Pequenos rituais amorosos que parecem besteira, mas não são
Não é besteira: uma breve e despretensiosa reflexão sobre as delicadezas de uma relação resistente às intempéries da vida
Acabei de comer um caqui. Pode parecer besteira, mas não é. Toda sexta, passo na feira, no final da manhã e, na época dessa fruta, compro duas caixas de caqui: uma para mim e outra para ele.
Alguns dias, combinamos de comer juntos. Então, fazemos uma ligação por vídeo e saboreamos, cada um na sua cozinha, um caqui.
Gostamos do tipo que é bem mole, doce e se desfaz facilmente. Outro dia, pesquisando, descobrimos que se chama caqui de Taubaté. Pode parecer besteira, mas não é.
Queríamos descobrir para poder ter uma árvore do tal caqui no quintal da casinha, que vamos comprar em breve, no interior de São Paulo. Um lugar para estar e envelhecer, um ao lado do outro.
Semana passada fomos a um festival de música. Pode parecer besteira, mas não é. Assistimos ao show de uma banda canadense que aprendemos a gostar juntos.
Chovia. Usamos as capas de chuva que eu havia comprado meses antes para outro show. Ficamos encharcados, pulamos, cantamos e gritamos como se tivéssemos 15 anos. Temos mais de 50.
Seguimos para a casa dele ainda recitando os versos das canções. Depois de um banho quente, dois sanduíches de salame com queijo frios. Um refrigerante para cada um. Pode parecer besteira, mas não é. O pão usado era fresco.
Havia comprado na padaria antes de encontrá-lo, porque sei que ele o adora. Sempre que durmo na sua casa, ele prepara café no coador de pano. O suficiente para duas xícaras.
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Ele pega duas fatias de pão, as preenche com manteiga e esquenta por tempo suficiente, no forno elétrico, para que fiquem levemente crocantes. Pego a geleia na geladeira e passo na minha fatia.
Comemos entre goles de café, sorrindo enquanto nossos olhos se encontram, em pé, no meio da cozinha. Pode parecer besteira, mas não é.
Marcos é amor maduro. Estamos juntos há dois anos e meio. Ambos colecionamos latinhas ilustradas e corações partidos.
Adoramos conversar e beber vinho deitados no chão, olhando as estrelas, mesmo que elas sejam feitas pelo pequeno projetor de luz dos tempos dele de músico de banda. Pode parecer besteira, mas não é. Cultivamos pequenos rituais.
Neles, tudo cabe, independente da idade, do tempo, do chão da cozinha frio e das nossas vozes desafinadas ao cantar. Nada disso é besteira. Tudo isso é amor. Intenso e bonito. Como se fosse a primeira vez. E talvez seja.
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Conteúdo publicado originalmente na Edição 267 da Vida Simples
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