Nunca foi tão fácil ter acesso a serviços e produtos sem precisar sair de casa, muito menos levantar-se do sofá: fazer compras, conhecer gente nova ou até ter uma consulta médica são ações que estão disponíveis na internet, apenas a cliques de tempo e distância.
Mas a facilidade também nos faz exigir cada vez menos esforço físico. E o resultado disso é que vivemos em uma sociedade assombrada pelo fantasma do sedentarismo.
Entre os jovens, a situação se agrava. Isso porque as crianças e adolescentes da nossa geração já nasceram e estão crescendo nessa realidade, quase totalmente conectados às telas.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) constatou que quatro em cada cinco adolescentes no mundo são sedentários.
Já no Brasil, país mais sedentário da América Latina, 84% dos jovens vivem um padrão de vida sedentário, segundo levantamento de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O que leva os adolescentes ao sedentarismo?
Claro que a internet agrava a situação, mas esse problema não é resultado de apenas uma causa. O sedentarismo entre jovens é um processo multifatorial, e um dos principais motivos é justamente o uso excessivo das tecnologias.
Especialmente jogos que captam a atenção do sistema de recompensa dos jovens, conforme explica Zair Cândido, coordenador do curso de educação física da Universidade Positivo (UP) e da UPX Sports.
“É aquela questão dos videogames, pois eles ficam muitas horas jogando e perdem muito tempo do dia. Além disso, eles têm as outras rotinas de escola e uma série de atividades, que acaba faltando espaço para atividades físicas no dia a dia”, explica o educador.
O professor aponta que o sedentarismo dos adolescentes também é um problema social. “Outro reflexo é a falta de espaços seguros para os jovens. Hoje a gente vive numa sociedade que é bem difícil ter espaços de convivência, para que eles possam praticar esportes, fazer alguma atividade física. Fica muito restrito a academias, mas mesmo no deslocamento da casa para a academia, às vezes os jovens estão vulneráveis nas ruas”, explica.
Dessa forma, a família acaba sendo responsável por esse translado, tendo que levar os jovens a esses lugares fechados, como academias e clubes. Essa, porém, não é uma realidade possível para todos.
“Então, algumas regiões carecem de programas e de políticas públicas que facilitem a prática da atividade física. Às vezes tem poucas áreas verdes ou de uso comunal nos bairros. Em alguns lugares, podem até ter praças, por exemplo, mas as prefeituras raramente oferecem atividades regulares com profissionais capacitados, e isso também reflete nesse sedentarismo”, pontua.
Adultos sedentários têm filhos sedentários
A família é a primeira e principal referência de uma criança ao nascer e na primeira infância. Quando crescem, o estilo de vida dos pré-adolescentes e adolescentes ainda é inspírado pelas pessoas de casa, que fazem parte da família.
“Então, em famílias de pessoas praticantes de esportes, os filhos têm seis vezes mais chances de praticar”, explica Danielle H. Admoni, psiquiatra geral e da Infância e Adolescência.
Afinal, a famosa expressão “faça o que eu digo, não faça o que eu faço” não faz sentido, especialmente quando o contexto é a educação de adolescentes.
“Demonstrar através do exemplo é a melhor estratégia. Não adianta a gente só falar que o adolescente precisa fazer isso ou aquilo, pois eles veem o exemplo dos pais”.
Sim, estilo de vida vem de berço. “É diferente crescer em uma família que no fim de semana fica sentada, jogando videogame no sofá, e crescer em uma família que sai para jogar bola, que vai correr no parque. Enfim, os pais também têm de dar exemplo. Isso é muito, muito importante”, frisa.
E mudar essa realidade não precisa ser difícil, nem exigir alguma transformação radical. “O ideal é que seja um conjunto de ações entre os pais, a família e o jovem. Fazer pequenas adaptações, criar situações prazerosas”, diz Zair Cândido.
O educador aponta que, no dia a dia, pequenas mudanças já trazem grandes diferenças: “às vezes, quando for comprar um pão na padaria, chama o filho para ir junto, vai caminhando, falando sobre atividade física e hábitos alimentares saudáveis”.
Além de ser exemplo de disciplina a prática de atividades físicas, também vale monitorar melhor a alimentação do núcleo familiar: trocar o refrigerante por água ou um suco natural, diminuir o consumo de ultraprocessados e escolher uma fruta no lugar.
“É por meio desses exemplos que você transforma a realidade do jovem, né? Através dessas ações cotidianas”, completa Zair.
Como incentivar seu adolescente a se movimentar
A melhor forma de um jovem entrar em movimento é aquela que ele mesmo define. Cada pessoa tem seu corpo e seus gostos, e sabe que tipo de movimento é mais satisfatório ou mais adequado à sua condição e sua identidade.
Com os adolescentes, isso não é diferente. “Tem adolescente que é mais sociável, outros são mais reservados… Há diferentes tipos de personalidades”, reforça a psicóloga Danielle.
Para ela, é essencial não relacionar atividade física apenas à academia. O importante é deixar as opções em aberto para os jovens poderem escolher onde se sentem mais à vontade.
“Às vezes pode ser muito mais simples. Por exemplo, caminhadas diárias já são uma atividade física. Então, ver o perfil daquele adolescente e o que ele sente prazer ajuda a manter aquela atividade física com frequência, transformá-la em um hábito, e não apenas uma ‘eterna’ obrigação”.
Além dos benefícios físicos, esportes coletivos como vôlei, basquete e handebol, por exemplo, são ótimos para realizar um desejo comum – e muito legítimo – nessa fase da vida, o de pertencer a outros grupos sociais que não são a família.
“Isso cria um círculo social. E um trabalho de equipe sempre estabelece metas, tem campeonatos, e uma série de processos que ajudam também a melhorar a autoestima, a concentração, o senso de responsabilidade consigo e com o grupo”, explica Zair.
“A socialização vai ajudar também na vida profissional. Quando ele tiver já exercendo sua profissão, vai levar valores importantes que o esporte traz”, completa.
Aulas de expressão corporal e atividades artísticas também podem desencadear diversos benefícios para os adolescentes, além de expurgar o fantasma do sedentarismo.
“No teatro e na dança, por exemplo, você usa muito o corpo, a mobilidade e a flexibilidade. Essas atividades, além de trabalhar o físico, ajudam os jovens a se comunicar melhor, a enfrentar públicos, a melhorar a autoconfiança, a falar em público. Atividades culturais são fonte de desenvolvimento de diversas habilidades”, explica o especialista.
As opções são diversas, e as vantagens também. Ter uma vida menos sedentária pode transformar o dia a dia dos adolescentes e, consequentemente, da família toda.
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