Coincidências que assombram
A vida nos surpreende com coincidências fantásticas. Algumas são tão inacreditáveis que guardamos apenas para nós.
A vida nos surpreende com coincidências fantásticas. Algumas são tão inacreditáveis que guardamos apenas para nós.
Você já vivenciou uma grande coincidência? Daquelas que são tão impressionantes que sentimos até vergonha de contar para alguém, porque temos certeza de que ninguém vai acreditar? Acho que todos nós já tivemos uma experiência dessas. Guardamos como segredo. E num determinado momento, à meia luz, com umas boas taças de vinho, abrimos o coração para o nosso melhor amigo. E imploramos para que o assunto morra ali.
Como o mundo está povoado de amigo da onça, um dia o traíra não resiste guardar aquela informação só para ele e revela tudo para os arautos da turma. E pior, já conta com aquela carinha de malandro, para demonstrar que ele não é otário e não acreditou na lorota.
Difícil de acreditar
Pois bem, eu tenho várias histórias desse tipo. Algumas deixei só para mim. Primeiro, vou começar contando uma difícil de acreditar. Depois relato outra muito curiosa, mas para a qual tenho provas. Vamos à primeira. Quem já foi para Nova Iorque sabe que há a Broadway, onde são exibidos os grandes espetáculos, naqueles teatros gigantescos. E há também a off-Broadway, locais onde estão os teatros menores, com no máximo 499 assentos. As peças apresentadas ali são de produções com menos custos e sem tanta promoção publicitária.
Em uma de nossas férias, depois de presenciarmos alguns grandes espetáculos, minha mulher e eu resolvemos assistir a uma das peças off-Broadway. Quase na hora de iniciar a apresentação, um casal se sentou ao nosso lado. Ao nos identificarmos como brasileiros, tivemos uma conversa bastante agradável. No final nos despedimos com aquela sensação de que estávamos nos vendo pela última vez.
Encontros raros
Muitos anos depois, em uma casa de show na Argentina, quando já estávamos acomodados para ver um espetáculo de tango, um casal se sentou ao nosso lado. E, para nossa grande surpresa, eram as mesmas pessoas que havíamos encontrado lá em Nova Iorque. No final, demos um até logo, brincando: até em outra parte do mundo. Realmente foi uma incrível coincidência.
Assim, vamos agora a outra coincidência impressionante. E essa, como eu disse, tenho como comprovar cada detalhe. Há pouco publiquei aqui um texto contando a história de um livro que marcou a minha vida. Comentei como a obra “A arte de falar em público”, editada em 1933, me deu a oportunidade de ser amigo do seu autor, o professor Silveira Bueno. Disse também que, por causa dessa minha aproximação com ele, frequentei muito a sua casa, que, segundo ele, era de flores por fora e livros por dentro. Esse mestre tinha um acervo excepcional. Durante alguns anos, revirei aquelas estantes de cabeça para baixo.
Silveira Bueno
Só para dar uma noção de quem foi o professor Silveira Bueno, basta dizer que além de ter sido um dos mais renomados filólogos do país e de ter publicado mais de 60 livros, foi também professor de Português do Papa Pio XII. As minhas conversas com ele eram sempre longas e muito prazerosas. Lembro-me de um dia, enquanto vasculhava os seus livros, de ter comentado o fato de ele fazer anotações em praticamente todos eles. Sua resposta irônica foi: sim, professor Polito, eu leio os meus livros. Rimos muito da brincadeira.
Entretanto, quando eu achava que estava sendo invasivo, colocava os livros no lugar, e observava para ver se estava tudo em ordem. Sempre muito atento, em todas às vezes, ele se aproximava e dizia: pode olhar à vontade. Quero que se sinta em casa. Assim, eu voltava às prateleiras para continuar bisbilhotando. O que vou descrever agora tem muito a ver com o que acabei de contar.
Edições raras
Certa vez comprei uma 5ª edição do livro “Lições elementares de eloquência nacional”, de Francisco Freire de Carvalho, publicado em 1856. Algum tempo depois tive a felicidade de adquirir a 1ª edição dessa mesma obra, publicada em 1834. O livro estava perfeito, ainda com a capa original. Provavelmente o único no mundo com esse estado de conservação. A partir daí pesquisei para descobrir quantas edições haviam sido publicadas. Fiquei sabendo que chegara até a 8ª edição, editada em 1880.
Resolvi partir ao encalço de todas as edições. O meu querido amigo Mário Romão, que vive em Lisboa, Portugal, gentil como sempre, me ajudou a trazer da cidade do Porto a 2ª edição, de 1840. E dessa forma fui buscando edição por edição.
Por fim, consegui quase todas as edições. Faltavam apenas duas, a 4ª de 1850, e a 7ª, com data desconhecida. Eu falava com os alfarrabistas de Portugal, e eles me diziam, até em tom de brincadeira: olha, professor, talvez tenha havido engano da editora, e pularam da 6ª para a 8ª edição, pois não há uma única menção sobre ela em nenhum trabalho acadêmico.
Achado
Contudo, eu sou obstinado e a desistência não faz parte do meu vocabulário. Então, um belo dia encontrei uma livraria que estava vendendo a 7ª edição. Fiquei em dúvida, porque Freire de Carvalho publicou outro livro com título muito semelhante – “Lições elementares de poética nacional”, e a data mencionada, 1878 poderia ser dessa outra obra. Pensei: vai que seja mesmo a edição que estou procurando há tantos anos.
Nesse sentido, decidi não vacilar e fiz o pedido. Dois dias depois, ao chegar em casa, vi sobre a minha escrivaninha um pacote que parecia ser o da livraria. Abri com cuidado. O coração batia na esperança de que fosse o exemplar que eu tanto almejava. E era! Em seguida, a emoção que já era incontida, ficou ainda maior. Ao analisar o frontispício, com letra trêmula, estava a assinatura do professor Silveira Bueno.
A espera
O livro pertencera a ele. Devo ter esbarrado nessa obra algumas vezes, sem me dar conta de que era o livro que tanto desejava. Uma coincidência indescritível. Se, depois de tanto trabalho para encontrar essa edição, eu ficara feliz com a descoberta, ao saber a quem pertencera o livro, aí a minha paixão por ele não cabia mais em mim.
A minha busca continua. Ainda falta a 4ª edição para completar a minha coleção. Assim como consegui todas as outras ao longo desses trinta e tantos anos, tenho certeza de que antes de partir ainda conseguirei ter todas em mãos. Quem sabe você que está lendo esta minha história agora não possa me ajudar? Talvez tenha um parente ou um amigo que possua livros antigos e essa edição esteja lá descansando a minha espera. E quanto a você? Já se lembrou de uma grande coincidência na sua vida?
Reinaldo Polito é mestre em Ciências da Comunicação, palestrante, professor nos cursos de pós-graduação em Marketing Político e Gestão Corporativa na ECA-USP e autor de 34 livros que já venderam 1,5 milhão de exemplares em 39 países. Sua obra mais recente é“Os Segredos da Boa Comunicação no Mundo Corporativo”. @polito
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