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Notificações alteram química do cérebro e provocam dependência
(Foto: Viralyft/Unsplash)
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Se você sente dificuldade de se desligar das telas quando o toque das notificações te chama, pode estar certo: você não é a única pessoa que passa por isso. O barulho das notificações existe em diferentes aparelhos justamente para captar totalmente a atenção humana, “desligando” a pessoa notificada de outras tarefas e atividades que estiver realizando.

Para além de aparelhos eletrodomésticos que demandam sua atenção quando emitem sons, como fornos e máquinas de lavar, o dispositivo que mais nos chama atenção atualmente é aquele conectado à internet. E, se estiver em conexão direta com as nossas redes sociais, as notificações são capazes de fazer muita gente parar agora o que está fazendo para checar o motivo da notificação.

“Essa estratégia foi inicialmente criada para otimizar ferramentas de comunicação rápida, como ICQ e MSN Messenger, por exemplo. Mas foi adaptada pelas empresas de redes sociais e de outros aplicativos para manter os usuários engajados em suas plataformas o máximo de tempo possível. Afinal, as redes sociais lucram com a atenção das pessoas”, aponta Rafael Terra, especialista em tendências e bem-estar digital. Ele também é professor no curso MBA de marketing digital e redes sociais da Universidade de São Paulo (USP).

Essa valiosa atenção às notificações ocorre porque elas atuam como pequenos gatilhos, que soltam dopamina no cérebro. “As empresas desenvolveram as notificações para captar nossa atenção de forma imediata. Elas aproveitam o sistema de recompensa do cérebro, ativa-se toda vez que há uma novidade ou um estímulo inesperado”, explica o especialista.

Essa dopamina nos incentiva a buscar mais daquela informação, que acaba nos dando a sensação prazer ou satisfação imediata. Dessa forma, quando vemos ou ouvimos uma notificação, sentimos a necessidade de verificar imediatamente, dando sequência a um ciclo vicioso de busca por dopamina.

As consequências das notificações

Nosso cérebro foi adaptado, durante a evolução, para que a gente pudesse reagir a estímulos sonoros e visuais como uma forma de sobrevivência. Mesmo hoje, no contexto atual, somos naturalmente levados a dar atenção a esses alertas. Especialmente se eles forem interpretados, mesmo de forma inconsciente, como questão de sobrevivência, ou de manutenção de um sentimento de pertencimento a uma comunidade.

Segundo Rafael, o problema é que essa constante interrupção não nos abre espaço para focar no momento presente, criando um estado de alerta contínuo e desgastante.

“Ao longo do tempo, isso pode gerar estresse e aumentar a ansiedade, porque estamos sempre esperando a próxima notificação, o que nos coloca em um ciclo de vigilância permanente”, pontua.

Dessa maneira, cada som ou vibração é uma micro-interrupção na nossa rotina, uma pequena descarga de estresse que vai acumulando ao longo do dia.

Lucas Freire, psicólogo e autor do livro Playfulness: trilhas para uma vida resiliente e criativa, aponta que essa interrupção constante nos afasta do estado de flow: aquele estado em que estamos totalmente imersos e concentrados na execução de uma atividade.

“É quase como uma forma de ‘jogo’, onde cada alerta pode trazer algo novo, seja uma mensagem, um like ou uma informação. É como estar sempre em busca de mais uma rodada.

Porém, esse sistema, saudável no contexto do brincar genuíno, pode se tornar uma armadilha quando estamos constantemente à mercê dele. Criamos uma dependência, e com isso perdemos o controle sobre a nossa atenção e o foco”, diz o psicólogo.

Perda de memória é um problema a longo prazo

notificações (Foto: Dan Counsell)

Além de atrapalhar o nosso cotidiano, as notificações, e consequentemente o demasiado tempo de tela, podem causar problemas que dificultam diversas áreas da nossa vida a longo prazo. Isso porque a falta de concentração gera também uma diminuição cognitiva que, por sua vez, afeta a memória.

“Quanto menos exercitamos a memória, menor é a nossa capacidade cognitiva de armazenar as informações. O uso do smartphone pode fazer com que a gente confie cada vez mais nas informações fornecidas pelos dispositivos, até mais do que na nossa própria mente, o que nos torna mais ‘preguiçosos’ mentalmente”, explica Carmita Abdo, psiquiatra e professora da USP.

Então, embora a tecnologia nos ajude em muitas coisas, o seu uso excessivo pode prejudicar a capacidade cognitiva, a concentração, a memória e a compreensão.

“E é lógico que esse prejuízo vai acabar repercutindo diretamente sobre a nossa saúde mental. Porque vamos nos tornar mais ansiosos, pouco a pouco, e vamos também viver sob estresse”, completa a profissional.

Para se ter noção do impacto que o tempo de tela causa em nossas vidas, Carmita dá uma dica. Tente fazer um balanço de tudo que você ganhou e tudo que você perdeu com as horas que passou no celular esta semana.

