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Como ser uma pessoa antirracista?
Para construir uma sociedade antirracista é preciso a participação de todas as pessoas (Foto: jacoblund/Getty Images)
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“Somos todos iguais.” A frase parece inocente e traz uma ideia agradável de igualdade. Entretanto, será que realmente somos todos iguais? A resposta é não. E será que desejamos ser?

Ou melhor, como podemos diminuir a distribuição desigual de recursos e oportunidades, sem anular as diversidades que fazem parte da nossa sociedade?

Observar a realidade e reconhecer a existência do racismo é o primeiro passo no caminho da equidade. E o segundo passo é promover uma educação antirracista, seja ela autodidata ou coletiva.

O livro Pequeno Manual Antirracista, da filósofa Djamila Ribeiro, explica que o racismo, por ser estrutural, está presente em amplos contextos da sociedade e nas ações individuais e interrelacionais. Dessa forma, ele precisa ser reconhecido para não perpetuar agressões. Categorizar certos atos como racistas é fundamental para que o próprio racismo possa ser combatido.

Apenas reconhecer o racismo não é suficiente para promover a transformação. Para transformar a realidade, é preciso ser antirracista. Djamila sugere questionar nossas ações e posturas no mundo. O que estamos fazendo e podemos fazer para colaborar com a luta antirracista?, ela convida a refletir.

Uma maneira prática de iniciar o caminho do antirracismo é duvidar do que parece “normal” ou “natural”. Ou seja, ter um olhar crítico sobre as relações, reconhecendo as injustiças que permeiam discursos e práticas.

Nesse contexto, a educação antirracista é uma ferramenta poderosa. Isso porque ela ajuda na construção de percepções, pensamentos, narrativas, vivências e existências baseadas em histórias reais. É o que defende Janine Rodrigues, escritora, pesquisadora e fundadora do Piraporando, organização de educação antirracista.

Considerando o histórico do país, marcado profundamente pela escravização de pessoas negras, Janine informa que, mesmo centenas de anos após a abolição da escravidão, “nada foi feito para desconstruir ideias e percepções sociais sobre as pessoas negras”.

“A educação antirracista é, dentre outras coisas, baseada em informar a verdade, os fatos, com visão de contexto consciente sobre a realidade e os acontecimentos que se conectam na realidade. A verdade dita, explícita, é a que dará base para a criação de outros olhares do mundo que não sejam os olhares racistas”.

Os frutos da educação antirracista

Janine Rodrigues, escritora e fundadora do Piraporiando. Janine Rodrigues, escritora e fundadora do Piraporiando (Foto: arquivo pessoal)

Duas leis federais, a 10.639/03 e a 11.645/08, tornam obrigatório o ensino de história e culturas africanas, afro-brasileiras e indígenas nas escolas brasileiras, tanto públicas quanto particulares.

Para Lavínia Rocha, escritora e professora premiada de história, as leis amparam e permitem que transformações ocorram em crianças e adolescentes a longo prazo.

Isso porque abordar os conteúdos previstos pelas leis torna mais visível a participação das pessoas negras e indígenas na constituição da sociedade, da cultura e da história do Brasil.

Da mesma forma, expõe como esses povos foram invisibilizados, negligenciados e violentados pela estrutura racista que se formou no Brasil e na América Latina ao longo de séculos de escravidão e exploração, que começaram com a invasões europeias à América, a partir do ano de 1492.

“Uma educação antirracista verdadeira não é aquela que apenas fala sobre Zumbi dos Palmares em novembro, e em abril, sobre os povos indígenas. Ela precisa ir ali na raiz da questão”.

Afinal, o que é uma educação antirracista?

Lavínia define a educação antirracista como uma forma de ampliar perspectivas a respeito de culturas, histórias e diversidade, além de contribuir para a desconstrução de estereótipos.

E isso promove mudanças na vida de seus alunos, empoderando-os para questionar e se posicionar diante de situações naturalizadas. Além de incentivar que eles busquem por mais conhecimento.

Com abordagem antirracista em sala de aula, Lavínia venceu em 2022 o prêmio de educadora mais criativa do país na educação básica (Foto: arquivo pessoal)

Um exemplo de educação antirracista na prática está no vídeo que viralizou e trouxe projeção nacional para a professora. O tema da aula era o continente africano. Logo no início, ela pergunta aos alunos o que vêm à cabeça deles quando se fala em África.

A maioria das respostas tinha um cunho negativo, e relacionavam o continente a doenças, escravidão e pobreza. No fim da aula, depois de muito aprendizado compartilhado, as crianças responderam, novamente, à mesma pergunta.

Entretanto, diferente do início, desta vez as crianças trouxeram mais detalhes sobre a diversidade presente na realidade do continente africano, que envolve realidades que vão desde estrelas de futebol a culturas ancestrais que relacionam-se de forma única com o planeta. Aspectos que não podem ser resumidos a estereótipos.

