O assédio sexual contra homens no Brasil é comum e recorrente, embora pouco debatido na sociedade. De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2022, conduzida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 9,4 milhões de pessoas no Brasil relataram terem sido vítimas de violência sexual em algum momento de suas vidas. Dentro desse grupo, aproximadamente 1,8 milhão são meninos e homens.
Os dados do Ministério da Saúde mostram também que, na adolescência, 46% das meninas vítimas desse tipo de agressão chegaram a denunciar. Entre os meninos, no entanto, o percentual é de apenas 9%. A revista Nature, uma das mais renomadas no mundo, publicou um estudo em 2023 mostrando que o número de homens submetidos a algum tipo de violência sexual na infância chega a 10% no mundo.
Para o médico psiquiatra Alexandre Valverde, há um tabu quando assunto é violência sexual contra homens. “Isso se deve justamente ao preconceito de que homens não sofrem violência”, diz o especialista. Por isso, os pesquisadores sobre o tema acreditam que há uma subnotificação maior em relação às mulheres, especialmente pelos estereótipos relacionados às masculinidades.
“Muitos preferem não falar sobre o assunto para não passar a ‘vexação’ de serem ironizados ou diminuídos, menosprezados pelos amigos e familiares. Preferem deixar essa questão de forma íntima para ser resolvida sozinha”, diz Valverde.
Violência sexual contra homens ainda é pouco debatido
Como parte das soluções para o problema, o psiquiatra Alexandre Valverde acredita que é fundamental começar uma mudança cultural para combater o machismo e a toxicidade das masculinidades que impedem os homens de expressarem suas vulnerabilidades e sofrimentos. “Isso pode ocorrer por meio de dinâmicas de grupo e apoio emocional, proporcionando espaços seguros para discutir o tema”, explica.
Da mesma forma, o especialista diz que é preciso combater os mitos de que os homens não sofrem assédio sexual. “A psicoeducação também é crucial para quebrar tabus e permitir que possamos abordar o assunto sem estigmas”, conclui.
Na pesquisa de doutorado intitulada “Violência e revitimização sexual contra meninos, homens e HSH brasileiros: prevalência, fatores associados e subnotificação“, do pesquisador Denis Gonçalves Ferreira, há algumas particularidades sobre a violência sexual sofrida por homens.
Segundo a pesquisa, os grupos mais vulneráveis à violência sexual incluem homens que têm relações sexuais com outros homens e aqueles que sofrem de disfunções sexuais, com uma prevalência que pode atingir até 71% nesses grupos. Os homens que são vítimas de violência sexual também apresentam maior probabilidade de desenvolver problemas como o uso de drogas, o isolamento social, pensamentos suicidas e disfunções sexuais.
De acordo com a tese de doutorado de Denis Gonçalves, a violência sexual contra homens também tende a ser mais duradoura, porque há menor incidência de denúncias e rompimento no ciclo de agressões. Além disso, é mais comum que os meninos sofram violência sexual na infância, em comparação com as mulheres, que vivenciam esse problema com mais frequência na pré-adolescência.
Vergonha e culpa afastam as vítimas da denúncia
Segundo Alexandre Valverde, uma má simetria nas relações podem desencadear agressões sexuais. Questões financeiras, hierárquicas, familiares ou trabalhistas podem tornar certos sujeitos mais vulneráveis e submissos.
Para o psiquiatra, os estereótipos de virilidade também podem confundir a mente de vítima. “Muitos homens sentem vergonha ao admitir que foram vítimas de assédio sexual. Eles enfrentam uma pressão social que os faz acreditar que devem aceitar e corresponder de maneira positiva a abordagens sexuais, mesmo quando se sentem desconfortáveis“, explica.
Além disso, é comum que, durante as agressões, o corpo possa sentir dores, mas também prazeres, como o estímulo natural das partes íntimas. Então, além da vergonha, esse sentimento misto confunde os abusados. “Essa ambiguidade pode gerar confusão e dificultar sua capacidade de se defender e se proteger adequadamente. Ele pode se sentir dividido entre a excitação física e o reconhecimento do abuso”, diz Valverde.
As experiências traumáticas podem se somar ao medo de denunciar o agressor, assim como sintomas de depressão, ansiedade e impactos negativos no cotidiano da vítima. “A gravidade desses efeitos depende da frequência e intensidade do abuso, assim como da disponibilidade de uma rede de apoio para a pessoa, diz o psiquiatra. Os efeitos, no entanto, podem ser mais devastadores se não houver auxílio psicológico e jurídico.
Veja como denunciar
A Polícia Civil de cada estado tem delegacias preparadas para atender vítimas de violência. Se não houver ferimentos graves, procure a unidade policial mais próxima para registrar o boletim de ocorrência. Em casos de violação dos direitos humanos, é possível acionar o Disque 100.
O Instituto Médico Legal (IML) também atua neste âmbito, sendo responsável pelos inquéritos de violência sexual. Além disso, o 190 pode acionar viaturas policiais para coibir agressões sexuais em curso.
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