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Coloque pausas na rotina e reserve mais tempo para você
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Ufa! O relatório da empresa fechou, o amigo secreto se realizou, a ceia passou, os presentes foram trocados, o mês acabou. E agora, José?

Você que vive de planos, que faz resoluções, que não pode parar, está preparado para começar tudo de novo? Porque é assim mesmo: um mês acaba e logo vem outro. Um ano se vai, e outro se inicia.

E, então, o ano novo chega com a agenda em cima da mesa cheia de dias para serem preenchidos com afazeres e metas. Mal dá tempo de colocar os pensamentos no lugar, ajustar o GPS e recalcular a rota.

Vamos vivendo sem tempo para paradas. Não sei se a sua impressão é a mesma que a minha, mas os dias se tornaram ainda mais cheios ultimamente.

As tarefas se empilham com mais facilidade que a louça na pia. E os dias acabam com aquela sensação de que muita coisa ficou para trás, por mais que você faça.

Daí me vêm à memória meus tempos de infância jogando videogame. Não importa quantos adversários você consiga dar cabo, sempre surgem outros: dos becos, do teto, do cantinho da tela. Quanto mais você avança de fase, mais inimigos aparecem.

O transe da urgência

Esse sentimento generalizado de que a matemática das tarefas parece ter uma lógica diferente da aritmética do nosso tempo está levando a sociedade a uma espécie de transe da urgência.

Com os celulares (sempre à mão), nunca desconectamos. Trabalhamos na mesa do restaurante respondendo ao email, pensamos nas compras do supermercado ao levar o filho no parquinho, fazemos ligações nos trajetos para otimizar o tempo do trânsito.

A ansiedade de tudo “pra ontem” fez surgir um padrão de comportamento que a psicologia tem investigado e identificado como precrastinação.

Ao contrário dos que sofrem da procrastinação (o ímpeto de deixar tudo pra depois, como acontece com este repórter que vos escreve), os precrastinadores realizam uma tarefa tão logo a recebem.

O que é precrastinação?

Esse tipo de comportamento foi descoberto por pesquisadores da Universidade Estadual da Pensilvânia, nos Estados Unidos.

Para medir como as pessoas enfrentam os esforços físicos, os cientistas propuseram um desafio: 27 voluntários deveriam carregar um balde de moedas por uma determinada distância. E poderiam fazer isso da maneira que considerassem melhor.

Os baldes foram colocados em dois pontos: próximos de onde os participantes deveriam iniciar o desafio e, outros, bem pertinho da linha de chegada.

Para surpresa da equipe, a maior parte dos voluntários preferiu pegar o balde que estava mais próximo deles – mesmo que isso os fizesse carregar o peso por um trajeto maior.

Entrevistadas depois, essas pessoas justificaram sua decisão da seguinte forma: achavam que, ao pegar o balde que estava logo ali, tinham a impressão de ter começado o desafio mais cedo, ganhando, assim, uma vantagem na sua resolução. Ou seja, o raciocínio foi “quanto antes eu começar, antes eu termino”.

“Precrastinadores iniciam as tarefas antecipadamente para se livrar da ansiedade que elas podem representar, do medo de não conseguirem terminá-las a tempo”, explica David Rosenbaum, um dos autores da pesquisa e professor do Departamento de Psicologia da universidade.

“É um gatilho tão automático, que não conseguem nem medir as desvantagens que podem ter?, afirma. No caso, ter que demandar um maior esforço físico do que seria desnecessário.

Nem tão racionais

Os seres humanos não são assim tão racionais, como quis supor alguns dos mais importantes pensadores da razão. Nossa habilidade de raciocinar supostamente nos separa de outros animais, então a sensação é de que devemos ser incrivelmente razoáveis em basear cada ação em deliberações profundas.

Mas não é assim que as coisas funcionam. “As ciências sociais matemáticas, como a economia, fundamentam-se na concepção do ser humano como quem faz escolhas com base em qual ação é mais provável de promover seus desejos fundamentais.

Isso é estranho, já que muitas outras ciências, como a sociologia e a psicologia, fornecem muitas pistas de que não funcionamos assim”, explica John Perry, professor de filosofia na Universidade de Stanford, e autor do livro A Arte da Procrastinação – Como Realizar Tarefas Deixando-as Para Depois (Paralela).

No pequeno compêndio, ele defende que as pessoas, no fundo, preferem fazer algo diferente do que pensam ser o melhor para elas. “Acho que procurar atingir o ideal do agente racional é fonte de muita infelicidade desnecessária. Não é a forma que muitos de nós funcionamos; certamente não é a minha”, afirma.