Além disso, Lavínia emprega o que nomeou de pedagogia do entusiasmo, que tem o objetivo de criar para os estudantes uma sala de aula estimulante, em que eles se sintam livres para participar.

“Às vezes penso que tenho apenas quatro turmas e que isso é pouco. Mas as mudanças são em efeito cascata, as crianças vão levar para a casa, para os lugares e, assim, vamos transformando o Brasil de forma geral”, reflete.

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A educação antirracista transforma alunos

O educador, músico e escritor Allan Pevirguladez também vê os frutos e avanços da educação antirracista que aplica nas escolas.

Ele relembra que não vivenciou essa abertura para falar sobre racismo durante o seu período na escola, mas “poder levar a educação antirracista para novas gerações é algo muito significativo para mim, uma vez que permite transformações reais para elas e para a sociedade”, comenta.

A cultura é uma das ferramentas que o professor utiliza para promover a educação antirracista. A música, a poesia e o teatro estão presentes como uma forma de abordar de forma lúdica questões relacionadas a raça e história. Para ele, também é uma forma de auxiliar os alunos a formar um imaginário antirracista.

Allan Pevirguladez usa música e cultura como ferramenta antirracista em sala de aula Allan Pevirguladez usa a música e outras expressões culturais como ferramentas para uma educação antirracistas em sala de aula (Foto: arquivo pessoal)

Além disso, ele considera que é um trabalho que capacita os estudantes a lidarem melhor com possíveis agressões e a terem força para prosseguir.

“É importante que nossas crianças entendam o valor da sua cor, das suas características físicas, e que respeitar o outro é fundamental. Recebo mensagens de mães de crianças que tinham dificuldade de aceitar seu cabelo do jeito que é. Depois das nossas aulas, passaram a se empoderar mais e a entender a beleza e a identidade que possuem.”

“Isso é um antídoto muito eficaz dentro do combate ao racismo, porque muitas vezes as pessoas negras acabam desenvolvendo um auto-ódio, que afeta a autoestima e o desenvolvimento como seres humanos. E, sobretudo, é muito prejudicial para a sociedade como um todo”, declara.

Antirracismo é uma luta de todos e para todos

A luta antirracista não é apenas das pessoas negras, indígenas ou amarelas. Para Allan, não é possível construir uma sociedade antirracista sem a contribuição de pessoas brancas. Nesse sentido, elas devem entender sua importância e ter uma posição ativa.

“Pessoas brancas precisam participar desse processo, até porque elas são as grandes responsáveis por esse problema social. Elas precisam escutar e entender que fazem parte de um grupo privilegiado, que durante séculos tem herdado bens, espaços e cargos. E que não foi vítima de violência como foi a população negra”.

Segundo o professor, o racismo e os diferentes tipos de violências que ele gera afetam todas as pessoas, independente da cor. “As violências não ferem somente a população negra. Todos sofrem dentro do seu contexto, das suas particularidades”, declara.

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Como uma pessoa branca pode ser antirracista?

Bruno Castro, jornalista, mestre em antropologia e criador do portal de mídia independente Ceará Criolo, comenta que, dentro do contexto racista, o protagonismo é de pessoas negras.

“Somos nós que sofremos os efeitos do racismo. Somos excluídos das políticas públicas, sofremos agressões verbais e físicas. Muitas vezes o racismo se desdobra em violência física e morte”, diz.

Mas ele também explica que as pessoas brancas têm um papel fundamental nesse contexto e precisam se apropriar do lugar delas na luta antirracista.

“Pessoas brancas são antirracistas quando, por exemplo, buscam promover a necessidade de mais diversidade em espaços que frequentam”, comenta.

Bruno Castro criou o Ceará Criolo, coletivo de comunicação independente, em 2018 (Foto: arquivo pessoal)

Bruno também concorda com o fato de que a melhoria de vida das pessoas negras promoverá um avanço para todos. Ele explica que, em uma sociedade como a nossa, gênero e raça colocam as pessoas em posições privilegiadas ou marginalizadas.

No topo, estão os homens brancos, seguidos das mulheres brancas, homens negros e mulheres negras. Ainda na base da pirâmide, abaixo de pessoas negras, estão os homens e as mulheres indígenas.

Nesse sentido, políticas públicas voltadas para ações antirracistas atuariam entre as pessoas que estão na base, ou seja, as pessoas indígenas e negras. Dessa forma, beneficiando a base, toda a sociedade também irá se beneficiar.

Para ilustrar o argumento, Bruno cita a frase da ativista e intelectual Angela Davis:

“Quando uma mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela.”

Escute, leia, ofereça suporte

Para Janine, apesar de ser uma luta coletiva, o âmago do processo antirracista é cada um assumir a sua responsabilidade. “Leia, pense criticamente, não é preciso esperar que alguém bata à sua porta te convidando para ser antirracista”, aconselha.

