Imagine uma criança e todos os cuidados implicados na criação dela: alimentação, banho, roupas lavadas, casa e louças limpas. Alguém tem que fazer todas essas atividades. E quem as faz? As mães, muitas vezes, são a única resposta para essa pergunta.
Em seu livro Manifesto antimaternalista, a psicanalista Vera Iaconelli, aponta que o modelo que concentra todos os cuidados dos filhos nas mulheres está em colapso e traz prejuízos, como o esgotamento feminino. Ela defende ainda que os cuidados com as próximas gerações não devem ser uma responsabilidade exclusiva das mulheres, mas um comprometimento coletivo de todos.
Nesse contexto, entra a participação ativa dos homens no cuidado com os filhos, algo que ainda não é muito naturalizado ou incentivado.
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A crença na incapacidade do homem de cuidar e o mito do instinto materno
A psicóloga Rose Jadanhi explica que uma cultura que incentiva a viralidade, a independência e o ser forte nos homens pode não associar o cuidado a uma habilidade masculina. “A crença na incapacidade dos homens de cuidar já está enraizada em construções sociais que moldam os papéis de gênero distintos.”
Nesse sentido, os papeis de gênero funcionam como construções sociais que tem a intenção de moldar o comportamento de homens e mulheres. As crianças, desse modo, entram em contato com eles cedo. “Desde a infância, os meninos não são incentivados à feminilidade, ao cuidado do outro, ao brincar de alguma forma cuidadosa com um brinquedo”, exemplifica o psicanalista Renan Regueiro.
Ele explica que esses meninos crescem, então, distantes das funções de cuidado e, como homens, não estão interessados em exercer o cuidado. Além disso, é possível que nem eles, nem as pessoas ao redor acreditem que possam ter ou desenvolver essa capacidade.
Se os meninos são afastados de atividades que remetam ao cuidado, as meninas, pelo contrário, exercem desde cedo esse papel. O “instinto materno”, aponta Renan, é, portanto, um produto dessa educação para o cuidado. “Ele é uma construção nas meninas que são incentivadas, colocadas e identificadas com suas mães, suas avós para cuidar.”
Homens no cuidado criam homens mais humanos
Renan, que também é pai de uma criança de 3 anos, sempre esteve na dianteira dos cuidados com o filho e enxerga os benefícios que o papel ativo traz para ele e para o menino. “Ele pode tomar uma referência diante da cultura da sociedade de um homem que está ali lavando a roupa, a louça, limpando a casa, fazendo comida para ele e dando banho. Eu ofereço ao meu filho essa referência.”
Além disso, inserir os meninos no cuidado é uma forma de aproximá-los de aspectos da própria natureza humana. “Podemos pensar em meninos e homens que pudessem reprimir menos aquilo que é do sensível, da empatia, do sentir, que têm a ver com o cuidado”, explica Renan. “Estamos pensando sobre um menino está contato com algo que é dele e é do humano.” Então, para ele, essa “sensibilidade autorizada” na infância pode contribuir com o cuidado na fase adulta em todos os tipos de relações.
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