É possível mudar nossos hábitos
Parar de fumar, emagrecer, se exercitar. Ter uma vida mais saudável, enfim. Essa parece ser a busca de muita gente, mas poucas pessoas conseguem, de fato, alterar sua rotina, sua maneira de ser e estar no mundo. A boa-nova é que isso é possível, mas demanda algo além do que simplesmente uma boa dose de força de vontade e determinação
Parar de fumar, emagrecer, se exercitar. Ter uma vida mais saudável, enfim. Essa parece ser a busca de muita gente, mas poucas pessoas conseguem, de fato, alterar sua rotina, sua maneira de ser e estar no mundo. A boa-nova é que isso é possível, mas demanda algo além do que simplesmente uma boa dose de força de vontade e determinação
Comer sem prestar atenção, procrastinar, fumar, usar excessivamente o celular, beber. A lista é imensa. Todos temos alguns maus hábitos e nos sentimos, na maioria das vezes, péssimos em relação a eles.
Acreditamos que, se conseguíssemos controlá-los, seríamos mais felizes, saudáveis, presentes e faríamos tudo. Nossas relações melhorariam e isso causaria um efeito dominó ao nosso redor e, então, o trabalho e até a cidade onde moramos se tornariam mais agradáveis.
Então por que insistimos em fazer coisas que sabemos serem ruins para nós e para quem está próximo? Como podemos mudar de destrutivos para produtivos? Por que, depois de diversas advertências de saúde, fotos explícitas em maços de cigarro, campanhas do governo sobre alimentação saudável e exercícios e anos de pesquisas em psicologia comportamental, ainda escolhemos nos autodestruir lentamente? O que podemos fazer com relação a isso?
Temos força de vontade, obviamente. Instintivamente, sabemos que ela, no final das contas, é a única coisa que fará diferença, mas isso é só metade da história. Para termos a melhor chance possível de eliminar hábitos ruins, precisamos do que chamo de DCC da formação e eliminação de hábitos: Defensores, Curiosidade e Compaixão. Vou explicar.
Há duas questões importantes a considerar quando decidimos deixar um hábito danoso para trás, seja emagrecer, seja parar de fumar: como e por quê.
Aceite que, independentemente do que já tenha lido
ou ouvido em reportagens ou de colegas bem-intencionados,
eliminar maus hábitos é um trabalho duro
Como?
É aqui que juntamos a força de vontade e outras fontes de apoio, incluindo amigos, colegas e qualquer outra pessoa que possa ter passado pelo mesmo problema com o qual lutamos, bem como todas as outras ferramentas e recursos que conseguimos encontrar: de livros a vídeos motivacionais no YouTube, aplicativos, planos de exercícios. Tudo isso é válido para ajudá-lo a construir uma estrutura que fará a força de vontade ter a melhor chance possível de sucesso. Coletivamente, são o que chamo de Defensores.
O como é incrivelmente importante: sem um mapa claro de quais são nossos objetivos e recursos, provavelmente vamos fracassar. Embora, para alguns de nós, possa parecer restritivo microgerenciar a vida enquanto passamos de hábitos ruins para positivos, paradoxalmente é nessa estrutura que encontramos a liberdade para prosseguir. Pense na força de vontade como um músculo: quanto mais você usa, mais forte ele fica.
No entanto, também como um músculo, você pode cansá-lo se o usar em excesso e cedo demais. Tente evitar situações nas quais sua força de vontade estará fraca e pense em estratégias que o ajudem a seguir em frente.
É mais difícil dizer “não” para uma fatia de bolo se você pulou o almoço, ou recusar um cigarro depois do terceiro drinque, na happy hour da sexta-feira. Até desenvolver hábitos mais saudáveis, seria bom se manter longe de situações que o façam recair. Ou, ainda, se preparar do melhor jeito possível enquanto sente que ainda está no controle. Levantar para correr às seis da manhã é muito mais fácil se você tiver ido dormir cedo. E ter à mão petiscos saudáveis será útil para driblar a vontade de comer o cupcake oferecido pela colega de trabalho.
Há muitos caminhos para ajudá-lo a descobrir como você deveria mudar um mau hábito (e, às vezes, fazer você se sentir um fracasso porque ainda não conseguiu!). No entanto, minha experiência já me mostrou que o como só deveria vir depois de você passar um bom tempo trabalhando no por quê.
Por quê?
A pergunta que deveríamos nos fazer é: por que precisamos romper o hábito e por que o começamos? Precisamos, antes de mais nada, desenvolver uma noção de curiosidade em relação a ele. A sociedade rapidamente nos diz que nossos hábitos nos matarão e o quanto somos um fracasso por não conseguir mudá-los, mas não aborda o motivo pelo qual fazemos o que fazemos. Precisamos aceitar que estamos tirando algo bom de nossos maus hábitos, mesmo daqueles que nos matam. Sempre há uma recompensa.
Toda vez que falhamos em nossas tentativas de mudar, devemos evitar a culpa e a vitimização e, no lugar disso, pegar nosso chapéu de arqueólogo. Como Indiana Jones, precisamos entrar em um processo sistemático de seguir sinais e pistas externas para desvendar tesouros escondidos nas profundidades esquecidas de nossa mente. Precisamos confiar que há um motivo enraizado para nossos comportamentos e que tentar alterá-los sem entender o porquê deles não nos trará sucesso.
