Conversando com amigos, familiares e colegas de trabalho é comum a gente repetir o famoso ditado “é porque era para acontecer”, como se aquela situação estivesse de alguma forma predestinada para vir em um momento exato das nossas vidas, seja isso uma boa notícia ou não. Provavelmente você tem uma história dessa para contar ou conhece alguém que foi perpassado por uma situação inusitada.
Parece que essa crença popular se encaixa perfeitamente na história de Ana Ladeia, que se descobriu grávida aos 48 anos, no momento em que suas esperanças de que isso fosse acontecer já estavam quase no fim. Ela, que é médica, professora e escritora, sempre nutriu o sonho da maternidade junto com o marido, embora nunca tivesse tido sucesso em suas tentativas. Mas não foram poucos os esforços, Ana buscou diversos tratamentos, clínicas médicas e especialistas em países como França e Espanha que pudessem ajudá-la nesse processo.
“Eu cheguei à conclusão que talvez o caminho de ser mãe não fosse gerando filhos”, explica Ana. Depois das muitas tentativas, decidiu adotar um filho, o Mathias, que chegou à sua casa aos três dias de vida e preencheu o lar com amor, alegria e satisfação pelo sonho de Ana ter sido concretizado. “A minha maternidade já estava de certa forma saciada“, explica a cardiologista, que considera a adoção um processo divisor de águas na sua vida.
Gravidez de gêmeos
Foi então que, aos 48 anos, Ana recebeu um e-mail da clínica na Espanha onde havia armazenado seus últimos embriões informando que, ao completar 49, pelas leis do país, eles seriam descongelados. Mas, como já havia se tornado mãe pela adoção, Ana não enxergava muita necessidade de tentar mais uma vez, especialmente pela expectativa, ansiedade e medo do que poderia acontecer.
Mesmo assim, aproveitou a viagem para um congresso de cardiologia na cidade de Barcelona e decidiu que iria contatar a clínica, até porque, todo o processo já havia sido feito e, caso não recebesse os embriões, eles seriam descartados em breve. “Eu botei os embriões já sem expectativa de engravidar, porque já tinha feito tantos tratamentos quando mais jovem e nada tinha funcionado“, conta Ana Ladeia.
Não havia muito compromisso com essa última tentativa de gravidez e ela burlou algumas regras, já que não poderia carregar uma quantidade significativa de peso e ela levou o Mathias nos braços – na época com dois anos -, também não era aconselhado entrar no mar, mas Ana já havia planejado uma viagem à praia.
Ela não queria se frustrar com tudo aquilo novamente e um dos seus pedidos é que não gostaria nem de receber os exames do último teste de gravidez, “quando eu fui fazer o teste para ver eu falei pro meu marido ‘olha eu não quero nem ver [o resultado]’”. Mas, ao contrário do que Ana poderia imaginar, estava grávida de gêmeos e aos 48 anos de idade.
Foi uma alegria sem tamanho, mas também um desafio que exigia muitos cuidados e acompanhamento médico a todo tempo. “Em um período de três anos eu passei de zero filho para três crianças pequenas“, brinca Ana, que hoje é mãe de três adolescentes, os gêmeos com 12 e Mathias, o mais velho, com 15.
Ana ao lado da família (Foto: arquivo pessoal)
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Nasce um livro
“Eu pensava: ‘como que eu vou dar conta dessa gravidez?'”, conta Ana, que nunca tentou romantizar todo o processo da gestação, afinal, não é nada fácil para uma mulher engravidar aos 48 anos de idade, ainda mais de gêmeos, então tudo exigiu muito cuidado, dedicação e acompanhamento multiprofissional.
Mas é aquele ditado que abriu este texto, “olha, se isso aconteceu agora, razão para ter acontecido deve ter”, brinca Ana, que depois de tanto tempo e inúmeras tentativas, e de forma despretensiosa, a gravidez veio, em uma época em que achou que não fosse acontecer e que já havia se tornado mãe.
Uma das profissões de Ana é a de escritora. Ela conta que sempre gostou de escrever e até pensou em se graduar em alguma profissão que utilizasse a escrita como ferramenta de trabalho, como o jornalismo por exemplo, mas por influência de familiares e seus próprios interesses de estudo, a medicina falou mais alto e Ana se encontrou profissionalmente na área, nunca deixando de lado a escrita.
Depois da maternidade, durante a pandemia da Covid-19, a escritora decidiu que iria se presentear com um livro. Assim nasceu Do Amor e do Amar (Editora Scortecci), uma obra que conta as histórias de 12 mulheres, de diferentes idades, etnias, orientações sexuais e classes sociais, que se tornaram mães e foram perpassadas pelo sentimento da maternidade.
O lançamento ocorreu tanto na sua cidade natal, Caetité – no interior da Bahia -, em parceria com um projeto social da região, e em Salvador, onde parte das vendas foi destinada a uma instituição de auxílio a mulheres vítimas de violência doméstica.
Não cheguei a questionar Ana sobre como ela imagina que seria a vida dela hoje sem a maternidade, mas certamente muitas das suas percepções sobre o mundo e a própria escrita do seu livro talvez não tivessem acontecido.
A médica lembra ainda que se tornou uma pessoa muita mais paciente, empática e compreensiva do que já é depois que se tornou mãe. Aprendeu a ser flexível com seus alunos na universidade, mas sem perder o nível de exigência típico das suas disciplinas. “Isso talvez porque eu tive que flexibilizar o momento de ser mãe”, associa Ana.
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