“Meu fracasso mais sério, em termos desse ideal, é a procrastinação”. Perry conta que, em 1995, estava se dedicando a um projeto, só que não conseguia evoluir no trabalho. E, claro, essa incapacidade lhe causou bastante mal-estar.

Ele sabia que precisava fazer aquilo, seguir em frente. Mas ocupava seu tempo com outras coisas – tudo para não encarar as centenas de páginas que precisavam ser lidas. Mas, entre seus pares, ele era visto como um homem de reputação, que fazia várias coisas ao mesmo tempo e, por isso, contribuía muito para a universidade.

Refletindo sobre a própria procrastinação, Perry concluiu ser o que chamou de procrastinador estruturado: uma pessoa que faz muito ao não fazer outras coisas. “É uma incrível estratégia que converte procrastinadores em seres humanos eficientes, respeitados e admirados por tudo que realizam e pelo bom uso que fazem de seu tempo”, explica.

A questão é que procrastinadores adiam as coisas que precisam fazer, mas encontram, no meio do caminho, outras tarefas que os ocupem e os tirem da responsabilidade daquele Projeto, com “p” maiúsculo.

“Na sua mente, ou até anotado em algum lugar, você tem uma lista de coisas que quer realizar, ordenada por importância. Você até poderia chamá-la de prioridades. As tarefas que parecem mais urgentes e importantes estão no topo. Logo abaixo, há aquelas que valem a pena ser realizadas. Fazer cada uma delas se torna uma forma de não fazer as coisas do alto da lista. Com esse tipo de estrutura de tarefas apropriada, o procrastinador se torna um cidadão útil”, afirma.

Porque não são só as coisas muito importantes que precisam ser feitas. Enquanto escrevo este texto, me distraí com a planta e lembrei que deveria ser aguada. Fui fazer algumas anotações e precisei apontar o lápis. Lembrei que a roupa terminou de bater e fui estendê-la.

É claro que todos esses afazeres eram maneiras de fugir do foco principal: terminar o texto. Mas se só ele fosse prioridade no meu dia, a planta teria ficado seca, a roupa ia ficar cheirando mal e o lápis deixaria de ter sua função, sem a ponta.

A procrastinação estruturada é, pois, uma forma de nos lembrar que a gente não pode viver sob a ditadura das tarefas urgentes, que nos impomos. E as tarefas menores, ficam sem ser geridas, coitadas?

Perry conta no livro que a situação mais perfeita de procrastinação estruturada que já viveu foi durante uma estadia na Soto House, uma moradia de Stanford. Durante a noite, com “trabalhos para escrever e palestras para preparar”, ele ia à sala dos estudantes, jogava pingue-pongue ou ficava conversando com a molecada.

Ganhou a consideração de um residente incrível e foi um dos raros professores do campus que passara algum tempo com os estudantes para conhecê-los melhor. “Que conquista: jogar pingue-pongue como forma de não fazer coisas mais importantes e ainda ganhar a reputação de ser um professor excelente”, brinca.

Prioridade e urgência

Uma amiga minha, também jornalista, melhorou ainda mais sua reputação de mãe e esposa ao redefinir a lista de prioridades, principalmente com relação ao horário de trabalho.

A Helô teve o Tomé e ficou em casa durante a licença maternidade, mas logo estava de volta à rotina do jornal. Mesmo que ficasse com o filho a manhã toda e fosse para o jornal na parte da tarde, chegava em casa e encontrava o pequeno e o marido já capotados.

“Passei a deixá-lo na escolinha mais cedo e a entrar e sair algumas horas antes, e aí ganhamos um tempo prazeroso no fim do dia”, diz. Helô conta que ficou mais objetiva em relação ao trabalho.

“Cada hora que fico no jornal é uma a menos com meu filho. Então passei a organizar esse tempo de maneira muito mais efetiva. Não foi algo refletido, pensado, foi algo automático, instintivo”, diz.

“Meu trabalho se mistura muito ao meu hobby, então eu posso passar horas fazendo aquilo sem nem perceber”. Por isso, foi preciso se organizar e redefinir as prioridades.

“Faço o que é preciso e volto correndo para casa. Tudo o que tem que ser para hoje é feito sem enrolação”. Mas há coisas que podem ficar para amanhã, ela diz, se não tiverem urgência.

