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    O poder do toque físico para o bem-estar mental
    FOTOS REPRODUÇÃO/NIVEA O tato é um dos primeiros sentidos a se formar, quando ainda estamos no útero materno. Receber um abraço daqueles que amamos é mágico porque carrega, em si, um mundo de coisas boas
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    “Um abraço apertado, suspiro dobrado, que amor sem fim”, cantam, a mãe idosa e a filha, em uma casa de repouso em São Paulo, en­quanto os braços se entrelaçam pela primei­ra vez cheios de saudades depois de mais de dois meses de distanciamento imposto pela pandemia.

    Entre elas, apenas um plástico PVC, com abertura para os braços – e com a segurança de que o contato físico não seria perigoso para a disseminação da Covid-19.

    A “cortina do abraço”, idealizada pelo decora­dor Bruno Zani, foi um recurso valioso para muitas casas de repouso que ficaram por tan­to tempo fechadas. Sem receber visitas, seus moradores se deprimirem sem o afeto dos familiares.

    A memória do toque pode fazer bem

    Avós sem ver seus netos e bisnetos, filhos sem poder aconche­gar seus pais idosos. E uma sede por contato que não termina mesmo com as infinitas vi­deochamadas, mensagens e ligações.

    Os pacientes internados também sentiram a falta do toque. Depois de um momento de desespero, sem conseguir medir a satura­ção de um paciente, a enfermeira Lidiane Melo resolveu encher duas luvas cirúrgicas com água morna e prendê-las à mão do enfermo.

    As luvas aquecidas eram como representações das mãos afetuosas que nos acolhem em momentos difíceis, especial­mente para aqueles que passam dias sozinhos em uma UTI. Muitos hospitais passaram a adotar a prática, devido ao resultado tão positivo.

    Todos nós temos sede de contato e de afeto

    Imagens como essas rodaram o mundo em 2020. Emocionaram a todos que se humani­zam diante de situações assim. E essa comoção em massa é compreensível porque todos nós temos sede de afeto.

    “Tanto a verdade quanto a comunicação começam com um gesto simples: tocar, que é a verdadeira voz da sensação, do sentimento”, afirma o antropólogo e humanis­ta Ashley Montagu, no livro Tocar: O Significa­do Humano da Pele (Summus Editorial).

    O autor compara o toque amoroso à música, que geralmente fala o que não pode ser dito. E nem precisa, já que tudo é entendido mes­mo que as palavras estejam ausentes.

    O tato é um sentido presente em nossas vidas des­de sempre, mesmo antes de nascermos. Ain­da na barriga da mãe, somos sensíveis a ele.

    Toque físico faz parte do desenvolvimento de bebês

    Receber afeto de forma abundante durante a infância é essencial para que o toque seja uma memória de proteção e aconchego, capaz de nos acompanhar durante toda a vida

    Aliás, a formação do tato está ligada à formação do nosso sistema nervoso. “O bebê precisa ter esse contato. Ter um vínculo tanto com a mãe quanto com o pai. Ele sente o toque na gestação.”

    “O pai também tem responsabili­dade quanto a isso quando toca o ventre da mãe. Ou quando oferece o seu abraço para ela. Indiretamente isso acaba passando para o bebê”, diz José Henrique Volpi, psicó­logo e diretor do Centro Reichiano.

    Ao nascer, o toque continua sendo fun­damental, pois acolhe, conforta e protege. Seja no momento do parto, em que o bebê precisa ter contato com a pele da mãe para a saída do ventre ser menos traumática.

    Ou depois, quando toca o seio dela durante a amamentação, recebe um abraço, um bei­jo no rosto, um colo quentinho ou um afa­go de mãos carinhosas.

    São experiências como essas que expulsam o sentimento de desamparo, tristezas, angústias e me­dos no começo da vida. E é por essas lem­branças doces, colecionadas ao longo da infância, que o toque desperta em nós afeto e sensação de pertencimento por toda a vida.

    Como ficam armazenadas na nossa memória afetiva, continuamos querendo reviver, quando enfim crescemos, o mesmo pra­zer que sentimos lá atrás.

    Um mundo de sensações que o abraço traz

    O contato físico tem o sabor de um retorno ao lar. Não à toa ele é tão poderoso. Fun­ciona como um atalho que desfaz até as maiores distâncias e estabelece uma cone­xão imediata com o outro.

    E também der­ruba resistências. É o que acontece quando chegamos à residência de uma pessoa que ainda não conhecemos. Se somos recebidos com um abraço, temos a sensação de estar em casa. Como se fôssemos da família.

    Um abraço verdadeiro é mágico porque carrega em si um mundo de coisas boas. Além de ser um canal sensível de troca de energia, ele cala dúvidas, oferece proteção e é portador de mensagens que queremos e precisamos ouvir nas horas difíceis.

    Em sua linguagem silenciosa, diz que somos amados, que não estamos sozinhos e que podemos contar com quem está na nossa frente, haja o que houver.

    Braços que ofe­recem abraços fazem cair por terra nossas fragilidades, vulnerabilidades e solidão. Além de aplacar saudades e nos vestir de força para enfrentar o que for. O abraço é, portanto, um gesto universal que une as pessoas num laço firme, bonito e delicado.

