Brincar é simples, a gente é que complica
As crianças não se prendem a brinquedos caros pois o potencial criativo não mora em coisas prontas e plastificadas. O que elas mais precisam é espaço para a imaginação
Muitos pais não entendem por que os bebês brincam mais com as caixas e embalagens dos presentes do que com os próprios brinquedos que ganham. Acredite! Ainda depois de já maiorzinhos, você continua investindo 3, 4 dígitos de reais em estruturas lúdicas ou eletrônicas e pode acontecer de eles brincarem um total de 30 minutos com o objeto. Logo depois, mergulham a atenção na cabana de lençóis e almofadas ou nas suas vasilhas da cozinha. Isso porque o brincar só precisa de uma mente aberta e criativa para acontecer. E as crianças têm isso de sobra.
O bombardeio de comerciais com novos brinquedos e personagens que “seu filho vai amar” nos vende a ideia de que para brincar é preciso um grande investimento em brinquedos. Eu diria que para brincar o bom é ter espaço. Há dificuldade de dizer no discurso, na comunicação, uma coisa que é poesia. É por isso também que o potencial criativo do brincar não consegue ser traduzido por completo em coisas prontas e plastificadas. É preciso uma criança para dar vida e novas funções para esse brinquedo, que ainda assim tem limitações.
Os bebês, por exemplo, chegam ao mundo com uma curiosidade natural sobre tudo, além da curiosidade de explorar e aprender. Para que conheçam de fato como o mundo funciona eles precisam experimentá-lo, inclusive com a boca. Por isso, tocar, provar, sentir tudo ao seu redor. Diferentes sons, texturas, cheiros, pesos, formas, reações, etc, fazem toda a diferença. Esse olhar atento já é o brincar. E assim o papel de embrulho, pela diversidade de possibilidades (rasga, embrulha, faz barulho, arranca com os dentes) pode ser bem mais legal que um brinquedo pronto de plástico que emite apenas um som.
Com as crianças maiores, esse potencial criativo e curioso permanece. Uma pulsão criativa que a gente não sabe muito bem de onde vem. Velhos pneus, tocos de madeira, tecidos e embalagens podem se transformar numa brincadeira incrível e duradoura. Nesse território de livre brincar, elas podem aplicar sua imaginação para construir, destruir e inovar da maneira como quiserem. Ali fantasias, hipóteses e artefatos são construídos conforme a necessidade da brincadeira.
E quem tem crianças por perto, já sabe o valor que elas dão ao objeto que criou. Se você assistiu a Toy Story 4 viu ali a expressão do vínculo e valor que uma criança pode criar com o brinquedo que produziu. Isso tudo mostra que há muita simplicidade nas brincadeiras e o potencial criativo surge de onde menos se imagina. A relação criador e criatura na infância é extremamente profunda.
Lydia Hortelio, graduada em música, é dona de uma história que ultrapassa a esfera acadêmica sobre as cantigas e brincadeiras populares. Ela disse que “Estamos diante da revolução que falta que é revolução da criança. Que é a revolução do brincar. Do restabelecimento do ser humano com sua grandiosidade.”. Essa senhora é atualmente homenageada pelo Itaú Cultural, em São Paulo, com uma Ocupação cheia de relíquias e instalações lúdicas inspiradas no seu trabalho.
O brincar é um assunto bem profundo, pois lida com representações, simbologias, repertório e vivências dos seus brincantes, inclusive com nossas lembranças. O tema é complexo, mas suas ações estão na simplicidade. E quanto mais singelas, vemos clara a magnitude das crianças em seu encantamento com a vida.
Luísa Alves é relações públicas e criadora da plataforma Guia Fora da Casinha, na qual compartilha conteúdo sobre infância e mater-paternidade na cidade, além de agenda cultural pra quem tem crianças em São Paulo. Nesta coluna, quinzenalmente, traz reflexões sobre cidadania, cultura e lazer na infância, fortalecimento de mães e sobre o estilo de vida com crianças. Seu instagram é @guiaforadacasinha
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