Mentir para si mesmo: as ilusões que impactam a nossa vida
O autoengano é uma espécie de armadilha emocional, e contorná-lo pode te ajudar a viver de forma mais consciente

Já dizia Legião Urbana que “como um anjo caído, fiz questão de esquecer que mentir para si mesmo é sempre a pior mentira”. A banda deixou uma frase marcante com uma verdade incômoda: às vezes, escolher não enxergar é mais fácil do que encarar a realidade. Mas será que essa proteção realmente nos ajuda ou apenas nos mantém presos a ciclos que nos impedem de crescer?
Quem nunca se pegou justificando uma situação que, no fundo, sabia que não fazia sentido? Fingindo que estava tudo bem quando, na verdade, algo estava errado? O autoengano é exatamente isso: uma forma inconsciente de nos proteger da dor e das mudanças que nos assustam.
O que é autoengano, afinal?
Sabe quando alguém insiste que está feliz no trabalho, mas todo dia acorda sem vontade de sair da cama? Ou quando acredita que um relacionamento tem solução, mesmo ignorando todos os sinais de desgaste? O autoengano acontece quando distorcemos ou negamos a realidade para evitar um confronto interno.
No livro “Autoengano”, de Eduardo Giannetti, o autor nos dá um exemplo prático dessa dinâmica: uma pessoa que tem dificuldade com horários pode adiantar o relógio para tentar ser mais pontual. Mas, para que isso funcione, ela precisa “esquecer” que o relógio está adiantado. Se ela se lembrar, acabará ignorando a diferença e voltará a se atrasar.
Esse é um autoengano simples, mas há diversas formas ainda mais profundas que a mente cria só para sustentar determinadas verdades que precisam ser ditas. Nesses casos, não há um relógio visível que possamos reajustar, o que existe são mecanismos inconscientes que nos mantêm presos a versões distorcidas da realidade.
Segundo o psicólogo Alexander Bez, esse mecanismo funciona como uma “defesa do ego”. “O autoengano está diretamente ligado à necessidade de reduzir o sofrimento emocional. Quando uma situação parece insuportável ou incontrolável, a mente cria estratégias para minimizar o impacto psicológico. Como mecanismo de defesa, ele oferece um alívio momentâneo.”
Mas se o autoengano pode nos prejudicar, por que continuamos caindo nessa armadilha? Alexander explica que a resposta está no medo. Medo de fracassar, de sentir dor, de sair da zona de conforto. Isso faz com que nossa mente nos mantém presos em situações que já não fazem sentido.
As consequências de se enganar
O problema é que fugir da realidade não faz com que ela desapareça. Pelo contrário, viver em um estado constante de autoengano pode gerar frustração, insegurança e até afetar a saúde mental. Algumas das principais consequências do autoengano incluem:
- Distanciamento da realidade: a pessoa se torna cada vez mais dependente dessa distorção para manter seu equilíbrio psicológico, o que leva ao agravamento de delírios e um ciclo de negação e autossabotagem;
- Frustração constante: a pessoa sente que algo está errado, mas não entende exatamente o quê;
- Estagnação: evitar encarar a realidade pode impedir o crescimento pessoal e profissional;
- Ansiedade e insegurança: inconscientemente, sabemos que estamos nos enganando, e isso pode gerar angústia;
- Relacionamentos prejudicados: o autoengano pode afetar a forma como lidamos com as pessoas, levando a padrões de comportamento tóxicos para familiares, cônjuge e amizades.
Como sair do ciclo do autoengano?
O primeiro passo para superar o autoengano é reconhecer sua existência. Segundo o psicólogo “o autoengano está ligado a processos inconscientes e a mudança exige um esforço intencional, muitas vezes acompanhado de um profissional”. Isso pode ser difícil porque, por definição, estamos lidando com algo que a mente tenta esconder para nós mesmos. Mas existem algumas estratégias que podem ajudar a lidar com esse fenômeno:
- Autoconhecimento e crescimento pessoal: pergunte-se se suas justificativas para certas escolhas são realmente válidas ou se são desculpas para evitar mudanças;
- Feedback externo: amigos, familiares e até terapeutas podem ajudar a enxergar a realidade de uma forma mais objetiva;
- Reflexão sobre padrões de comportamento: se você percebe que está repetindo os mesmos erros sem progresso, pode ser um sinal de autoengano;
- Acompanhamento com um profissional: ter alguém que te ouça e traduza as suas questões de forma saudável, é um dos caminhos para sair dessa situação.
A verdade pode ser difícil de aceitar, mas também pode ser libertadora. Afinal, só quando deixamos de nos enganar é que conseguimos realmente transformar nossa vida.
Autoengano é diferente de otimismo
Nem toda esperança ou pensamento positivo é autoengano. O otimismo saudável nos motiva a seguir em frente, mesmo diante das dificuldades. Já o autoengano nos faz ignorar ou distorcer sinais importantes da realidade.
A diferença está na base da crença: o otimismo realista reconhece os desafios, mas acredita na capacidade de superação, enquanto o autoengano nega ou distorce a realidade para evitar enfrentar problemas.
Por exemplo, alguém que perdeu um emprego pode ter uma visão otimista ao pensar: “Foi um golpe duro, mas sei que posso encontrar algo melhor”. Já o autoengano se manifestaria assim: “Não fui demitido por incompetência, foi só azar, e nem preciso me preocupar com isso”.
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