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O perigo da ‘overdiagnosis’ (medicalização) da ansiedade
A medicalização da ansiedade tem provocado debates na área da saúde. danilo.alvesd/ Unsplash
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Você, assim como eu, já deve ter recebido um diagnóstico relacionado a transtorno de ansiedade. Ou então, conhecer alguém próximo que recebeu esse diagnóstico nos últimos tempos. Realmente andamos mais ansiosos, mas há várias causas para o aumento do número de casos.

A ansiedade é uma resposta natural do corpo a situações de estresse e perigo. No entanto, nas últimas décadas, a ansiedade passou a ser frequentemente diagnosticada como um transtorno clínico, muitas vezes sem uma avaliação criteriosa.

Este fenômeno, conhecido como “overdiagnosis” ou “medicalização” da ansiedade, tem suscitado debates intensos na comunidade médica e psicológica.

Neste texto eu busco abrir um diálogo sobre as percepções existentes sobre esse tema e discutir o papel da psicologia positiva no processo de desmedicalização.

O que é medicalização da ansiedade?

Medicalização refere-se ao processo pelo qual problemas não médicos são tratados como condições médicas. No caso da ansiedade, comportamentos e emoções que fazem parte da experiência humana normal estão sendo rotineiramente patologizados.

Esse processo é influenciado por vários fatores, incluindo pressões sociais, econômicas e culturais, bem como pela indústria farmacêutica que exerce grande influência sobre esse mercado. Tudo isso pode prejudicar a saúde mental de longo prazo das pessoas.

Entre os principais aspectos que precisam ser observados estão:

1. Expansão dos critérios diagnósticos e a patologização de experiências normais da vida

A patologização refere-se à tendência de considerar experiências humanas normais como se fossem distúrbios médicos. O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), tem sido criticado por contribuir para essa prática.

Segundo o Ph.D. Jeremy Sutton, em um artigo publicado no Positive Psychology, o manual tem aumentado o número de diagnósticos ao expandir os critérios para incluir sintomas menos severos. Isso pode levar ao superdiagnóstico de transtornos mentais em situações que seriam consideradas normais em outros contextos culturais.

2. Influência da indústria farmacêutica

Outro aspecto é a influência da indústria farmacêutica na expansão dos critérios diagnósticos. A medicalização de condições comuns pode aumentar a venda de medicamentos, o que beneficia as empresas farmacêuticas, mas nem sempre melhora os resultados para os pacientes.

Em seu livro Depathologizing Psychopathology, Theodore Wasserman argumenta que estamos aplicando uma perspectiva médica a problemas cotidianos, tratando-os como condições médicas, o que pode levar ao superdiagnóstico e ao uso excessivo de medicamentos​​.

3. Diagnósticos exagerados

Allen Frances, um crítico proeminente do DSM-5, sugere que a normalidade está se tornando uma “espécie em extinção” devido ao aumento dos diagnósticos de transtornos mentais.

Ele observa que a inclusão de sintomas leves e de curta duração nos critérios diagnósticos contribui para o superdiagnóstico e a medicalização de reações normais ao estresse.

4. Fatores culturais

A homogenização da saúde mental, onde a visão ocidental de bem-estar mental está substituindo outras perspectivas culturais, também contribui para a patologização de comportamentos que podem ser considerados normais em diferentes culturas.

Isso pode resultar em diagnósticos que não levam em conta a diversidade cultural e as variações nas respostas emocionais normais.

5. Capitalismo e aceleração do consumo

Vivemos em uma sociedade que valoriza soluções rápidas e tangíveis para problemas complexos. Essa pressão por respostas imediatas pode levar os profissionais de saúde a recorrerem mais prontamente a diagnósticos clínicos e a tratamentos farmacológicos.

Isso não só contribui para a medicalização, mas também pode desvalorizar abordagens mais holísticas e preventivas.

As consequências da medicalização da ansiedade

Quando os aspectos acima são praticados com recorrência, a sociedade passa a perceber a ansiedade sob uma ótica que não condiz com a verdadeira realidade sobre essa questão de saúde mental.

Uma percepção comum é que a ansiedade é sempre uma condição patológica que requer tratamento médico. No entanto, a ansiedade também pode ser uma resposta adaptativa a situações difíceis.

