Cada vez mais, as crianças estão fechadas em casas ou apartamentos, cercadas de telas, muita tecnologia e distantes das áreas verdes. Ter contato com a natureza é fundamental para uma infância saudável e feliz.
Em 2005, Richard Louv, jornalista e fundador do Movimento Criança e Natureza, cunhou o termo Transtorno do Déficit de Natureza (TDN). Não é um termo científico, mas chama a atenção para o impacto negativo da falta da natureza na vida de crianças e adolescentes e chamou a atenção para esse problema.
Estudos indicam que o contato com a natureza é importante para o desenvolvimento infantil em todos os seus aspectos: intelectual, emocional, social e físico. Não à toa que a Sociedade Brasileira de Pediatria lançou, em 2019, o Programa Criança e Natureza sobre os benefícios do brincar ao ar livre. Segundo o programa, quando as crianças estão em contato com a natureza há uma melhora da imunidade, memória, sono, capacidade de aprendizado, sociabilidade e capacidade física.
A Vida Simples ouviu Denise Derani Gomes, pediatra, secretária do Núcleo de Estudos da Prática de Atividade Física e Esportes na Infância e Adolescência da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP) e Denise Lellis, Doutora em Pediatria pela USP (Universidade de São Paulo) e autora do livro Primordial, para explicarem qual o impacto físico e emocional do contato das crianças com a natureza. Veja os principais pontos abordados pelas especialistas:
O contato com a natureza auxilia o desenvolvimento saudável infantil
“Sabemos que a falta de oportunidades de brincar e aprender com a natureza estão relacionados com problemas de saúde na infância e na adolescência como obesidade, hiperatividade, miopia, baixa aptidão física, predisposição para doenças cardiovasculares e a Síndrome Metabólica”, destaca Denise Derani Gomes.
A pediatra da SPSP também reforça que o “convívio com a natureza na infância e na adolescência melhorar o controle de doenças crônicas não transmissíveis como diabetes, obesidade, asma, diminui o risco de dependência de álcool e outras drogas, favorece o desenvolvimento neuropsicomotor, reduzir os problemas de comportamento, equilibra os níveis de vitamina D e proporciona bem-estar mental e diminui o número de visitas ao médico.”
SAIBA MAIS
Conexão com a natureza: como somos impactados por essa relação?
Além de todos esses benefícios, o brincar ao ar livre também contribui para agilidade, equilíbrio, criatividade, cooperação social e concentração. Denise Gomes ressalta que:
Os resultados das pesquisas realizadas mostram que é por meio da conexão com a natureza que a criança se desenvolve de forma integral – fortalecendo aspectos afetivo-emocionais, motores e processos cognitivos – atenção, memória, aprendizado e criatividade.
“No contato da criança com a natureza ocorre o desenvolvimento motor (o tônus e a força muscular) que estimula o equilíbrio, a coordenação motora, o sistema muscular e ósseo, levando-a à experienciar a funcionalidade do corpo como a coordenação motora, a força, a avaliação do risco, a coragem, a cooperação e a escolha, de forma lúdica e imaginativa além de liberar naturalmente substâncias químicas como os neuromoduladores e neurotransmissores (serotonina, dopamina, noradrenalina), que transmitem sensação de relaxamento, bem-estar, motivação, além de promover a melhora do humor e do foco atencional”, diz.
Denise lembra que “cada vez mais especialistas reconhecem a importância do contato das crianças com a terra, barro e argila por acreditarem que esse contato com os microrganismos presentes na natureza pode prevenir doenças e alergia, fortalecendo o sistema imunológico.”
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A criança aprende importantes lições ao ar livre
Fora todos os benefícios para a saúde integral, Denise Lellis defende que a criança aprende com a natureza. “Estamos piorando nosso desenvolvimento pela falta de contato íntimo e diário com a natureza”, diz.
Para ela, as crianças que cresciam em contato com a natureza aprendiam a se planejar de acordo com o verde, a se relacionar com os desafios que a vida natural trazia. Desenvolviam os seus corpos e as suas emoções com base na sua relação com o meio ambiente.
“Mas, muito de repente, do ponto de vista evolutivo, nós paramos de fazer isso. Logo depois da Segunda Guerra Mundial, nosso estilo de vida, mudou muito e nós nos isolamos da natureza de um jeito muito impactante, começamos a consumir alimentos e outros produtos muito pouco relacionados com a natureza, o que tem trazido a grandes repercussões para o nosso organismo”, avalia.
Do ponto de vista neurológico também. A pediatra explica que uma criança que tem a oportunidade, o tempo e a liberdade de andar, por exemplo, em contato com as árvores e com o mar, tem mais oportunidade de se adaptar e desenvolver o corpo com base nesses desafios. Já a criança que não tem tanto contato com a natureza, que fica dentro de casa ou na frente da tela o dia inteiro, não se adapta a isso.
