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Só empatia não basta: é preciso mais compaixão
Külli Kittus | Unsplash
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Quando pedimos por decisões mais sábias, que beneficiem o todo e não só uma parte, não é de mais empatia que precisamos. Precisamos, na realidade, de mais compaixão. Entenda por que a empatia sozinha não basta e pode, inclusive, trazer tomadas de decisão baseadas na parcialidade.

Se tem uma única coisa que comprei em excesso nos últimos anos, foram livros. No mestrado, tínhamos uma considerável lista de professores convidados. Para cada um deles, uma extensa lista bibliográfica. Eu fiz questão de comprar todos os livros físicos. Na verdade, todos menos o do Paul Bloom. Bloom é psicólogo e pesquisa a moral há anos nas Universidades de Yale e Toronto. Eu queria muito conhecê-lo, mas fiquei desanimada após ler o título do livro que ele havia publicado: Against Empathy – traduzindo para o português, Contra a Empatia. Torceu o nariz por aí também? Pois é.

Um livro contra a empatia soa como uma tentativa de assassinar a humanidade ou incinerar o planeta. Estamos vivendo em um mundo egoísta. Pessoas moralmente corretas estão gastando dinheiro e energia implorando a outras com frases como “mais empatia, por favor”! E um pesquisador em moral pretende assassinar a pouca empatia que ainda existe?

Mais do que empatia, por favor

Não tive muito o que fazer. Para concluir o meu curso, precisaria ir até a Pennsylvania para ouvir ao vivo – e por dias – o tal pesquisador. Além disso, eu também precisava tecer uma análise sobre os argumentos do cidadão. Foi quando lembrei que, para isso, eu teria que avançar na leitura do livro para além do título.

Comprei em áudio. Decidi escutá-lo durante a corrida, em vez de sentar para ler. Desta forma, não precisaria dedicar tempo exclusivo a quem se opõe à empatia. Sabe o que aconteceu? Foi a semana que eu mais corri na vida.

Para minha surpresa, os capítulos do livro Contra a Empatia faziam sentido, e os argumentos eram lúcidos. E, antes de você pensar que eu fui hipnotizada pelo audiolivro, vem comigo até o fim deste texto que eu vou te explicar.

Não é que a empatia seja ruim. Descobri que a empatia sozinha pode piorar, em vez de resolver nossos problemas. Precisamos dar um passo além.

O que é empatia?

Comecemos entendendo o que é empatia. Empatia é a capacidade de vivenciarmos internamente aquilo que se passa com o outro.

Os pesquisadores costumam classificar a empatia em dois tipos: a empatia emocional e a empatia cognitiva (que alguns chamam de Teoria da Mente).

Seres empáticos não são iguais

Você já ouviu falar que os psicopatas são extremamente empáticos? Neste caso, é da empatia cognitiva que estamos falando. Como o nome sugere, a empatia cognitiva é a capacidade de entendermos intelectualmente o que se passa com o outro. A empatia cognitiva é a capacidade de ler outras pessoas, entender as emoções delas.

E veja que entender não significa ser tocado pelas dores alheias. Por exemplo, os psicopatas – mas também tantos políticos, CEOs e marketeiros – usam a empatia cognitiva para manipular as pessoas. “Eu sei o que elas sentem, portanto uso isso a meu favor”.  Se no mundo houvesse apenas a empatia cognitiva, eu certamente não precisaria de um texto para te convencer de que empatia, só, é pouco.

Mas a empatia que imploramos ao mundo para desenvolver é de um outro tipo. Chama-se empatia emocional, e é a capacidade de sentirmos aquilo que o outro sente. Ou seja, sentir no seu corpo a emoção, a alegria e a dor do outro. Por exemplo, é empatia emocional o que acontece quando o seu filho sofre, e você mãe ou pai sente dor.

A empatia emocional é pré-verbal. Por exemplo, se o seu amigo andar por aí cabisbaixo, você saberá nomear que o que ele sente é tristeza, mesmo que ele jure de pés juntos que está tudo bem. O nosso cérebro é programado para que percebamos as emoções das outras pessoas em seu tom de voz, expressão corporal e nos conectemos com elas. Literalmente, inclusive. Temos neurônios-espelho cuja função é nos fazer sentir – em nossos corpos – aquilo que o outro está sentindo.

Quando assistimos pessoas expressarem dor, circuitos similares de dor também são ativados no nosso cérebro.

Parcialidade: o primeiro problema da empatia

E você pode estar pensando que não é bem assim. Certamente, você não sente a dor de todo mundo da mesma maneira. É porque a capacidade humana de se conectar empaticamente ao outro é proporcional à conexão que temos com este outro. Veja estes dois exemplos. Quando quem sofre são seus pais, seu amigo ou o seu filho, o seu envolvimento emocional é intenso e automático. Mas, e quando quem sofre são os Palmeirenses? Os Corintianos vibram, não é verdade?

Em seu livro, Bloom menciona um estudo feito com torcedores de futebol. Primeiro, eles tomaram um choque nas costas das mãos. Depois, observaram outros torcedores tomar o mesmo choque. Por que os pesquisadores fizeram isso? Eles estavam monitorando a atividade cerebral desses torcedores e queriam checar se havia uma reação neural empática. Ou seja, eles queriam ver se a reação do observador ao ver outra pessoa tomar o choque, era similar àquela de quando ele mesmo tomou o choque. Afinal de contas, empatia é sobre sentir a dor do outro, certo?

