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Vício em notificações: por que não conseguimos parar de checar o celular?
(FOTO: UNSPLASH) O vício em checar as notificações impacta seu bem-estar e suas relações pessoais
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É curioso pensar como um som tão sutil, aquele “triiim” das notificações, pode causar uma reação tão automática em nós. Quando você sente que uma notificação chegou, a mão já está no bolso ou estendida para pegar o celular. O gesto é tão repetido que nem parece ser mais uma escolha, virou um impulso.

Se antes a gente checava o celular por necessidade, hoje a necessidade é de checar o celular. Esse comportamento tem sido cada vez mais estudado por profissionais da psicologia e da neurociência. O que se observa é uma dependência parecida com a de outras compulsões, como se a pessoa sentisse uma urgência em verificar se há novidades, atualizações ou mensagens, e no final a resposta sempre é a mesma. Não há nada de novo, afinal não deu nem cinco minutos que você verificar. Mesmo assim olha de novo, de novo e de novo. Só para garantir.

“Apenas o fato de checar notificações não significa que você tem um problema”, explica a psicóloga Denise Salim, professora de psicologia da Uniarnaldo Centro Universitário, de Belo Horizonte. “O vício se caracteriza quando esse comportamento se torna compulsivo, constante e interfere negativamente na rotina. Se a pessoa não consegue passar alguns minutos ou até segundos sem verificar o celular, mesmo sem estar esperando nada importante, aí sim acendemos um sinal de alerta.”

Como o vício em checar as notificações afeta o cérebro e a saúde mental?

“Essa compulsividade está ligada a uma dependência emocional, comportamental e fisiológica”, explica. “As notificações funcionam como pequenas recompensas. Elas ativam o sistema de dopamina, o mesmo neurotransmissor envolvido em vícios como jogos ou uso de substâncias psicoativas.”

Essa ativação frequente causa o que ela chama de tolerância e com o tempo, a pessoa precisa checar o celular com mais frequência para alcançar o mesmo nível de satisfação ou para simplesmente aliviar a ansiedade e estresse. “Se antes ela olhava de hora em hora, depois passa a olhar de minuto em minuto. É como se o cérebro estivesse o tempo todo em busca de uma gratificação momentânea.”

O resultado, como em outros tipos de dependência, é exaustão. Não à toa, muitas pessoas começam a checar em momentos impróprios como reuniões, no trânsito enquanto dirige e com a consciência de que não é necessário, mas é como se não desse para evitar. 

Comportamento que virou um hábito?

O celular nem vibrou, mas lá está você: desbloqueando a tela como quem respira. A cena parece corriqueira demais para chamar atenção e, talvez por isso, seja um dos sinais mais claros do quanto se tornou automático.

De acordo com o estudo da Global Mobile Consumer Survey, da Deloitte de 2019, a maioria dos usuários pega o celular em até 30 minutos depois de acordar, e 48% admitem usar o celular em excesso. Ainda mais impressionante é que 89% das interações com o aparelho são iniciadas sem que nenhuma notificação tenha sido recebida. 

E há um motivo neurobiológico para isso, argumenta a psicóloga: “As notificações são estímulos visuais e sonoros que acionam um sistema de alerta no nosso cérebro, uma herança evolutiva que nos fazia reagir a qualquer som inesperado como se fosse sinal de perigo. Hoje, esse alerta virou uma armadilha digital.”

Homem de óculos usando e olhando para o celular no meio da rua. (Foto: Unsplash) É difícil não checar as notificações o tempo todo, porque esperam que a gente esteja sempre disponível

Qual o impacto desse vício?

As consequências desse uso automático e compulsivo aparecem em diferentes áreas da vida. Esse vício em notificações pode afetar a atenção, a memória e a produtividade. “A pessoa passa a ter dificuldade de manter o foco sustentado, o que fragmenta o pensamento e reduz a capacidade de raciocínio profundo. A memória de trabalho também sofre, porque ela precisa de concentração contínua para consolidar informações, o que é inviável quando se está checando o celular o tempo inteiro.”

No trabalho ou nos estudos, isso vira uma bola de neve sem tamanho, tanto é que a produtividade cai, há mais fadiga mental e a pessoa tem aquela sensação de que passou o dia ocupada, mas no final não produziu nada ou quase pouco. Isso gera frustação consigo mesma, ansiedade e baixa autoestima.

E o impacto não é só interno. “Essa dependência começa a prejudicar as relações pessoais. A pessoa prefere olhar o celular do que interagir com quem está ao lado. Não se tem mais o olho no olho. É como se ela perdesse o controle da própria vida e acabe nem percebendo.”

Como lidar com o vício em checar as notificações?

Vivemos em uma cultura acelerada, onde a expectativa de resposta imediata virou regra, seja no trabalho, nas redes ou até nas relações pessoais. É como se o mundo exigisse que estejamos sempre disponíveis, atentos e conectados. E, nesse ritmo, resistir ao vício de checar as notificações o tempo todo se torna um desafio constante. Por isso, “criar novos hábitos é difícil, mas possível e precisa ser um processo gentil e progressivo”, relata Denise.

  • Desative notificações desnecessárias: comece pelas redes sociais, e-mails e aplicativos que não exigem atenção imediata. Reduzir os alertas de som e vibratórios já diminui o impulso automático;
  • Crie horários específicos para checar o celular: estabeleça “janelas” ao longo do dia para responder mensagens e conferir redes;
  • Use o modo “não perturbe” ou “foco”: esses recursos ajudam a criar barreiras saudáveis, principalmente durante atividades que exigem concentração, como trabalho ou estudo;
  • Pratique o autocuidado e o tempo off-line: atividades como meditação, leitura ou exercícios físicos ajudam a deslocar o foco das telas e fortalecem o autocontrole;
  • Reforce as conexões presenciais: valorização do “cara a cara” é uma forma poderosa de lembrar que o mundo real oferece recompensas mais profundas do que qualquer curtida ou mensagem instantânea;
  • Eduque as pessoas ao seu redor: se sentir pressão por respostas imediatas, converse com amigos ou familiares e deixe claro seus limites.Isso é parte do processo de reeducação digital.

➥ Leia mais
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–Vícios em redes sociais: como usar o seu celular de maneira inteligente 
–Estratégias para melhorar a produtividade sem sofrer um burnout 

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