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    Arte e cultura negra são ferramentas antirracistas de vanguarda
    (Foto: Getty Images)
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    Jann Souza é cantora, compositora e musicista da nova MPB. Nascida e criada em Salvador (BA), a arte, a cultura e a música negra estão presentes na sua vida desde que ela se entende por gente. Seu pai a incentivava a cantar em um karaokê todos os domingos, e sua casa sempre esteve repleta de sonoridade.

    “Lembro de chegar em casa da escola e ver meus pais ouvindo música, dos encontros da família com cada pessoa escolhendo sua canção predileta… E do karaokê, aquele momento em que eu me soltava e sentia conexão de estar envolvida com a música”, rememora a jovem.

    Mas a música, para Jann, superou as fronteiras da intimidade familiar e se tornou um espaço de encontro consigo mesma, uma forma de se entender e de se expressar para o mundo, também.

    “Ao longo dos anos, fui percebendo que cantar e compor eram maneiras de acessar partes de mim que, muitas vezes, nem eu entendia. A música me deu ferramentas para me identificar e reconhecer minha própria história, especialmente como uma mulher preta, lésbica e candomblecista. Ela me ajuda a encontrar respostas sobre minha ancestralidade e a minha espiritualidade. A música é minha forma de existir no mundo”, declara a artista.

    Cultura negra diversifica a noite paulistana

    Assim como a música, a dança e a livre expressão do corpo também são ferramentas essenciais para fortalecer a essência e a história da população negra no Brasil. Hever Alvz, artista independente e produtor de eventos e espaços culturais para pessoas negras em São Paulo (SP), enxerga que a música e a cultura artística em geral exercem uma influência política que não pode ser ignorada.

    O artista, que começou sua jornada aos 19 anos, relata que, no início de sua carreira, logo percebeu as dificuldades para a população negra ocupar espaços culturais.

    “Eu fui me vendo em ambientes completamente brancos, e não tinha esse debate sobre os espaços para a livre expressão de pessoas negras. Havia uma ausência de pessoas pretas, especialmente como artistas”, relata.

    Motivado a diversificar o perfil da noite paulistana, em 2017 Hever assumiu o papel de produtor e realizou sua primeira edição do Festival Afro Music, voltado para a música negra, cujo objetivo é promover artistas independentes.

    “Meu maior desejo é ver as pessoas pretas que vivem de arte e música serem validadas. A gente nasceu em um dos países mais pretos fora da África, e esse fato está intrinsecamente ligado ao DNA musical brasileiro”, aponta o artista.

    Mesmo com tentativas de marginalização, a arte negra resiste

    Jann Souza acredita que a música a coneta com sua ancestralidade e cultura. (Foto: arquivo pessoal)

    Para Hever, uma característica muito presente na população africana é a capacidade de transgredir. “Ainda que tentam silenciar ou diminuir nossa cultura, não vão conseguir, o racismo não tem essa força. Isso é muito curioso de se pensar, porque tentaram marginalizar a capoeira, e hoje ela é patrimônio cultural do Brasil. As pessoas não podiam andar com um pandeiro na mão antigamente que eram presas, e hoje em qualquer esquina do Brasil tem samba. Tentaram marginalizar o rap, e então nasceu o grupo Racionais”, exemplifica.

    A música e a cultura negra no Brasil são movimentos de vanguarda que conseguem ultrapassar as amarras do racismo. E assim, a arte negra rompe com um imaginário negativo dessas expressões culturais, abrindo espaço para que velhas estruturas sociais tornem-se uma rede mais equânime, diversa, livre e digna para todas as pessoas. Uma rede de consciência que, assim como todas as outras, sempre vai exigir manutenção.

    “A gente vive num sistema opressor, mas eu acho que a cultura, em especial a música e o cinema, têm um lugar muito especial no imaginário coletivo. As pessoas passam a se comportar a partir da música e isso é muito forte, tem muita potência”, explica Hever, que também é produtor da Afrojam, projeto musical que celebra o trabalho de artistas pretos independentes.