Essa percepção de que todas as formas de ansiedade são patológicas, ou seja, uma percepção de patologia universal, ignora a variabilidade das experiências humanas. Também ignora a capacidade das pessoas de lidar com o estresse de maneiras saudáveis.

Outra percepção comum é que os medicamentos são a solução primária para a ansiedade. Embora medicamentos ansiolíticos possam ser eficazes em alguns casos, seu uso excessivo pode levar à dependência e a uma série de efeitos colaterais indesejados. Além disso, essa abordagem pode negligenciar as causas subjacentes da ansiedade.

Intervenções psicológicas e mudanças de estilo de vida podem, muitas vezes, serem abordagens mais efetivas para enfrentar a ansiedade.

Em muitos casos o remédio poderia servir como suporte para a melhor compreensão do problema e de suas causas por parte do paciente. Porém, com o alívio temporário, muitos se acomodam e não promovem transformações que possam reduzir os sintomas quando o período de medicação acabar.

Os impactos negativos da medicalização da ansiedade

  1. Estigmatização – Rotular pessoas como “doentes” pode aumentar o estigma e a discriminação, dificultando a busca por ajuda e a aceitação social.
  2. Dependência de medicamentos – O uso excessivo de medicamentos ansiolíticos pode levar à dependência química e a uma série de efeitos colaterais adversos. Entre eles, sedação excessiva, problemas de memória e risco aumentado de acidentes.
  3. Negligência de tratamentos não farmacológicos – Intervenções baseadas em mudanças de estilo de vida e terapias cognitivo-comportamentais são frequentemente subutilizadas, apesar de sua eficácia comprovada na gestão da ansiedade.
  4. Desempoderamento do indivíduo – A medicalização pode levar as pessoas a se verem como impotentes diante de sua ansiedade, dependendo exclusivamente de medicamentos em vez de desenvolverem estratégias pessoais de enfrentamento.

A solução está na psicologia positiva

A psicologia, ao se concentrar cada vez mais em diagnósticos clínicos, pode estar contribuindo para a medicalização.

No entanto, a psicologia positiva, introduzida por Martin Seligman, enfatiza a construção de aspectos positivos da vida, como a felicidade, a gratidão e a resiliência.

Ela oferece uma alternativa promissora, focada em promover bem-estar e resiliência, desenvolvendo assim habilidades para enfrentar desafios, em vez de apenas tratar doenças.

Este enfoque ajuda as pessoas a desenvolverem habilidades para lidar com o estresse e a ansiedade de maneira mais eficaz e saudável.

Técnicas de psicologia positiva, como mindfulness, práticas de gratidão, técnicas de redução de stress e estabelecimento de metas, têm se mostrado eficazes na redução dos níveis de ansiedade.

A psicologia positiva pode desempenhar um papel crucial na mitigação dos efeitos da medicalização. Isso ocorre porque ao enfatizar a construção de resiliência e a promoção do bem-estar, esta abordagem ajuda as pessoas a encontrar força nas suas experiências de ansiedade. Com isso, podemos reduzir a dependência de medicamentos e ajudar as pessoas a desenvolverem habilidades para lidar com a ansiedade de maneira saudável e eficaz.

Estratégias da psicologia positiva no tratamento da ansiedade

1. Mindfulness

Mindfulness, ou atenção plena, é uma prática que envolve focar a atenção no momento presente de maneira não julgadora. Estudos têm mostrado que mindfulness pode reduzir significativamente os níveis de ansiedade ao ajudar as pessoas a se tornarem mais conscientes de seus pensamentos e emoções, sem se deixarem dominar por eles.

2. Práticas de Gratidão

Práticas de gratidão envolvem reconhecer e apreciar os aspectos positivos da vida. Manter um diário de gratidão ou simplesmente refletir sobre coisas pelas quais somos gratos pode aumentar o bem-estar e reduzir os sintomas de ansiedade.

3. Estabelecimento de Metas

O estabelecimento de metas claras e alcançáveis pode ajudar as pessoas a se sentirem mais no controle de suas vidas, o que pode reduzir os níveis de ansiedade.

Além disso, a psicologia positiva enfatiza a importância de metas que estejam alinhadas com os valores e interesses pessoais, promovendo um sentido de propósito e realização.

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