    Contato físico fortalece a imunidade

    E o que a gente sente na pele também é comprovado pela ciência e pela biologia. “O toque estimula o nosso sistema lím­bico – o das emoções –, que, por sua vez, fortalece o nosso sistema imunológico, que é muito ativado por coisas boas”, ressalta José Henrique.

    Além disso, quando o toque é estimulado, nosso cérebro libera ocitoci­na, que é o hormônio do bem-estar. “Isso acontece porque o contato físico também diminui o nível de hormônios do estresse, aumentando os níveis de hormônios como a ocitocina.”

    “Ela é importantíssima para reduzir a sensação de solidão e sintomas de an­siedade e depressão. Também normaliza a frequência cardíaca e a pressão sanguínea”, revela Jaqueline Goes de Jesus, biomédica e pesquisadora.

    Jaqueline coordenou a equipe responsável pelo sequenciamento do vírus SARS-CoV-2 assim que houve a confirma­ção do primeiro caso de Covid-19 no Brasil.

    “Por isso, o toque humano é a chave para uma vida feliz, e a pele é essencial para o toque”, diz. Com eles equilibrados, a vida é pintada com tons mais leves e acolhedores, e assim, sentimos que não estamos sozinhos.

    O que a repulsa ao toque pode significar?

    Em tempos de pós-pandemia, estamos ressignificando o toque, e seguimos desejosos por momentos em que abraços abundantes não sejam sinônimos de risco à vida, mas apenas de amor

    Mas nem todos gostam de tocar ou serem tocados por alguém – há indícios de que essa repulsa ao toque tenha conexão com a ausência dele ainda no começo da vida, quando somos privados de experiências táteis.

    “É principalmente a estimulação da pele do bebê pelo tato que o capacita a sair de dentro da sua pele. Os que foram frustrados nesse sentido permanecerão, por assim dizer, prisioneiros de sua pró­pria pele, e agirão, por isso, como se sua pele fosse uma barreira que os mantives­se presos lá dentro. Para tais pessoas, ser tocado torna-se uma invasão à sua inte­gridade”, afirma Ashley.

    Dessa maneira, as feridas causadas pela ausência de contato doem quando alguém chega muito perto. Nessas situações, o jeito é usar um escudo contra o sofrimento, que é a recusa de um envolvimento próximo.

    As­sim, a pessoa fica emocionalmente reclusa, vai se tornando mais fria e construindo re­lacionamentos mais pobres. Por isso, para que esse contato seja bem-vindo, deve ser abundante na infância, entre aqueles que cuidam e convivem com a criança.

    Toque também é questão de privilégio

    Manter os afetos e os abraços num tempo repleto de viroses e questões de saúde coletiva, tem sido um imenso desafio, e a solidão pela falta do toque se tornou mais intensa do que nunca nos períodos de distanciamento.

    Apesar de todos sofre­rem com isso, alguns grupos sentiram ain­da mais o isolamento social e a falta de to­que, como apontou a consultoria Purpose.

    São pessoas idosas e cuidadoras, os grupos LGBTQIA+, e mulheres negras de regiões periféricas, que cuidam e sustentam suas famílias e são apoio em suas comunidades.

    Talvez ainda seja cedo para prever quando os abraços poderão ser fartos de novo. Aos poucos e com segurança, vamos aprenden­do a incluir o toque em nossas relações de maneira segura.

    Enquanto isso, valorizar o cuidado que temos com o nosso próprio corpo pode ser valioso. “O autotoque tem um papel importantíssimo; essa rotina de se tocar, se perceber, também colabora para que tenhamos aqueles efeitos benéficos em nosso organismo”, observa Jaqueline.

    Por isso, incluir no dia a dia uma prática de au­tocuidado com a pele ajuda a aliviar tensões e também a despertar o amor-próprio.

    Restabelecendo os vínculos profundos do toque físico

    Quando o pior da pandemia passou, tivemos que restabelecer, pouco a pou­co, os vínculos que se afrouxaram nesse tempo.

    E compensar os meses de abraços ausentes com muito mais presença, nu­trindo em nossas memórias o valor e a sensação de um abraço.

    De modo que ele fique gravado na alma, mesmo se um dia não puder mais se repetir. Como o que aconte­ceu com o cineasta iraniano Mohammad Reza Kheradmandan.

    Depois de perder a mãe para o câncer, ele resolveu dirigir um curta-metragem, Mo­ther, de pouco mais de um minuto.

    No fil­me, um homem cuja juventude ficou para trás desenha sua mãe no asfalto, com um giz branco. Então ele tira os sapatos e cami­nha de meias em direção ao centro da imagem.

    Deita e se aninha em seus braços, em posição fetal – assim como aquela em que estamos quando sentimos o toque no útero pela primeira vez.

    E repousa, aconchegado na lembrança do colo materno, que o aco­lherá por todos os dias de sua vida.

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    SIBELE OLIVEIRA vive explorando o potencial dos sentidos. E usa o toque para construir histórias ternas e marcantes.


    Conteúdo publicado originalmente na Edição 236 da Vida Simples


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