Helô acha que sua atitude é um reflexo do clima dos tempos atuais, em que homens e mulheres estão reconsiderando suas prioridades.

“As pessoas estão buscando organizar o tempo para conseguir fazer coisas legais, para viver de maneira mais leve. Mas nem por isso abandonaram o sentido de urgência, que dominou até mesmo os momentos de folga”, defende ela.

A pessoa vai fazer um piquenique, mas queima as pestanas para tirar uma foto bem linda e publicar nas redes sociais. Ou encontra uma arte interessante na rua e quer compartilhar com os amigos. Não consegue esperar voltar para casa: tem que postar ali, naquele instante.

E depois passa um bom tempo da folga monitorando os likes, os comentários. “A urgência, antes típica do trabalho, se infiltrou em tudo”, diz Helô.

A angústia de querer resolver tudo de uma vez

A coach e consultora empresarial Anna Cherubina Scofano concorda. Em palestras em empresas e no atendimento de executivos, tem visto muita gente vivendo uma angústia enorme de querer fazer tudo ao mesmo tempo e agora.

“Está cada vez mais complicado administrar as horas porque as mensagens não param, o Whatsapp emite alertas sem parar, as pessoas nunca desligam. Podem estar em casa ou no trabalho, não há mais um momento de ócio?, afirma Anna, que é professora de MBA da FVG (Rio).

“Dessa forma, elas começam a ser tomadas por um sentimento crônico de incapacidade. Com o fluxo de informação e demandas que chegam a todo momento, é mesmo inumano dar conta de tudo”.

A tecnologia ganhou um papel importante nesse mal-estar da civilização, por assim dizer, já que ainda não é gerenciada de forma inteligente pelas pessoas, segundo a consultora.

“Tudo o que toma tempo demais na nossa vida precisa ser repensado, principalmente se nos afasta da nossa ligação conosco”.

Uma questão de expectativa

A chave, aliás, não está somente em saber gerenciar o tempo, esse elefante branco que nos segue o tempo todo, de casa para o trabalho, para conseguir restabelecer as prioridades. Mas principalmente gerenciar nossas expectativas em relação a elas.

Porque a questão do tempo tem mais eco nas nossas vontades e projeções do que no relógio em si. Essencialmente, sempre encontramos espaço para aquilo que realmente queremos: ir à academia, estudar italiano, marcar o exame que o médico pediu. Ou visitar a amiga que acabou de ter um bebê, assistir ao filme que estreou, terminar aquele texto que ficou de entregar (e essa relação é a minha forma de vencer meu auto-engano, eu confesso).

O imprescindível das nossas expectativas com relação às tarefas a serem cumpridas está em não deixar que elas nos gerem demasiada ansiedade. Seja por querer tratá-las de imediato, seja por postergá-las até o último minuto.

Nem os procrastinadores nem os precrastinadores estão livres dessa sensação. E, para o professor John Perry, a raiz desse sentimento está na nossa busca pelo perfeccionismo.

“Para mim, procrastinar sempre foi uma maneira de me dar permissão para fazer de forma não tão perfeita tarefas que exigem um trabalho perfeito”, diz.

Em busca do equilíbrio

Com muito prazo, era possível para ele se preparar para análises longas e acadêmicas de textos e mais textos. Mas com o prazo iminente da entrega, não havia tempo para o perfeito, apenas para o adequado.

Nos precrastinadores, esse sentido é oposto, mas não menos determinante: querem começar a tarefa antes para deixá-la impecável. Mas o que ronda essa intenção é o medo de ”não dar conta do recado”.

“O que alguém precisa fazer para controlar as próprias fantasias perfeccionistas é o que eu chamo de triagem de tarefas. Para muitas delas, funcionará melhor se você começar planejando um trabalho adequado – talvez até um pouco melhor que adequado – mas não perfeito”, ele diz.

Entre a análise de Perry, estão questões como “quão útil seria um trabalho perfeito aqui”, “qual diferença vai fazer para mim e para outras pessoas se for perfeito ou não”, “eu realmente consigo fazer algo perfeito nesse caso”?

“Geralmente a resposta será que um trabalho não tão perfeito funciona bem e, além do mais, é o que eu vou conseguir fazer de todas as formas”, afirma.

O perfeccionismo gera uma ansiedade que nos paraliza ou que nos faz sair correndo. Nenhuma das duas vai ajudar a realizar as coisas que você precisa realizar.

”Isso nos dá segurança para arregaçar as mangas e fazer o que precisa ser feito agora”. Ou, pelo menos, começar amanhã.

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