Amor offline: um conto sobre a reconexão no presente
Numa tarde sem internet, o prazer da companhia e a cumplicidade ressurgem, evidenciando a força do amor e da relação no mundo real
Depois de alguns minutos de impaciência nos dedos, algo assim como uma abstinência, as mãos perceberam que na verdade estavam livres. Os dedos se alongaram e tocaram as mãos da companheira.
Logo seguiu-se o erguer do pescoço e finalmente os olhos se encontraram. O corpo suspirou todo. Quanto tempo havia se passado sem contato presencial? Nenhum dos dois se lembrava, contudo.
Moravam juntos e só conversavam por WhatsApp. Até aquele fatídico dia em que a bateria acabou, o wi-fi caiu e a rede elétrica havia entrado em pane. As conversas virtuais com seus emojis agora tinham de ser traduzidas pela boca, cara a cara, no calor do momento. Não foi tão fácil. Vamos tomar um café? Vamos.
Foi a salvação. A caminhada. A padaria. O cheiro do café. A sensação quente nas mãos. Finalmente, as ideias foram tomando fluxo e finalmente conseguiram conversar. No início, palavras curtas e telegráficas. Depois a língua foi se desenrolando, à vontade, e os assuntos começaram a variar.
Eles se deram conta de que, como marido e mulher, eram raras as vezes em que se falavam presencialmente. Quando a noite chegava, até jantavam vez ou outra na penumbra de diálogos que eram quase como relatórios familiares.
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Amor offline e presença
Claro que, entre as noites de sono e sonhos, havia pontos e vírgulas de amor na semana. Mas naquela tarde de amor offline a sensação era de reencontro. Não apenas com o outro, mas com eles mesmos.
Era como se, ao se desligarem do mundo digital, tivessem se reconectado com o que realmente importava. O tempo parecia desacelerar e, naquelas conversas sem pressa, encontraram lembranças de um passado que ainda os unia.
As risadas começaram a surgir, tímidas no início, como se também precisassem se acostumar à ausência de intermediários digitais. As mãos, que antes digitavam incessantemente, agora tocavam, apertavam, acariciavam. A intimidade, que um dia se perdera em meio às mensagens rápidas e respostas automáticas, reaparecia, mais forte e mais real.
Na volta para casa, caminhavam lado a lado, sem pressa. Não havia mais aquela urgência de verificar notificações ou responder a mensagens. Naquele silêncio cúmplice, enquanto o sol se punha diante da presença afetuosa das mãos dadas, ambos sabiam que tinham reencontrado algo precioso: o outro como um presente.
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Conteúdo publicado originalmente na edição 272 da revista Vida Simples
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