Doomscrolling: rolar o feed sem parar afeta a sua saúde mental
Hábito compulsivo de consumir conteúdos e notícias negativas nas redes sociais prejudica o bem-estar emocional. No entanto, há caminhos para deixar o celular um pouquinho de lado

O movimento de rolar por minutos o feed de uma rede social é quase que automático. Muitas vezes, nem prestamos atenção no conteúdo, apenas subimos a tela sem parar de forma compulsiva. Saímos de uma rede social, entramos em outra, mas nada muda: o hábito e o vício estão ali. Esse movimento, que ocorre geralmente quando há uma enxurrada de notícias negativas montada cuidadosamente pelo algoritmo, tem até termo em inglês: doomscrolling.
Quando as redes sociais surgiram, esse hábito já existia, mas de forma menos intensa. Com o passar do tempo, as empresas apostaram ainda mais nessa estratégia para que o usuário mantenha a prática e não largue o celular: vídeos na vertical de curta duração. Tudo é resumido, mastigado e com um forte estímulo visual.
Neurologista do Hospital Japonês Santa Cruz, Flávio Sekeff Sallem afirma que o doomscrolling se tornou ainda mais comum devido à combinação de eventos globais estressantes, como a pandemia de Covid-19, crises políticas e guerras. Além disso, ele acrescenta que o acesso constante a dispositivos digitais também tem relação, já que “oferecem um fluxo ininterrupto de informações”.
“As redes sociais usam algoritmos que priorizam conteúdo altamente envolvente – e notícias negativas geram mais reações, comentários e compartilhamentos. Os algoritmos aprendem com o comportamento do usuário e passam a mostrar mais do que prende sua atenção, perpetuando ciclos de doomscrolling.”
Os impactos na rotina
Afinal, quem nunca se pegou por minutos no celular apenas vendo conteúdos que, dois minutos depois, já se perderam na memória? Isso porque outros três vídeos já passaram pelo nossos olhos nesse meio tempo. Quanto mais você navega pelo feed de forma prejudicial, mais consequências negativas surgem.
Sallem explica como o doomscrolling afeta diretamente o cérebro. “Esse hábito está ligado ao viés de negatividade, um mecanismo evolutivo que nos leva a prestar mais atenção a informações ameaçadoras. Do ponto de vista cerebral, ele envolve o sistema de recompensa dopaminérgico, o circuito de vigilância da amígdala e o córtex pré-frontal, que regula o autocontrole – muitas vezes sobrecarregado pelo excesso de estímulos.”
E isso pode trazer diversos problemas. O neurologista elenca alguns deles:
- Aumento da ansiedade e sensação de impotência;
- Estresse crônico;
- Fadiga mental;
- Insônia;
- Queda da produtividade;
- Irritabilidade e dificuldades de concentração.
No entanto, é possível identificar quando o uso das redes sociais é equilibrado ou compulsivo. De forma saudável, a utilização tem hora para começar e terminar, não interfere no sono, na alimentação e nas relações sociais. Além disso, não gera culpa ou sensação de perda de tempo. Por outro lado, o uso compulsivo é impulsionado por ansiedade ou tédio, persiste mesmo diante de prejuízos e provoca dificuldade em parar mesmo com esforço consciente.
Como fugir do doomscrolling
Quando percebemos que o limite foi ultrapassado, há algumas formas de amenizar o impacto do doomscrolling e outros males das redes sociais. De acordo com Sallem, a neuroplasticidade permite “reeducar” o cérebro e, além disso, existem estratégias práticas terapêuticas.
Reeducar o cérebro
- Exercícios de foco deliberado, como meditação ou leitura profunda;
- Rotina de sono regular, que restaura circuitos executivos;
- Redução de multitarefas;
- Técnicas de produtividade como pomodoro ou deep work;
- Treinos de metacognição, que ajuda a reconhecer e regular os próprios hábitos de atenção.
Estratégias terapêuticas
- Criação de limites de tempo com uso de aplicativos ou alarmes;
- Evitar telas antes de dormir (especialmente 1h antes);
- Desativar notificações e deixar aplicativos fora da tela principal;
- Prática de atenção plena (mindfulness);
- Terapia cognitivo-comportamental, especialmente em casos com comorbidades;
- Substituição intencional do celular por leitura, caminhada e conversas;
- “Jejum digital” regular, como 1 dia por semana sem redes.
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