Como era viajar off-line
Aceitar a vida como ela se apresentasse foi o desafio de quem colocou o pé na estrada na era pré-Google
Aceitar a vida como ela se apresentasse foi o desafio de quem colocou o pé na estrada na era pré-Google
Conferi o peso na balança da cozinha: cinco quilos de mapas e guias de viagem em papel. Soquei tudo na mala e parti para o mundo. A cada desembarque, a primeira visita era sempre ao escritório de turismo local. Lá diziam aonde ir, onde comer e dormir. Não havia aplicativos de reserva, então podia acontecer de você chegar a um lugar e não ter cama. E assim a gente ia caindo em roubadas. No albergue de Budapeste, vendiam pílulas suspeitas e no de Cracóvia dormi na porta por ignorar o toque de recolher (hoje reviews on-line diminuem tais riscos).
Matar saudades da mãe custava cerca de dois euros nos cyber cafés, que não serviam café, só conexão. Num desses lugares, conheci o Google, mas pesquisas on-line eram pouco refinadas e nem sempre nos levavam ao lugar certo. Lia-se muito pelo trajeto, abrandando a solidão da jornada sem celular. Cruzei a Ucrânia com (o livro) Os Miseráveis, que deixei numa pensão na Crimeia, de onde levei Pé na Estrada – o clássico beatnik de Jack Kerouac atravessou o Mar Negro comigo e ficou na Turquia.
Vi surgir uma silenciosa
geração de viajantes absorta
com a tela do celular
Tenho pra mim que os últimos viajantes desconectados deram as caras num albergue nos alpes suíços. Alguns chegaram por intuição ou perdidos. Sem wi-fi, viramos amigos eternos rabiscando possibilidades em mapas de papel. Retornamos por anos até a turma rarear. Vimos surgir uma silenciosa geração de viajantes absortos com a tela do celular, sempre conversando com alguém que não está ali. Sob a luz da tecnologia, viajar ficou bem mais fácil.
Mas hoje aparece alguém on-line oferecendo a ilusão de que você não está sozinho na viagem. Acontece que você está. E na solidão você tem que estar verdadeiramente presente e dar seu melhor para interagir e realizar a necessária e evolutiva tarefa de passar de um estágio a outro.
JULIANA REIS é uma viajante em busca de histórias, pessoas, lugares e experiências que a modifiquem. @viagenstransformadoras
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