Nas configurações dos próprios dispositivos, é possível saber o tempo de uso, e quais aplicativos mais tomaram sua atenção – que pode ter vindo, inclusive, das notificações.

“Veja as horas por dia que ficou se dedicando ao uso do celular. Analise o que você tirou de útil desse tempo. E que esse seja um exercício diário, pois eu garanto que depois de uma semana fazendo isso, você vai ter muito mais precaução. Vai concluir, afinal de contas, onde você está gastando o seu tempo”, sinaliza a professora.

Para um bem-estar digital, defina o que é prioridade

Ter um bem-estar digital não significa estar completamente fora das redes sociais e dos dispositivos. O importante é conseguir um equilíbrio entre a vida dentro e fora das telas. E desligar as notificações pode ser uma forma prática de começar.

“Desligar as notificações é uma ação simples, mas extremamente eficaz para reduzir a ansiedade. Quando eliminamos o estímulo constante de notificações, podemos retornar ao controle sobre quando queremos interagir com o celular, em vez de ser constantemente interrompidos”, aponta Rafael.

Como uma reação em cadeia, o tempo de tela pode ser menor: “a ausência de notificações nos tira do ciclo de checar constantemente o aparelho”.

Para Lucas, existe uma forma fácil de saber quais mensagens e aplicativos deixar de lado. “É o que chamamos de autonomia lúdica, que eu defendo no meu livro. Basicamente, resume-se em aprender a criar suas próprias regras para navegar no ambiente digital”, diz.

Uma boa regra a ser aplicada, segundo o psicólogo, é classificar suas notificações em três níveis:

  1. o que é realmente urgente e pode impactar sua vida ou seu trabalho;
  2. o que é importante, mas pode esperar um momento adequado;
  3. o que é dispensável e pode ser silenciado completamente.

Desconecte-se aos poucos e com paciência

“As redes sociais, por exemplo, são aplicativos que geralmente podem ser silenciados por longos períodos. Assim como a maioria das notificações de e-mails que não são críticos.

E usar o “modo foco” do celular durante a noite ou em momentos de trabalho profundo também é uma maneira eficaz de reduzir distrações. Isso ajuda até a melhorar a qualidade do sono e a produtividade”, complementa o especialista.

Apesar de benéfico, é preciso ter calma no processo. E entender que, uma vez que levamos nosso cérebro ao estado de constante alerta, pode não ser fácil se desligar das amarras das notificações de um dia para o outro.

“Isso deve ser feito de forma paulatina e equilibrada. Afastar-se muito rapidamente de todas as notificações e deixar o celular em casa ao sair, por exemplo, pode gerar um tremendo desconforto. Ademais, uma sensação de estar completamente desprovido de qualquer proteção delegada para esse dispositivo”, pontua a professora Carmita. Dessa forma, a sugestão é ir se desligando progressivamente, até chegar em um tempo de uso que seja adequado à sua rotina.

Viver offline garante uma vida online mais saudável

Rafael Terra sugere estabelecer uma rotina offline para que a experiência online ocorra de forma saudável.

“Atividades como leitura, meditação, exercícios físicos e até mesmo atividades de lazer criativos são essenciais para desconectar e acalmar a mente”.

Já Lucas nos lembra que, muitas vezes, recorremos ao celular por tédio ou por hábito. Mas existem outras formas de cultivar um estado de distração e diversão fora das telas.

“Práticas como brincar com seu filho, algo que faço sempre com o meu pequeno Leo, ou montar um quebra-cabeça, correr ao ar livre ou até mergulhar em um bom livro são maneiras poderosas de se desconectar sem perder o prazer de explorar e criar”, aponta o psicólogo.

Encontrar momentos de “brincadeira” no dia a dia, seja através de hobbies, exercícios físicos ou atividades criativas, ajudam a ter uma rotina de descompressão digital, onde você conscientemente define momentos do dia sem celular. Essa prática, segundo o especialista, é uma forma de restabelecer o equilíbrio.

Mais uma dica de Lucas é criar zonas livres de tecnologia em casa – na sala de jantar ou no quarto, por exemplo. Também vale adotar períodos de descompressão digital, como em conversas com amigos e familiares.

“Esses momentos offline são importantes para recarregar nossas energias e fortalecer nossas conexões humanas, que são, no fundo, o verdadeiro motor da nossa felicidade e resiliência”

E vale lembrar, por fim, uma questão ética: as empresas devem criar e designar esses dispositivos para trabalhar a nosso serviço, e não nós a serviço deles.

Com isso, Carmita deixa uma mensagem sobre o uso das telas. “Toda vez que uma ferramenta deixa você mais entediado, mais preocupado, ou mais ocupado do que desocupado, em vez de facilitar a sua vida, essa ferramenta já deixou de ter a sua utilidade principal. De forma contrária, está se tornando algo nefasto na sua rotina”.

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