A perfeição é tudo que a gente busca na vida. Entretanto, tê-la como objetivo final de nossas ações pode atrapalhar, e muito, a vida profissional de quem prefere entregar perfeito do que apenas entregar. O perfeccionismo gera atrasos, insatisfações, julgamentos e falta de acolhimento de colegas. Além disso, pode deixar aquele projeto – que seria perfeito, se existisse – apenas no papel.
O analista de marketing Frank Briglia, de 21 anos, entendeu logo no início de sua carreira que o excesso de competitividade – uma característica que vinha alimentando sobre a sua personalidade desde a infância – somada com a exigência e a autocobrança, podem ser uma combinação nada satisfatória e desvantajosa para todas as pessoas envolvidas.
O perfeccionismo é realmente bom?
“Eu me dei conta de que eu era perfeccionista quando percebi que também era competitivo. Desde criança sou competitivo, sempre quis ser o melhor, o primeiro. No meu trabalho eu acabei sempre querendo entregar os melhores resultados. Mas percebi que isso atrapalhava quando passei a receber retornos de colegas, de que haviam coisas simples que eu poderia fazer bem mais rápido. Então, o tempo era a prioridade nesses casos. Eu não precisava dar a atenção toda que eu dava. Foi um momento que eu percebi que estava atrapalhando a minha vida profissionalmente.”
Frank conta que, em alguns momentos, o perfeccionismo é até vantajoso. Afinal, ele é um legítimo e louvável desejo de fazer o seu melhor, com a possibilidade de fazer entregas acima das expectativas. Entretanto, o excesso de cuidados também já o fez perder o fluxo de trabalho (em outras palavras, o timing com o restante da empresa), algo fundamental para o trabalho com o marketing.
“Temos que ter uma velocidade na comunicação, tem que ter o timing ideal da publicação de um post, um artigo, um e-mail. Então, quando você se coloca nessa posição de querer fazer o melhor sempre, isso tem um preço, que é justamente o tempo. Então, o perfeccionismo já me atrasou bastante. Às vezes eu quero entregar algo além do esperado, mas não consigo justamente por causa do tempo, que é a prioridade em várias demandas de trabalho”, relata ele, que está praticando a arte do desapego.
O perfeccionismo atrapalha a excelência
A psicóloga Ludmila Jeanne explica que o modelo de sociedade naturaliza e valoriza práticas que sobrecarregam as pessoas. Desse modo, o perfeccionismo acaba sendo considerado algo bom por levar à excelência. Entretanto, essa ideia não leva a ações eficientes. Ela mais atrapalha do que ajuda quando se fala de desenvolvimento pessoal e coletivo.
“Ser excelente é sobre sermos e fazermos da melhor forma possível. Já a perfeição é algo humanamente impossível, que mais nos atrasa do que nos impulsiona”, explica a especialista.
Isso ocorre porque o perfeccionismo está associado a algumas características que podem atrapalhar relacionamentos e até a vida profissional. Ela destaca algumas delas, como a baixa tolerância à frustração e pouca habilidade de se adaptar às situações não planejadas.
Ainda pode levar a uma tendência à procrastinação, ao pensamento dicotômico (ou 8 ou 80), à inconsistência no cumprimento de metas e projetos, e a expectativas irreais e insustentáveis.
“O funcionamento cognitivo de uma pessoa perfeccionista costuma ser inflexível, rígido, sistemático e sobrecarregado de pensamentos. Isso pode atrapalhar a identificação das possibilidades de escolhas, além de dificultar com que elas enxerguem seus pontos positivos e negativos com clareza. São pessoas que podem ter a sua capacidade de resolução de problemas e de execução de tarefas prejudicadas por essas características”, destaca.
O que acompanha o perfeccionismo
Quando ainda era criança, a modelo e estudante de publicidade e propaganda, Ruth Tsalou, de 20 anos, notou que seu comportamento era um pouco diferente. Ela colocava muita pressão sobre si mesma em coisas simples porque “queria tudo perfeito.”
