A crise que provoca todas as outras crises do mundo
Conheça a história Sufi que mostra que precisamos praticar aquilo que pregamos. A coerência humana evitaria as principais crises no mundo.
Eu gosto muito de uma figura mítica da tradição Sufi, chamada Nasrudin Hodja. Ele teria vivido no século 13 no Oriente Médio, onde suas histórias são muito populares até os dias de hoje. Nasrudin está presente em centenas de narrativas onde assume os mais variados papéis, de tolo e sábio, passando por juiz e filósofo.
Recentemente, em uma conversa que tive com o médico Bruno Trauczynski para o meu podcast, o 45 Do primeiro tempo, e ele citou algumas passagens de Nasrudin para, simbolicamente, mostrar muitas das incoerências humanas e dos dramas que nos cercam.
Com mais de 40 anos de clínica, Bruno enxerga hoje a medicina e a vida por outros ângulos. A conversa com ele trouxe muitos ensinamentos e também boas gargalhadas, afinal, é difícil não se divertir e amar os causos de Nasrudin. Eles nos ensinam sobre a vida.
Resolvi pinçar um desses causos nesta minha coluna de hoje em Vida Simples porque talvez seja uma boa maneira de enxergarmos onde mora uma das piores crises nos dias de hoje.
Sei que as crises estão por toda parte. Basta ligar a TV e um cardápio de tragédias se abre aos nossos olhos: crise do covid, crise econômica, crise entre Rússia e Otan. Todas essas crises de fato existem, mas tem uma outra crise que às vezes não vemos, mas é a causa raiz de todas as outras: a crise da verdade.
Vou deixar que Nasrudin explique.
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Crise da verdade
Conta-se que certo dia uma mãe veio acompanhada de seu filho pequeno para ver o mulá.
“Nasrudin”, disse ela, “o meu filho é viciado em guloseimas e está sempre comendo doces. Você pode dizer para ele parar de comê-los?”
“Hum… A senhora pode voltar aqui na próxima semana?”, pediu Nasrudin.
A mulher estranhou o pedido, mas voltou lá na semana seguinte.
Então Nasrudin ordenou firmemente a criança:
“Menino”, disse o mulá, “não coma mais doces, viu!”
O menino e a mãe fitaram Nasrudin com receio e respeito, mas antes de sair a mãe lhe disse:
“Nasrudin, agradeço pela ajuda, mas por que você não disse isso na semana passada mesmo, me fazendo voltar aqui hoje?”.
“Ah, isso é fácil”, respondeu Nasrudin.
“É que semana passada eu ainda comia doces”.
Coerência
O que esta pequena história sufi nos mostra é que precisamos praticar aquilo que pregamos, caso contrário continuaremos correndo em direção ao horizonte sem nos darmos conta de que é impossível alcançá-lo.
O problema é que vivemos tempos de incoerência, inclusive conosco. Eu falo o que outro deve fazer mas eu mesmo não faço.
O que adianta apontar o dedo para o governo dizendo que ele é tolerante com a corrupção enquanto eu também a pratico em pequenas frações do meu dia?
Se a consciência nos define, nossos atos e nossas escolhas nos revelam. A coerência ética começa comigo, já dizia o líder pacifista, Mahatma Gandhi.
Em tempos de redes sociais um olhar um pouquinho mais apurado nos mostra o tamanho da encalacrada que vivemos. São tantas certezas destiladas pelas timelines que até parece que vivemos numa outra frequência.
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Doenças emocionais
Quando não somos coerentes conosco mesmo, muitas vezes a própria vida se comunica com a gente através de algum alerta. É como se ela nos dissesse: “viva a verdade, caso contrário, você passará sua jornada se enganando”.
Nestes últimos três anos conversando com pessoas que mudaram de vida depois de enfrentar inúmeras dificuldades e traumas, sinto que grande parte das doenças emocionais, como depressão, ansiedade e síndrome de burnout, tão presentes nos dias de hoje, tem ligação também com essa ausência de coerência interna.
É impossível achar essa linha que nos conduz a uma vida mais plena, mentindo para a gente mesmo. A mentira adoece.
Nasrudin tem muito a nos ensinar.
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