a vida. Desde o primeiro momento que  residimos numa moradia, vamos acumulando objetos. O mesmo acontece na nossa mente. Ao longo da vida, desde o nascimento, vamos enchendo-a, como uma espécie de mochila. E, como era de se esperar, com o tempo, a carga pesa e interfere na nossa caminhada.

Todos conhecem os malefícios da desorganização. Por isso, limpamos e arrumamos. E sabemos que de vez em quando a casa precisa de uma faxina vigorosa. Ocorre que o nosso espaço interior também merece o mesmo cuidado. Fases críticas —  fim de relacionamento, mudança de cidade, demissão de emprego — exigem uma faxina, um longo “arrumar de gavetas”. E o que fazemos? Nada. Entregamos a responsabilidade para o tempo. E aqui começam os problemas porque, infelizmente, o tempo não cura tudo.

Na era do Tinder e das relações líquidas,  achamos que estamos imune aos dramas. Os amores não duram, depois de um, vem outro. Amigos vem e vão com a rapidez de um clique e tudo fica resolvido. Não fica. Vamos acumulando histórias, lembranças, experiências, frustrações, alegrias, desapontamentos, surpresas. E a mochila que carregamos fica cada vez mais pesada, mais incômoda.

Mas mesmo com o incômodo, com lentidão, carregamos o farto e nada é feito. Alguns tem todos os botões vermelhos acionados, mas para se proteger não reagem, entregam nas mãos do tempo. Há histórias de pessoas que foram surpreendidas com a demissão de um emprego que amavam e que julgavam seguro. Após meses mergulhados na depressão, resolveram reagir. Depois de recuperados, afirmam que não voltariam para o antigo emprego por nada e não acreditam como puderam sofrer daquela maneira. A autoanálise mostra que um imenso sofrimento e desperdício de tempo poderiam ter sido evitados se não se esperasse a ação do tempo.

Marie Kondo destaca que antes de arrumar a casa, você precisa primeiro jogar fora o que não te alegra ou que não te serve mais. Essa é a primeira etapa. A seguir, você precisa aprender a arrumar o que sobrou. Nas nossas vivências, o processo é o mesmo. É preciso jogar coisas fora e, com critério e bom senso, saber organizar o que restou. Quem afirma que não tem mais paciência — nem saúde —  para um novo relacionamento, provavelmente tem a mochila na capacidade máxima. E as semelhanças acabam por aqui. O fardo emocional é muito mais danoso do que o material.

Se todos os compartimentos estão ocupados, sem espaço, a vida não vai para frente. De tempos em tempos — ou quando necessário —  é preciso abrir a mochila, despejar tudo no chão, jogar coisas fora e arrumar o que sobrou. Se é difícil nos livrarmos de um vestido que parece uma obra de arte — mas que nunca colocamos no corpo — como abrir mão das fotos da última viagem de sonho com o amor da sua vida? São tarefas desagradáveis porque o apego ao passado predomina. As lembranças são boas e a certeza do que se viveu, conforta. Mas não se pode viver o presente no passado e aqui, Marie Kondo,  ajuda.

A etapa seguinte você deve fazer sozinho: livrar-se da mobília invisível, do fardo emocional feito de culpa, remorso e arrependimento. Heidegger diz que o homem é lançado numa história em andamento, o círculo dos tempos presente-passado-futuro. Vive no presente, mas para vislumbrar o futuro, ele olha para o passado. Volta ao presente, olha novamente para o futuro e a vida vai acontecendo nesses três tempos quase em simultâneos. Esse livre trânsito é um processo que funciona tanto na vida prática, quanto na emocional. Ocorre que, às vezes, na vida emocional, o livre-trânsito deixa de funcionar. Vive-se no presente, olha-se para o futuro, volta para o passado, vive o passado, olha o presente, volta para o passado…. É como uma falha no sistema. O medo de repetir os mesmos erros e viver o mesmo sofrimento, inviabiliza o caminhar para o futuro.

Como retomar o livre trânsito? Encarando as rupturas e as mudanças com maturidade. Assumindo o bom e o ruim do que passou. Diz a psicologia que, nesse processo, é muito importante você saber porque a relação falhou (Kondo diz que você precisa identificar o foco da desordem e combatê-lo). Assimile as perdas e abra espaço para a aceitação. Aceite o erro e o fato de que há coisas que não dá para consertar. Aceite que nada dura para sempre. É o clássico “viver o luto”. Não fuja dele.

E, sobretudo, ajuda muito aceitar que não existe vidas perfeitas. Todo mundo sofre. E você não será feliz para sempre se tiver uma relação bem-sucedida. Solteiros e casados se entristecem, se frustram, se decepcionam. O que ocorre é que as infelicidades de quem está casado são diferentes das de quem está solteiro. Diferentes, mas igualmente infelicidades. Uma relação não divide o mundo entre salvação e danação.

De posse de um espaço emocional limpo e arejado, mantenha-o. O próximo passo é o autocuidado. Não corra para uma nova relação. Desfrute da fluidez do novo espaço, vazio de mobílias. Adapte-se a ele, usufrua do bem-estar recém conquistado. Abra os braços, avalie a dimensão disponível e, sobretudo, valorize o seu feito, a sua capacidade de combate. Orgulhe-se da sua envergadura. E agora, na plenitude de uma nova sabedoria, receba o que está para chegar.

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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