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Por que cabelos crespos e cacheados são cada vez mais valorizados?
Uso de cabelos crespos e cacheados impactam a autoestima de mulheres. Diana Simumpande/ Unsplash
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Muitos elementos fazem parte do universo dos cabelos crespos e cacheados. As curvaturas e texturas, a utilização de tranças, frequência de lavagem e produtos adequados. Se antes a informação sobre esse tipo de textura capilar era escassa, hoje cada vez mais a estética dos cabelos afros é estudada e trabalhada. Isso faz com que ela chegue a mais pessoas, que passam a ter um contato maior com produtos, penteados e técnicas específicas, além dos conhecimentos para aplicar os cuidados necessários em seu próprio cabelo.

Cabelos crespos e cacheados chegaram a um patamar de valorização até então nunca visto, impulsionada pelos fenômenos crescentes de representatividade e resgate cultural. Para quem possui esse tipo de cabelo, esse apreço tem impactos nos processos de autoaceitação e identidade. Entretanto, mesmo com as conquistas, o cenário não é ideal para que todas possam aceitar seus cachos. O racismo presente nas estruturas da sociedade ainda encobre a história afro no Brasil.

O mito de que cabelos crespos e cacheados são mais difíceis de se cuidar

Todo cabelo, para ser saudável, precisa de cuidados relacionados à hidratação, à nutrição e à reconstrução. Com cabelos crespos e cacheados não é diferente. É preciso ter algumas atenções especiais, mas nada que faça deles mais difíceis de cuidar do que quando comparado às demais texturas.

O que pode dificultar o trato dos cabelos são fatores mais complexos, como o racismo. Renata Ramos, pedagoga, conta que ter o cabelo cacheado não era algo que a incomodava, mas isso começou a mudar depois da infância.

“Quando cheguei na adolescência lidar com o meu cabelo naquela época era difícil, principalmente, na hora de ir estudar, pois sofria muito bullying.”

“Decidi que queria ter o cabelo liso”, conta. “Passei anos mexendo no meu cabelo, passando alisamento de caixinha, que naquela época era o mais barato, trabalhava limpando a casa de alguns vizinhos e, com o dinheiro que eu pegava, comprava alisante”. Renata só parou de fazer alisamento quando seu cabelo começou a cair. Foi aí que ela iniciou a “transição capilar”, interrompendo o uso de produtos químicos para que seu cabelo voltasse a crescer em sua forma natural.

Renata Ramos após a transição capilar. (Arquivo Pessoal)

O preconceito interfere na autoaceitação da textura natural dos cabelos

Essa experiência reflete a de muitas pessoas em um país que ainda sofre muito com o racismo. O preconceito vigente cria cenários como os vividos por Renata, e leva a uma pressão estética que se desdobra em muitas outras formas de violência.

Diva Green, ativista capilar, explica as origens dessa opressão. “No Brasil, no sistema de colonização, uma das coisas que foi feita foi retirar a nossa estética e um dos principais pontos para isso foi o nosso cabelo”, aponta. Assim, a estética afro foi reprimida durante o período de escravização e, ao longo do tempo, ela continuou sendo marginalizada, apagada e desvalorizada.

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Transição capilar e big chop: termos que se tornaram comuns no mundo dos cabelos

Desde 2014, um movimento tomou força na internet e ajudou diversas pessoas a aceitarem os seus cabelos cacheados e crespos. Hoje, a “transição capilar” pode parecer um conceito comum, mas há 10 anos muitos não sabiam do que se tratava.

Uma pesquisa de 2017 feita por Érica Ferrari e Juliana Assis, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mostrou que o termo “transição capilar” teve um aumento de mais de 70%, entre 2014 e 2017. Muitas pessoas passaram a participar de comunidades na internet para compartilhar suas experiências, como o caso do grupo “Transição Capilar – Voltando ao Natural”, no Facebook.

Entre seus mais de 250 mil membros está Jessica Bispo Scuriza que, aos 30 anos, decidiu voltar a usar seu cabelo natural, alisado desde criança. “Depois de 22 anos de alisamento resolvi conhecer meu cabelo sem química”, relembra.

“Escolhi passar pela transição capilar em 2019, quando olhei no espelho e não me reconheci mais como a Jessica. Parecia que faltava alguma coisa em mim que não deixava eu ser eu mesma”, desabafa.

Após aguardar muitos meses pelo crescimento dos fios, Jessica se sentiu liberta ao realizar o “big chop”. O termo em inglês, que pode ser traduzido como “grande corte”, sinaliza o momento em que a pessoa corta o que sobrou do cabelo alisado, deixando apenas o cabelo natural que cresceu sem química.