Pense em seus maus hábitos como supervilões: só revisitando seu passado e entendendo sua história e escolhas é que eles conseguem, depois de muita luta e determinação, voltar a ser “bons”. No final, podemos sentir compaixão pelo vilão, que, bem no final, antes de morrer em um ato de sacrifício próprio, alcança a redenção ao se reconectar com quem era antes de se tornar mau. É altamente provável que tenhamos iniciado um mau hábito porque, na época, ele nos trouxe algum grau de conforto e proteção. Talvez tenhamos começado a fumar na adolescência para nos encaixarmos no grupo, ou comido um tablet enorme de chocolate ao terminar o primeiro namoro sério, mas, embora nossas necessidades possam ter mudado desde então, ainda repetimos os mesmos comportamentos: somos o que fazemos repetidamente. Um elemento essencial dos hábitos é que ele é automático. Ao tentar adquirir um bom hábito (exercícios regulares, por exemplo), o objetivo é garantir que não se precise mais pensar nisso. Ele é incorporado e se integra à vida.
Autocompaixão
Em vez de usar todas as armas e, ao mesmo tempo, tentar parar de fumar, fazer dieta, começar a se exercitar, recomendo uma abordagem mais comedida. Primeiro, aceite, desde o começo, que a chance está contra nós; independentemente do que tenhamos lido ou ouvido em reportagens ou de amigos e colegas bem-intencionados, eliminar maus hábitos é um trabalho duro.
Lembre que temos apegos emocionais diferentes a nossos hábitos; só porque foi fácil para um amigo não significa que será para você. A preparação para essa realidade é crucial e permitirá demonstrar autocompaixão quando as coisas ficarem difíceis e você fumar um cigarro ou comer um biscoito. Isso ajudará a dizer a nós mesmos: “Ok, era de esperar, tento de novo amanhã”. Queremos mudar o tipo de pensamento que diz “bom, comi bolo, então o dia/semana/mês já está arruinado” para “bom, dá para entender por que comi bolo agora: aquela reunião foi emocionalmente cansativa. Eu me perdoo e ainda consigo me manter nos trilhos com um jantar supersaudável hoje”. Essa auto-compaixão nos permite seguir em frente apesar de nossas falhas.
A compaixão também é essencial para adquirir hábitos mais saudáveis; embora a cultura popular insista em afirmar que são necessários 21 dias para que um novo bom hábito “pegue”, sabemos, por pesquisas, que esse não é o caso para a maioria de nós. Estudos mostraram que, embora desenvolver um novo hábito simples, como beber um copo de água ao acordar, possa ser atingido em 21 dias, a quantidade de tempo que uma mudança leva para se fixar está relacionada a quão fácil ou difícil seja executá-la.
Para alguns participantes de um estudo, inserir exercícios na rotina levou a maior parte do ano. Portanto, se dê um desconto. Segundo, decida sobre uma coisa que você queira enfrentar primeiro e comece a observar como ela acontece em sua vida. Antes de morder aquele bolinho, se faça perguntas: “Que horas são? Sempre como algo ruim nesta hora? Estou com fome?”.
Observe o que está acontecendo com você emocionalmente, ao seu redor e em seu corpo pouco antes de mordiscar o doce. Comece a montar um retrato, sem julgamento, de quais são as constantes quando você come distraidamente. Lembre que hábitos dependem de automação, então não ignore nada.
Terceiro, mergulhe fundo. Faça a si mesmo as maiores perguntas. Use um amigo ou terapeuta para começar a ir além da superfície de suas ações. Lembre-se de que muitas razões para termos hábitos ruins são inconscientes, o que significa que não temos muita chance de mudar a não ser que possamos começar a iluminar os motivos frequentemente dolorosos e esquecidos por trás de nosso comportamento.
Às vezes, pode ser verdade que fazemos as coisas simplesmente porque gostamos, mas te encorajo a olhar mais fundo e pensar na possibilidade de haver outras razões ocultas em jogo. Se esse tipo de questionamento não gerar nenhum resultado e não conseguirmos compreender a raiz do hábito, podemos olhar para a repetição em si. Uma das coisas mais fascinantes nos maus hábitos é a repetição. Ficamos envolvidos no comportamento, sabendo perfeitamente bem que ele nos prejudica de algum jeito. Pergunte-se: “Quem es- tou ajudando com esse comportamento? Quem estou machucando? O que diria para minha versão mais jovem antes de iniciar esse hábito?”.
É nesse momento que, armados com as ferramentas do autoconhecimento e da autocompaixão, deveríamos iniciar honestamente a jornada de como romper um hábito. Devemos voltar recorrentemente ao nosso por que, adaptar e nos questionar a todo momento.
Finalmente, há mais uma coisa a fazer quando conseguir eliminar o mau hábito. Em muitos casos, nossa relação com ele pode ser uma das mais longas que já tivemos, então é importante reconhecermos isso e tratá-lo como faríamos com qualquer outro rompimento: agradecemos nossos ex-parceiros pelo que trouxeram à nossa vida, aceitamos e lamentamos a perda e começamos a procurar um encaixe melhor para nossas futuras relações, armados com um conhecimento mais profundo de nós mesmos, nossos pontos fracos, gatilhos e, o mais importante, nossa capacidade de ter sucesso.
RAUL APARICI é professor da The School of Life em Londres. E trabalha, entre outras coisas, em programas de equoterapia para mulheres com problemas de abuso de substâncias no sistema carcerário do Reino Unido.
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