A roseira que eu encontrei ali na esquina
Pequenas coisas do dia a dia, como uma roseira, podem nos levar de volta ao passado, em uma reflexão sobre o que mais importa na vida
Adoro andar a pé. Sou capaz de percorrer longas distâncias caminhando, enquanto observo a paisagem e fico com meus botões. Dia desses, fui aos correios postar uma carta – eu não me lembrava da última vez que havia feito isso. E, para a minha surpresa, descobri que são poucas as agências que ainda vendem selos. Estão em extinção, assim como as cartas.
Na volta para a casa, a pé, eu mandava áudios para o meu marido pelo WhatsApp quando, subitamente, precisei interromper a mensagem. “Vi uma coisa aqui, já continuo”, e abri a câmera do celular. Em uma das esquinas que virei, uma casa, daquelas de antigamente. Não havia garagem, e sim um canteiro para cultivar um jardim. Algo em extinção, assim como os selos e as cartas.
Uma roseira na esquina
Naquele canteiro, o que me chamou a atenção: uma frondosa roseira, cheia dessa flor que tem memória de infância. Precisei registrar aquilo, enquanto eu era imediatamente transportada para meus tempos de menina na casa da minha avó. Religiosamente, eu passava as tardes de domingo por lá – e, naquela época, os domingos tinham cheiro de pão de queijo saído do forno e café passado na hora (algo que se extinguiu quando minha avó se foi, no início da minha vida adulta). Muitas vezes eu, menina, chegava e corria para o quintal, porque ali também tinha um canteiro com uma frondosa roseira.
Aquele arbusto havia sido plantado pelo meu avô que eu não cheguei a conhecer. Ele era jardineiro e a roseira perdurava sob os cuidados da minha avó mais de trinta anos depois da partida dele. A cada domingo, eu espiava a roseira, aguardando sua florada. Quando os botões desabrochavam, eu me demorava admirando aquelas pétalas. Achava curioso como uma planta tão bonita e delicada tinha tantos espinhos – hoje eu consigo entender.
O que carregamos na lembrança
Meu sonho de menina era levar uma daquelas flores para a casa. Mas ganhar uma das rosas era como ser presenteado no aniversário. Não acontecia sempre, sabe? “Cuidado com os espinhos”, minha avó dizia, enquanto finalmente cortava uma flor para eu chamar de minha. Quando vovó fechou aqueles olhinhos que enxergavam pouco depois de quase 91 anos na Terra, a casa foi reformada. E a roseira se foi.
Dia desses, li algo que dizia que as lembrancinhas das festas de aniversários no fundo eram uma forma das crianças lidarem com o fim da comemoração, levando consigo um pedacinho daquele dia. Acho que é por isso que a gente adora souvenirs. Ali, naquela esquina do bairro, eu fotografei a roseira. Meu jeito de guardar uma lembrança das memórias que aquela cena me trouxe de volta. No meu celular, reparo, há uma coleção de fotos de flores, especialmente dos arranjos que fiz ou ganhei.
Tem gente que não liga para bouquets: acham que eles têm cara de velório ou até que são um desperdício, porque duram pouco. Para mim, receber flores – de diversos tipos – sempre me encanta, tal como aquela garotinha que ainda me habita. É como se o colorido do arranjo me lembrasse de reparar no bonito que há no cotidiano. Me mostra que a natureza cria coisas lindas, mesmo que breves. E que, em cada esquina, mesmo com tudo o que já se findou, a vida nos surpreende. E volta a florir.
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