“Mesmo ouvindo de algumas pessoas comentários ofensivos, isso não me afetava. Estava me sentindo o máximo, a mulher mais linda e segura do mundo. Hoje não me vejo sem o meu cabelo com a textura natural”, declara Jessica.

Jessica Bispo Scuriza com cabelos alisados. (Arquivo pessoal).

Jessica após a transição capilar. (Arquivo pessoal).

Os cabelos crespos e cacheados contam histórias

Diva Green, que trabalha com tranças e penteados em cabelos afros, explica a importância de se apropriar do seu corpo e cabelo para a afirmação da sua identidade. “O cabelo vem como esse marco identitário”, explica. “Gera um impacto muito grande, tanto socialmente quanto o individualmente”, reforça.

Segundo Diva, o uso do cabelo natural pode trazer uma declaração até mais forte do que uma roupa porque está em um ponto muito visível: nossa cabeça.

“Eu costumo dizer que os penteados contam histórias e eu vou contando uma história a cada atendimento, a cada movimentação”, comenta a profissional. Para ela, o uso do cabelo afro, natural ou com penteados, é uma forma de olhar para a ancestralidade das pessoas negras antes da escravatura.

Diva ainda defende que a consciência racial estética a partir do cabelo é um caminho que não tem volta. “A conscientização vai fazendo você entrar cada vez mais nesse percurso, que é cheio de conhecimento, saberes e tecnologia”, argumenta a profissional.

Foi dessa forma que ela se percebeu como um corpo político, e decidiu usar o seu físico – e cabelo – como ativismo. “O ativismo vem desse lugar de retomada de identidade e de pertencimento. Dessa forma, vamos adquirindo estratégias para poder combater as estruturas racistas”, finaliza.

Qual o papel da estética para a aceitação e a autoimagem?

A estética ocupa um lugar de destaque no imaginário das pessoas, por isso ela é tão importante quando se fala de autoimagem e aceitação. Pelo cabelo crespo ou cacheado remeter a uma estética marginalizada por séculos, usá-los naturalmente para algumas pessoas pode ter sido sinônimo de inadequação ou de algo feio. Entretanto, fazer esse movimento de retomada é uma forma desconstruir essas ideias e reconstruir essa autoestima.

Renata Ramos, cuja história contamos no começo do texto, conta como ficou sua relação consigo mesma após passar por esse processo.

“Vivia com meu cabelo sempre amarrado, depois que cortei me senti viva e livre para me amar e aceitar minhas raízes”, inicia. “Abraçar minhas raízes foi maravilhoso! Foi saber que não somos menos por ter o cabelo cacheado ou crespo e que a beleza está em nós e não naquilo que as pessoas supõe que seja belo”, reconhece.

Autoconhecimento e a busca por si mesma através dos cabelos

O ato de passar pela transição capilar foi uma busca pela própria identidade para Letícia Rodrigues, influencer digital de 34 anos. “É muito mais que o cabelo. É um processo de autoaceitação de se olhar no espelho e de gostar de como você realmente é. Isso é refletido na imagem, no externo, no cabelo. O cabelo é o resultado de uma cura interior”, ela conta.

O impacto na sua autoimagem foi tão grande que ela conta que nem se reconhece em fotos anteriores, quando estava alisada. Em 2023, ela teve a oportunidade de fazer a renovação de votos de seu casamento, e foi um momento ainda mais especial para Letícia porque, segundo ela, pôde vivê-lo “na versão original”, como cacheada. “Juntou o nosso sonho [recepção para convidados] com a transformação que o cabelo refletia na minha imagem”, conta.

Letícia Rodrigues em seu casamento em 2014. (Arquivo pessoal).

Leticia Rodrigues, após a transição capilar, em sua renovação de votos em 2023. (Arquivo pessoal).

Por que exemplos são tão importantes para a aceitação dos cabelos crespos e cacheados?

Dentro desse contexto, referências estéticas são fundamentais para alimentar o imaginário das pessoas. É aí que entra a questão da representatividade. Além disso, Diva Green destaca que ela é importante porque “faz com que a gente comece a alimentar também quem nós somos.”

O que não se pode esquecer é que a representatividade não é algo absoluto. Não se pode esperar que um grupo de pessoas compreenda toda uma comunidade. Dessa forma, o que acontece é que as referências e os exemplos de pessoas em posição de destaque ajudam a fortalecer a identidade de cada um, para que os indivíduos consigam se expressar.

Isso também reforça a importância da comunidade. “A gente é uma coisa individual, mas que a gente é UM movimento comunitário também”, explica Diva Green. “Eu sou eu. Eu sou uma coisa que é única, mas que não faz sentido sem a minha comunidade. É ela que me potencializa. É a comunidade que movimenta a representatividade, que movimenta a arte, que movimenta a política.”

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