E sabe o que os cientistas descobriram? A empatia existe! Com uma ressalva apenas. A pessoa que está sofrendo precisa ser do seu time. Quando a pessoa que tomava o choque torcia para o time adversário… Pois é, damos até risada.

A empatia leva a boas decisões?

Vamos colocar a empatia em xeque. Para isso, pense em uma menina que espera na fila para o transplante de órgãos. Se você não souber nada sobre esta menina além do que eu já te falei, provavelmente sentirá um grau de tristeza, um pesar. Mas, e se você assistir a uma reportagem que te conte que esta menina se chama Ana? Uma matéria que te mostre a vida, a casa dela, seus amigos, seus pais e a sua escola?

Quando Ana deixa de ser uma estatística e vira um ser humano que você conhece, o seu grau de tristeza aumenta consideravelmente. Se você for pai ou mãe, ou se já tiver passado por uma situação deste tipo, vai se identificar ainda mais com o sofrimento desta família. Afinal de contas, poderia ter acontecido com você. Quando você se identifica com a Ana, o sofrimento empático é maior.

Pesquisadores estudaram nossa capacidade de tomar boas decisões quando estamos sofrendo empaticamente. Para isso, mostraram para voluntários uma reportagem sobre a vida de uma menina na fila de espera para o transplante de órgãos.

Depois do vídeo, fizeram aos voluntários a seguinte pergunta: na sua opinião, Ana deveria passar à frente da fila para doação de órgãos? A resposta foi quase unanime: “Sim”, Ana deveria ter prioridade.

A questão é que quando nos conectamos com Ana, a dor dela se torna aversiva demais para que concordemos que ela permaneça na posição da fila em que estava. Ao passo que os problemas de Marias, Joanas, Joãos e Josés – que estavam na frente de Ana e talvez sofrendo tanto quanto ela – não pesam tanto na nossa decisão. Marias, Joanas, Joãos e Josés permanecem desconhecidos – para nós, são estatísticas. E é impossível sentir empatia por estatísticas.

E este é o ponto do Paul Bloom. A empatia tem um sensor de proximidade. Quanto mais próximas as pessoas estão de você, ou quanto mais você se identifica com elas, mais empatia você sente. E isso pode atrapalhar a sua capacidade de tomar decisões justas. A empatia funciona como uma lanterna. Enquanto você apontar a lanterna para Ana, não conseguirá ver que existem Marias, Joanas, Joãos e Josés.

Na empatia, o sofrimento da pessoa ou do grupo com o qual você se identifica se torna o seu próprio sofrimento, a sua questão a resolver. Então nos esquecemos de colocar na conta o sofrimento do outro, ou o consideramos em uma intensidade bem menor.

A empatia é uma reação cerebral automática e, por isso, é parcial. É assim que o cérebro funciona.

Mais compaixão, por favor

Bloom explica que as nossas reações aos outros, incluindo nossas reações empáticas, refletem preconceitos, preferências e pré-julgamentos.

É da natureza humana que as pessoas sintam com mais intensidade as dores da sua família, do seu grupo, gênero, raça ou posição política. É por isso que elas consideram estas dores mais urgentes ou mais legítimas. Por outro lado, quando quem sofre são pessoas que vivem uma realidade diferente, ou que fazem escolhas que reprovamos, a empatia nos falta.

Quando a reação empática não existe, a resposta moral precisa vir de outro lugar. E este lugar, chama-se compaixão.

Podemos pensar que a compaixão tem vários ingredientes – e apenas o primeiro deles é empatia. Outros ingredientes são a sabedoria, a força e a coragem, mas também a capacidade de tolerar o estresse, e o comprometimento em aliviar o sofrimento – tanto dos outros, quanto o seu.

Aliás, a capacidade de tolerar o sofrimento e tomar decisões sábias, mesmo quando o mundo parece desabar, passa pela habilidade de se acolher e se apoiar em primeiro lugar. Ser apoio e segurança para você mesmo é importante para que você consiga se acalmar, distanciar-se um pouco do sofrimento e do senso de urgência e, então, pensar com clareza e agir com efetividade.

Empatia é sobre reação, por exemplo se jogar na água para salvar o banhista que está sendo arrastado pela corrente. Compaixão é sobre ser tocado pelo sofrimento do banhista, mas não entrar no mesmo desespero e, exatamente por isso, ter a sabedoria de pegar uma prancha ou chamar o salva vidas para que vocês dois saiam vivos.

Quando pedimos por decisões mais sábias, que beneficiem o todo e não só uma parte, não é de mais empatia que precisamos. Segundo Bloom, o chamado deveria ser por mais compaixão.

Leia todos os textos da coluna de Adriana Drulla em Vida Simples


ADRIANA DRULLA (@adrianadrulla) é mestre em Psicologia Positiva pela Universidade da Pennsylvania (EUA) e pós graduada em Terapia Focada em Compaixão pela Universidade de Derby (Inglaterra), onde teve como mentores Martin Seligman, psicólogo fundador da psicologia positiva, e Paul Gilbert, psicólogo criador da Terapia Focada em Compaixão. Semanalmente fala sobre psicologia e mente compassiva no podcast Crescer Humano.

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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