5 cidades da ficção que podem ser inspiração para as nossas
Aristóteles dizia que a Arte imita a vida e Oscar Wilde que a vida imita a Arte. Independente de qual cidade da ficção você prefira, que não nos falte inspiração para melhorar o lugar onde habitamos.
Toda obra humana já foi um pensamento ou uma ideia. Usando a imaginação, transformamos intenções e desejos em existência. Fazemos da ficção, realidade.
Ao mesmo tempo em que damos vida às ideias que criamos, também nos inspiramos com a criatividade de outras pessoas. Não sei dizer quantas vezes realizei coisas influenciado por histórias de filmes e livros. Nem o quanto me transformei ao mergulhar em romances e distopias. A fantasia por trás do que não existe causa fascínio e costuma nos fazer refletir e agir sobre nossas vidas e nosso mundo.
Quando não há ficção que anime a realidade
Mas se o mundo imaginário nos deslumbra, às vezes caímos em desânimo e insatisfação com o mundo real. Enquanto as notícias das nossas cidades alarmam sobre os números desconfortantes da violência, da desigualdade, da fome e do caos urbano, nossa fé de que tudo está bem vai sendo dinamitada. E, silenciosamente, os impactos dessa desesperança vai gerando desconfiança entre as pessoas, vulnerabilidade, medo, individualismo e intolerância.
Mas calma aí! Talvez, esteja longe do nosso alcance eliminar as adversidades que impeçam nossas cidades de serem melhores, mas isso não significa que não tenhamos influência para amenizar suas causas e efeitos colaterais. Por isso, selecionei cinco cidades fictícias, de cinco livros diferentes, com as quais poderíamos nos inspirar para trazer mais harmonia e equilíbrio para os lugares que habitamos.
Amaurota, Utopia
Antes de apresentá-la, vale destacar um aviso do narrador do livro “Utopia”, de Thomas Morus: “quanto mais os costumes estrangeiros são opostos aos nossos, menos estamos dispostos a acreditar neles.”
Amaurota é a capital da república da Utopia e seus habitantes aplicam o princípio da posse comum. “Lá, onde não se possui nada em particular, todo mundo se ocupa seriamente da causa pública, pois o bem particular realmente se confunde com o bem geral”. E em um lugar onde “tudo pertence a todos, não pode faltar nada a ninguém.”
A realidade em Amaurota nos ensina que ao abandonar a avidez por individualizar a vida, abrimos as portas para a consciência coletiva. Assim, felicidade e segurança deixam de ser uma conquista particular e se tornam um objetivo mútuo. E como se diz por lá, “se vossos esforços não puderem servir para efetuar o bem, que sirvam ao menos para diminuir a intensidade do mal.”
Jante, Escandinávia
No livro “Um Refugiado Ultrapassa seus Limites”, de Aksel Sandemose, pode-se dizer que a protagonista da história é a cidade de Jante e suas leis. A importância é tanta, que as Leis de Jante transbordaram as fronteiras da ficção e influenciam até hoje os princípios éticos e morais das nações escandinavas.
Em Jante, é proibido ostentar. Uma pessoa não pode querer ser mais do que outra. Não pode querer ter mais do que outra. Ninguém pode ser superior a alguém. É assim que a cidade suprime cobiça, inveja e os conflitos resultantes da falta de capacidades, privilégios e oportunidades individuais.
Leis sempre restringem e limitam a liberdade e o comportamento das pessoas. Mas se Jante controla seu povo, também o protege. Ao obrigar a igualdade entre todas e todos, a cidade institui que qualquer ação individual deve levar em consideração o impacto sobre toda comunidade. Através da rigidez, implanta sensibilidade à humanidade.
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Alto do Oeste, Cerrado
Depois de 16 anos submersa, a cidade de Alto do Oeste ressurge com a seca de um lago. A Atlândida do Cerrado. É assim como é chamada no livro “Cidades Afundam em Dias Normais”, de Aline Valek.
Num lugar sem pessoas, sem lei, sem governo, sem endereços, resta o vazio. Mas “o lado bom da ausência é que o vazio a gente preenche como quiser.” A história de Alto do Oeste ensina que reconstruir e ressignificar nosso lugar é sempre possível, desde que a gente não o deixe nas profundezas da nossa atenção e nem o banalize, porque “se acostumar é não conseguir mais diferenciar as tragédias dos dias normais.”
Se Alto do Oeste um dia sumiu, ela prova que “nenhum lugar é para sempre”. E se voltou a ser, mostra que todo lugar pode renascer.
Leônia, China
Com uma população obcecada por renovação, “a cidade de Leônia refaz a si própria todos os dias”. Mas a que custo?
Em “As Cidades Invisíveis”, de Italo Calvino, o povo de Leônia desperta todas as manhãs envolvido por lençóis frescos, sabonetes nunca usados, geladeiras sem comida de ontem e rádios de último modelo tocando só coisas inéditas. Já pelas calçadas da cidade, “os restos da Leônia de ontem aguardam a carroça dos lixeiros”, considerados os anjos da cidade.
Mais do que pelas novidades, “Leônia se mede pelas coisas que todos os dias são jogadas fora para dar lugar às novas.” O que nos leva a refletir se sua legítima paixão é o prazer pelo que é novo, ou se é o ato de expelir e enxotar as coisas com as quais o olhar já se habituou. No desejo pela mudança, que essa história nos ensine a agir com consciência e responsabilidade com tudo e todos os que estão ao nosso entorno.
Ilha dos Três Mares, Amazônia
Três Mares é a terra da aldeia indígena dos Abaeté no romance “As Doenças do Brasil”, de Valter Hugo Mãe. Não é propriamente uma cidade, mas como qualquer outro povoamento possui suas normas de organização social e seu código ético.
É lá que um jovem negro, em fuga da escravidão, é acolhido por um rapaz, filho de uma indígena e de um estuprador branco. Um encontro que representa a união dos povos vermelhos com os povos negros pela resistência ao inimigo comum.
Três Mares mostra que nossa cultura brasileira é mestiça e “é identidade de um pouco de cada coisa”. Três Mares é também uma lição vital para compreender que “quem é só de um lugar é pobre porque nenhum lugar é inteiro”. Com Três Mares a gente aprende que a nossa diversidade é a garantia para nossa melhor vida.
Se, como diz o livro, a natureza também criou a bela Três Mares ao aprisionar “árvores inteiras na imaginação de uma semente”, que a gente crie belas cidades ao germinar os frutos da nossa imaginação.
LEO LONGO vive desde 2015 na estrada filmando suas histórias de colaboração com artistas dos cinco continentes. Na vida sem endereço fixo, entendeu que sua casa é o mundo. Diretor, filmmaker e ativista do minimalismo, compõe o duo Couple of Things ao lado de Diana Boccara.
*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.
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