“O estilo de vida que a gente tem de viver isolado dentro dos apartamentos não só prejudica a criança por causa do que a tela está trazendo, mas também pelo que ela não está fazendo por estar na frente da tela: não está aprendendo a andar com o pé no chão tendo contato com a grama tendo ou com a água, não está aprendendo a olhar para os animais e entender se isso é um risco ou não. Ela não está aprendendo a se desafiar.”
A natureza traz o imprevisível. As crianças estão vivendo cada vez mais em ambientes previsíveis, destaca Denise Lellis. “Elas não sabem lidar com o imprevisível, uma habilidade extremamente importante para a gente viver nesse século uma vez que as mudanças são muito rápidas. Eu diria que, de forma geral, nós estamos ‘involuindo’, mudando os nossos corpos para pior por causa da falta de contato com a natureza.”
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Na prática, o que ocorre no corpo quando nos aproximamos da natureza?
A pediatra Denise Lellis dá três exemplos de impacto cientificamente comprovados da falta de contato com a natureza para o corpo da criança e do futuro adulto:
Imunidade e alergias
Ao estar em contato com a natureza, temos contato com ‘micro-organismos do bem’, que estão presentes no solo. Bactérias que ajudam comprovadamente o nosso sistema imunológico se tornar mais forte a reagir melhor a futuros contatos com agentes ruins para a saúde. É comprovado que crianças que moram no interior — que tem mais contato com o solo e com outros animais — elas têm menos infecções na primeira infância e na idade adulta e tem menos problemas alérgicos.
Desenvolvimento ocular
A criança que está em contato com a natureza tem a necessidade de olhar para longe, de olhar para o horizonte. Sabemos hoje que a miopia tem aparecido cada vez mais cedo, com graus mais elevados por conta desse contato muito próximo com as telas e da falta do olhar para o horizonte. O desenvolvimento ocular também é prejudicado pela falta de sol pela falta da luz natural.
Atividade física
Em meio a natureza andamos mais, podemos andar mais rápido ou mais devagar, tem de se equilibrar dependendo de onde está. Tudo isso vai preparando o organismo de uma forma mais saudável para os desafios físicos não só de coordenação motora, mas também os reflexos, a capacidade de planejar as coisas e melhora o desenvolvimento cardiovascular. A criança que tem mais contato com a natureza acaba tendo mais necessidade de sair de casa, o que vai gerando um futuro adulto muito mais saudável do ponto de vista cardiovascular e cerebral.
O meio ambiente contribui para o desenvolvimento de habilidades socioemocionais
Brincar ao ar livre está associado ao desenvolvimento cerebral saudável e auxilia a criança a desenvolver habilidades socioemocionais. Como explica Denise Derani Gomes, pediatra, secretária do Núcleo de Estudos da Prática de Atividade Física e Esportes na Infância e Adolescência da Sociedade de Pediatria de São Paulo, do ponto de vista de saúde emocional vários estudos correlacionam que o contato com a natureza traz benefícios para saúde mental de crianças e adolescentes. Por exemplo:
- Melhora a concentração
- Diminui a impulsividade
- Diminui a hiperatividade
- Diminui o índice de depressão
- Diminui transtornos mentais
- Diminui o risco de dependência ao álcool e outras drogas
- Melhora a estabilidade emocional
- Melhor a capacidade criativa
- Melhora a autoconfiança
- Melhora a capacidade de escolha
- Melhora a capacidade de tomar decisões e resolver problemas
“Pesquisas também mostram que a exposição à natureza pode reduzir o uso de Ritalina para tratamento de transtornos de déficit de atenção”, diz Denise Gomes.
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O menor contato com o verde está diretamente relacionado ao crescimento no uso de telas e da depressão
Telas têm causado um sofrimento emocional para os jovens da atualidade, uma geração mais angustiada e estressada que as anteriores. “Dados publicados no início deste 2023, logo depois da pandemia, mostram que dobrou o número de jovens que se classificam como angustiados e um dos motivos é justamente o tempo que as telas demandam desses jovens, bombardeados por informações, muitas vezes que trazem medo, e por não conseguirem cumprir todas as metas que as redes sociais trazem”, explica Lellis.
“É uma geração que fica dentro de casa e sabemos que, do ponto de vista biológico, sair de casa para fazer exercício e ter contato com o verde é comprovadamente benéfico.”
Para a pediatra, não basta a prescrição de remédios para depressão ou ansiedade, é fundamental que as pessoas tenham um tempo ao ar livre. “Um grande investimento dos pais no desenvolvimento dos filhos não está em cursos ou escolas caras, mas no simples convívio familiar com a natureza desde sempre, de um jeito constante. Esse é o melhor investimento no desenvolvimento emocional e físico das crianças”, conclui Denise Lellis.
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