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O que aprendi ao pedir demissão
ILUSTRAÇÃO: Tiago Gouvêa
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Pedir demissão nem sempre é uma tarefa fácil. Definitivamente não foi para mim. Em alguns momentos, pensei que ao fazer isso me sentiria feliz, pois estaria me livrando daqui­lo que não queria mais em minha vi­da.

Bem, quando finalmente fiz isso, não foi exatamente alívio o que sen­ti, mas um misto de medo (do futu­ro, do fracasso) e de dúvidas. Eu me questionava se havia feito a escolha certa ou se minha atitude havia sido uma grande loucura.

Eu tinha 32 anos e estava no au­ge da minha carreira. Após 14 anos trabalhando no segmento farma­cêutico, havia mudado de empre­sa para assumir um cargo desejado por muita gente.

Depois de passar por um longo e árduo processo sele­tivo, conquistei a posição de geren­te sênior de treinamento em uma empresa de biotecnologia (a queri­dinha do ramo, na época), em São Paulo.

Ganhava um ótimo salário e tinha um pacote de benefícios atra­ente. Isso era, de fato, um grande marco na minha história. E, para mim, que havia iniciado nessa car­reira como estagiária, para conse­guir pagar a faculdade de publici­dade que fazia em Belém (PA), tudo isso era motivo de grande orgulho. Adoraria poder dizer que, então, es­tava tudo muito bem. Mas não esta­va. Eu não estava feliz.

Romper com o seguro é absolutamente desafiador e o joga bem longe da sua zona de conforto. Em momentos delicados como esse, poder contar com sua rede de apoio é fundamental

O corpo sente o peso da insatisfação

Meu corpo já vinha me dando sinais de que alguma coisa não ia bem, havia algum tempo. Antes de mudar de empresa, trabalhei por dez anos em outra multinacional do mesmo setor e achava que o proble­ma era este: tempo demais no mes­mo lugar.

Eu já havia passado por di­ferentes áreas e, no fim, sentia que me faltava autonomia, precisava de novos ares e mais espaço para mi­nhas ideias. Mas eu estava engana­da. Como dizem por aí, “o buraco era mais embaixo”.

Infelizmente, não estamos acostumados a escutar nosso cor­po e emoções, não fomos ensina­dos a incluir esses domínios em nos­sa aprendizagem, e assim seguimos “mancos”, sem perceber as mensa­gens emitidas por nós mesmos.

Fe­lizmente, essa parte de mim é muito generosa e resolveu gritar mais alto, para que eu pudesse ouvi-la. Resul­tado: não conseguia dormir direito, acordava com palpitações e ânsia de vômito, me sentia extremamente ansiosa e angustiada. Chorava mui­to.

Nesse ponto, eu já tinha consci­ência de que, talvez, o problema fos­se a minha escolha profissional. Eu já fazia terapia, e a vontade de pe­dir demissão só crescia dentro de mim.

Antes de pedir demissão, tentei arduamente

O problema é que as pessoas que eu mais amava não me encora­javam, e isso tornava as coisas mais difíceis para que eu tomasse a deci­são. Admitir para si mesmo que a es­sa altura do campeonato, quando supostamente você deveria seguir ascendendo e ganhando dinheiro, você quer, na verdade,”parar o trem e descer”é algo dolorido.

Nas conversas que tinha com as pessoas mais próximas, recebia con­selhos como: “Tome um ansiolítico, vai te ajudar” ou “Tente ficar calma e ter paciência que logo vai entrar de férias e poderá pensar melhor”.

Em­bora meu corpo e minhas emoções me dissessem que não era apenas aquilo, eu não tinha força suficiente para fazer o movimento que deseja­va.

O que também não ajudava e me trazia mais insegurança para tomar a decisão era o fato de eu ser recém­-casada e meu marido ter acabado de se lançar em uma carreira autô­noma, cheia de incertezas. Era mui­ta coisa naquele “balaio”.

Decidi que ia seguir pelo cami­nho “mais fácil”, procurar um psi­quiatra e tomar um remédio. Afinal, é assim que muita gente resolve esse tipo de situação, não é? Recorre ao tarja preta, se dopa e segue em fren­te. Continua ganhando dinheiro, pa­gando as contas e fica esperando os fins de semana ou as férias para cur­tir a vida.