Outra forma de fortalecer o antirracismo, segundo ela, é dar suporte a quem foi vítima. “A sociedade encoraja uma pessoa negra a denunciar o racismo quando demonstra que ela será protegida. Deixar a vítima como a única responsável de resolver o problema é também uma violência. Então, no dia a dia, pessoas não negras precisam se posicionar mais. Assim podemos, aos poucos, sentir um pouco menos de medo”.

Educação antirracista para além das datas

O Dia da Consciência Negra e Dia Nacional de Zumbi dos Palmares, em 20 de novembro, foi oficialmente incorporado ao calendário de feriados em todo o território nacional em dezembro de 2023.

Em 2024, a data, pela primeira vez celebrada em todo o Brasil, é um convite para pensar sobre as heranças negras na história do país. Mas o antirracismo não deve se resumir à data ou ao mês de novembro.

“As datas são fundamentais, elas nos dão base, nos amparam, mas não podemos ficar focados e presos a elas. Para mim, pensando o novembro negro, elas são como uma celebração, um grand finale de tudo feito ao longo do ano e uma forma de se energizar para começar o próximo. Deve ser um pensamento constante que leva a ações constantes. A história do povo negro e indígena não está em um capítulo de um livro, ela está na vida real, acontece na atualidade. Essas histórias e as ideias de mundo dessas culturas não-brancas têm que estar o tempo todo em todos os lugares”, defende Lavínia.

Allan define uma pessoa como antirracista aquela que |age constantemente na promoção de questionamentos e de trocas de conhecimento nas relações cotidianas.

Comece questionando estereótipos

Combater estereótipos é um exemplo de prática rotineira. “Devemos entender que determinados estereótipos, colocados como elementos culturais na nossa sociedade, muitas vezes são violências. O discurso não pode mais conter essa ‘brincadeira’ com a imagem, com as características de pessoas negras”, explica.

Além disso, Allan defende que a diversidade nos lugares deve ser cobrada. Programas de televisão e material de publicidade, ele exemplifica, precisam representar em suas mensagens, as diversidades da sociedade brasileira.

A mídia tem um papel ímpar no antirracismo, uma vez que ela toca e ajuda a construir o pensamento social.

“Temos acesso aos meios de comunicação ainda crianças e eles nos ajudam a formar o nosso imaginário, a normalizar ou a estranhar determinadas coisas. E quando tenho uma comunicação que está o tempo todo dizendo, implícita ou explicitamente, que a população negra é pobre, feia, descendente de escravizados, inadequada aos ambientes, à produção de conhecimento e outras coisas negativas, ela nos empurra para um lugar que nos desfavorece”, explica Bruno.

A luta antirracista é uma constante presença

Para o jornalista, o antirracismo é uma postura que merece ser mantida em todos os lugares frequentados, e ser orientadora de hábitos e comportamentos.

Ele conta que depois que se entendeu como um homem negro, fez o exercício de obervação de si, considerando seu convívio social, o que vestia, o que assistia, o que lia, o que consumia de forma geral.

E se surpreendeu ao perceber que a maioria das pessoas que seguia nas redes sociais eram brancas, assim como os autores dos livros que lia.

Foi então que começou a pesquisar escritores, pensadores e filmes produzidos por pessoas negras, e a priorizar o consumo de produtos em estabelecimentos geridos por elas.

Consumir conteúdos que consideram a raça, sejam eles livros, filmes, documentários, podcasts ou outras mídias, diz respeito também à responsabilização sobre o processo de educação individual, que implica a revisão de comportamentos, vocabulários e a visão de sociedade.

“São ações individuais que podem parecer pequenas, mas elas têm um impacto em cascata. É um trabalho de formiguinha, mas é importante. Temos que ser coerentes com a nossa história. Eu não tenho como cobrar ou propor uma educação antirracista e a desconstrução do racismo estrutural, se no dia a dia eu não leio nenhum autor negro, não consumo nada de um empreendedor negro ou não estimulo o trabalho de uma pessoa negra. Não seria coerente”, resume.

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Sobre a série Por uma vida antirracista

Em 2024, pela primeira vez na história, o feriado de 20 de novembro – Dia da Consciência Negra – acontece em todo o Brasil. Para celebrar a nacionalização da data, a Vida Simples apresenta em seu portal a série Por uma Vida Antirracista. São seis matérias abertas ao público – e uma publicação bônus – com reflexões sobre racismo, depoimentos de pessoas racializadas, e dicas para ter atitudes antirracistas. Entendendo o papel do jornalismo na promoção de uma sociedade mais informada e consciente, a Vida Simples usa sua plataforma para trazer à tona a luta de pessoas que, por muitas vezes, não têm suas vozes ouvidas. A próxima matéria terá um panorama sobre as vivências de pessoas amarelas – descendentes de asiáticos – no Brasil.

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