    Literatura negra traz novas perspectivas com esperança

    Para Wilson Jr, a literatura pode ser uma ferramenta de luta antirracista (Foto: arquivo pessoal)

    Wilson Júnior é escritor e professor de escrita literária. Na Bienal do Livro de 2024, lançou seu livro Trama ancestral, uma ficção histórica inspirada em mitologias afro-brasileiras, que se passa na época da colonização do Brasil.

    Para o autor, a literatura consegue abrir uma porta para alcançar o imaginário e a empatia das pessoas, de uma forma que nem todas as outras expressões artísticas conseguem.

    “A ficção tem o poder de fazer as pessoas conhecerem as histórias. Por mais que o meu livro tenha um fundo fantástico, ele tem muita pesquisa histórica, tem esse retrato do passado”, explica Wilson.

    E essa ludicidade que a ficção traz permite que os leitores vivenciem histórias que, por mais que não façam parte de suas realidades, podem gerar empatia e identificação.

    “Nós somos seres empáticos, mas a nossa empatia é um pouquinho complexa, porque fica muito restrita àquilo que a gente vê e conhece. Então quando você lê uma história que tem uma personagem e que ela vivencia certa coisa, de alguma forma você experimenta essa vivência com ela. Você sente um pouco daquilo, por mais que não seja a sua realidade. Por um instante, você se coloca no lugar do outro”.

    Na ficção histórica, é possível dar um final feliz aos personagens, por mais que na vida real o desfecho seja bem diferente. “A realidade das pessoas pretas já é trágica. Então, a ficção, para além desse contato com a questão racial e com o tema do racismo, pode trazer esperança”, diz.

    A cultura negra resgata a memória e a ancestralidade

    A expressão corporal da cantora Jann Souza (Foto: Universo Afromusic/Ádima Macena)O mais recente lançamento de Jann foi a canção ALFAZEMA. A letra surgiu de uma conversa íntima da cantora com si mesma e com a sua espiritualidade, e faz um pedido de proteção e leveza.

    Para a cantora, a música tem um papel de preservar as histórias, os ritmos e as tradições da rica e diversa cultura negra, carregando a essência da ancestralidade. “A música na cultura negra resgata e celebra nossas raízes, servindo como um espaço de afirmação e pertencimento”, pontua.

    Além disso, a cantora enxerga que a arte “é uma ferramenta poderosa no movimento antirracista, pois sensibiliza, denuncia e abre diálogos”. Sendo assim, ao dar visibilidade às vivências negras e as suas lutas, a música e a arte transformam-se em ferramentas de conscientização, alcançando e inspirando diferentes setores da sociedade.

    Independente da linguagem – seja ela música, pintura, literatura ou outra expressão artística, a cultura negra permeia por todos os cantos do Brasil, e segue resistindo através de artistas como Jann Souza, Hever Alvz e Wilson Júnior.

    Artistas que seguem os caminhos da pensadora feminista Lélia Gonzales, que fazia arte com as palavras e cunhou a expressão “ladino-amefricano”, para se referir à cultura negra na América Latina.

    Baseada na psicanálise freudo-lacaniana, Lélia propôs uma descolonização epistemológica com seu conceito de “pretuguês”. A intenção era expor o fato de que as sociedades racistas minimizam a contribuição cultural das pessoas negras. E, assim, o seu legado resiste.

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    Sobre a série Por uma Vida Antirracista

    Em 2024, pela primeira vez na história, o feriado de 20 de novembro – Dia da Consciência Negra – acontece em todo o Brasil. Para celebrar a nacionalização da data, a Vida Simples apresenta em seu portal a série Por uma Vida Antirracista. São seis matérias — e uma publicação bônus — abertas ao público com reflexões sobre racismo, depoimentos e dicas para ter atitudes antirracistas. Entendendo o papel do jornalismo na promoção de uma sociedade mais informada e consciente, a Vida Simples usa sua plataforma para trazer à tona a luta de pessoas que, por muitas vezes, não têm suas vozes ouvidas. A próxima e última matéria da série vai falar sobre xenofobia.

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