Ainda bem que, nesse mo­mento, meu anjo da guarda estava de plantão, e meu marido compre­endeu que se eu estava disposta a tomar essa medida (que sempre fui contra) era porque algo estava real­mente muito errado, e então me ofe­receu o suporte que eu precisava pa­ra pedir demissão. Ele conversou co­migo, me deu apoio e me encorajou.

O exercício de escutar a si mesmo

demissão Atualmente, Luana está viajando pelo mundo. Ela acredita que o local onde mora não importa, porque de alguma maneira as pessoas sempre vão se encontrar

Esse exercício de se escutar e ter co­ragem para romper com o seguro e conhecido é absolutamente desafia­dor e lhe joga para bem longe da sua zona de conforto.

Em momentos delicados como esse, poder contar com sua rede de apoio é fundamen­tal. Eu vivia uma crise de propósito, embora naquele momento não sou­besse que era isso que estava acon­tecendo.

Logo que me demiti, não sabia exatamente por onde seguir; afinal, foram anos dedicados ao mesmo universo, imersa e molda­da à cultura organizacional.

Então, quando rompi com tudo aquilo, as infinitas possibilidades que estavam à minha frente não pareciam tão evidentes assim e a escolha de um novo caminho era ainda bastante nebulo­sa. O que eu tinha que fazer?

Primeiro, me permiti ser guia­da por aquela voz sutil, que muitas vezes desprezamos, a intuição. E is­so foi valioso. Através dela, me co­nectei e me tornei membro de uma rede de profissionais que difun­de o chamado EUpreendedorismo no mundo.

Ou seja, você empreen­der seus projetos pessoais e profis­sionais a partir da sua essência. E lá aprendi que a melhor maneira de descobrir um propósito é fazendo, experimentando.

É claro que para isso é necessário também estar conectado com aquilo que você sabe fazer muito bem, com o que gosta, que são seus verdadeiros talentos, e obviamente, com seus valores, que o guiam.

Essa equação é muito po­derosa: colocar seus talentos a ser­viço daquilo que quer ver frutificar no mundo. E, a mim, essa ideia en­canta profundamente.

Retomando a mim mesma depois da demissão

Porém, nessa jornada de olhar para dentro e me pesquisar, tinha muito trabalho a fazer. Isso porque, com a chegada da vida adulta e das responsabilidades somada à roti­na exaustiva de trabalho, acabei me esquecendo de muita coisa que me constituía.

Já não lembrava mais que outros dons eu tinha, além daqueles que usava diariamente no trabalho. Foi então que comecei a trilhar um caminho que sempre tive vontade, mas que não havia feito antes por fal­ta de tempo e oportunidade.

Voltei a estudar e fiz inúmeros cursos para me experimentar e me redescobrir — de formações ligadas a empreendedorismo e propósito a coaching e pedagogia da cooperação.

Quando fiquei em contato mais íntimo e consciente com meus ta­lentos, entendi que não precisava querer encontrar um só caminho, porque poderia colocar o meu pro­pósito em ação de diversas manei­ras.

Hoje, não me defino por uma única profissão. Dou aulas, promo­vo encontros e workshops, faço tra­balho voluntário, canto, escrevo e sigo aberta a outras possibilidades.

Pedir demissão não é o fim, e sim o começo

Esse foi também um período de aprendizados profundos. Me relem­brei do que todos nós sabemos (por­que nossas células sabem) mas que acabamos esquecendo (na correria do dia a dia e na cultura competitiva em que estamos inseridos), que so­mos todos a mesma coisa e forma­mos juntos uma comum-unidade universal.

Sendo assim, o que po­demos fazer de melhor nessa vida é servir, uns aos outros, com aquilo que cada um tem para oferecer.

Quando nos conformamos em viver infelizes, porque precisamos de dinheiro para pagar as contas ou porque não temos coragem para re­começar, isso nos apequena.

Não quero dizer com isso que as neces­sidades materiais não sejam impor­tantes. Mas elas não podem ser as responsáveis por nossas escolhas.

Desejo que possamos seguir aprendendo, uns com os outros, e que tenhamos coragem para escu­tar o que nossa alma está pedindo, porque, afinal, não podemos querer que as coisas mudem se não mudar­mos antes a nós mesmos.


LUANA FONSECA trabalha como terapeuta, em sessões a distância, e divide suas re­flexões no perfil @almapelomundo e em sua coluna aqui na Vida Simples.


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Conteúdo publicado originalmente na Edição 198 da Vida Simples

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