O nome para esse “traço de personalidade” veio tempos depois: perfeccionismo. Mas isso nunca foi, de fato, uma qualidade. “O perfeccionismo vem acompanhado de estresse, cansaço, insônia e pessimismo”, relembra Ruth.
A jovem relata ainda que na intenção de ter um andar impecável na passarela, treinou com salto alto por tanto tempo que quase torceu o tornozelo. E isso aconteceu mesmo depois de já ter alcançado um nível bom.
“Quando as pessoas diziam pra mim que já estava bom, parecia que o que elas queriam dizer era que estava okay, mas não era o suficiente e que eu precisava ser perfeita.”
LEIA TAMBÉM
– Como abandonar o perfeccionismo e ter uma vida mais leve
– Por trás da timidez e da ansiedade social há perfeccionismo e medo
Saúde mental afetada
Não só o físico é prejudicado. O emocional e o psicológico também são feridos. “Conviver com o perfeccionismo quase acabou com a minha saúde mental porque nada, nem ninguém, pode ser perfeito. Constatar isso, no começo, me deixou ainda mais frustrada, por eu não conseguir sentir a perfeição. Mesmo chegando em um nível incrível na minha vida profissional, achava que ainda não era boa o suficiente”, confessa.
Frank relata que o perfeccionismo já prejudicou seu desempenho criativo. “Passar por um bloqueio criativo é algo que acontece normalmente com quem trabalha com criatividade. Mas a busca pela perfeição é um fenômeno agravante. A gente acaba se cobrando demais para finalizar ou para entregar algo acima do esperado e a saúde mental fica em colapso. Afinal, podemos ficar ansiosos em momentos de bloqueio criativo. Somado com o perfeccionismo, esse momento de ansiedade fica extremo”, conta.
Esse sentimento de extrema ansiedade pode ser explicado pelos altos níveis do hormônio cortisol, liberado na corrente sanguínea em momentos de exposição constante à pressão. Esse hormônio, explica Ludmila, está associado a transtornos de ansiedade, obsessão e compulsão, depressão e síndrome de burnout.
Como lidar com o perfeccionismo
A consciência o perfeccionista não livrou Ruth e Frank da tendência de buscarem ser perfeitos. Mas, hoje, eles tentam conviver melhor com essa característica.
Para Frank não há algo que atenua o perfeccionismo. O que o jovem costuma fazer é, em dias em que se sente esgotado, ele faz o básico bem feito. Mesmo que, secretamente, considere mal feito ou que não goste do resultado final.
Já Ruth conta que encontrou na espiritualidade um caminho para se tranquilizar diante do perfeccionismo. Além disso, ela também adotou a arte do desapego, uma excelente estratégia.
“Eu aprendi a deixar para lá as coisas que eu não posso controlar. Além disso, quando eu sinto que eu não consigo parar de pensar, caminho no meu bairro para esvaziar a cabeça, ouvindo música, dançando, cantando, ou mesmo treinando a minha passarela.”
É preciso encontrar as raízes
Ludmila destaca que é importante cuidar da raiz do problema e entender o que está por trás do perfeccionismo. Essa análise, muito importante, pode ser feita em terapia.
Dessa forma, pode-se suprir essa necessidade de forma mais saudável. Além disso, ela relembra que é preciso reconhecer a imperfeição e trabalhar a autocompaixão para ter mais equilíbrio.
Ela explica ainda que a aceitação e a humildade melhoram a relação com outras pessoas e com elas mesmas. Sim, é possível diminuir o nível de estresse e aumentar os níveis de produtividade e criatividade, sem precisar reduzir a qualidade da entrega.
“Desenvolver a humildade de reconhecer as nossas limitações possibilita o aumento da eficácia e da praticidade das tarefas, uma vez que nos faz focar no que é real, no que já temos de potencial e no que realmente é possível ser feito, ao invés de perdemos tempo com idealizações incansáveis ou muito mais demoradas de se obter”, ilustra.
Você pode gostar de
– Síndrome de Burnout: quais os sintomas mais comuns e como se cuidar?
– Estratégias para melhorar a produtividade sem sofrer um burnout
Os comentários são exclusivos para assinantes da Vida Simples.
Já é assinante? Faça login