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Olhar para o mundo
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A busca por nossa essência, propósito e auto-aperfeiçoamento é um trabalho contínuo e multifacetado. Autoconhecer-se é libertador mas, por outro lado, pode ser bastante desafiador, porque na maioria das vezes propõe algum tipo de mudança em nossas vidas. E mudanças realmente demandam esforço, foco e persistência. Mudar condicionamentos é uma tarefa que exige disciplina. Precisamos de sinceridade nessa busca, ou corremos o risco de nos enganar e não sair do lugar.

Dá trabalho descobrir algo mais profundo sobre nós mesmos, porque isso também implica ver as coisas como elas realmente são, tirar os “véus”, transformar-se, talvez ressignificar o que vivemos, o que não foi bom, ou o que ainda não está tão legal na nossa vida. Pode doer. E além disso, vamos precisar assumir nossa essência, assumir algo bonito que existe em nós. Isso é tão caro e precioso, porque realmente existe esse algo a mais que vamos encontrando, não de um dia para o outro, mas através da realização de um trabalho constante. É um processo, encontrar soluções para nossos problemas, nossas qualidades, talentos e real ocupação no mundo.

E olhar para as nossas qualidades e talentos pode ser, para muitos de nós, ainda mais desafiador do que achar as falhas. Mas isso se dá porque há uma distorção na ideia de autoconhecimento, entendido como algo excessivamente voltado ao indivíduo.

O fato é que precisamos ir ao encontro de nós mesmos e isso só poderá se realizar no encontro com o outro. Cultivar o autoconhecimento é dar espaço a um lugar dentro de nós no qual não cabe mais olhar somente para si e sim olhar para o mundo. Esse é um ponto essencial que em algum momento da nossa trajetória terá que acontecer, isso se realmente formos sinceros na busca por um mundo melhor. Chegar nesse ponto vai depender muito da dedicação, vontade, e paciência que teremos.

Dar atenção a essa nova forma de viver, focada no todo, exigirá treinamento da nossa parte, porque somos condicionados a pensar na vida focados na nossa própria narrativa como se estivéssemos separados do resto todo.  Esse olhar para o outro, é libertador, pelo próprio movimento, pelo deslocar-se, na tentativa de sair do condicionamento que gera egoísmo, para algo mais perto da verdade que é o não egoísmo. Então passamos a escolher o que é saudável, o compartilhar a vida com o outro, seja lá quem seja esse outro.

Às vezes vamos cruzar com pessoas que nunca mais veremos, mas cujo encontro deixou alguma marca. Eu me lembro de uma passagem da minha vida, eu estava morando no Rio de Janeiro, trabalhando como atriz, escritora  e produtora, na época estava trabalhando em um curta-metragem em que o querido e saudoso ator e diretor Sérgio Britto atuou. Tudo estava indo bem, quando de repente e de um dia para o outro eu tive que mudar tudo na minha vida. Precisei mudar de cidade e o filme foi interrompido, o que foi muito doloroso.

Lá fui eu para onde a vida me encaminhou. Recomeçar. E foi em um ponto de ônibus, em 15 minutos de conversa com uma senhora desconhecida, que eu nunca mais vi, me deu algumas saídas com suas sábias palavras. Todos temos muitas passagens assim na vida, alguém que nos ajuda de repente. Podemos fazer muito pelos outros, através do afeto, do amor. podemos pensar em estratégias para doar alimentos medicamentos, atendimentos de saúde,  moradia, ajudar alguém pagando os estudos dessa pessoa, dando uma casa para alguém (a propósito, existem tantas casas fechadas nesse Brasil e tanta gente na rua).  Existem muitas coisas a serem feitas para ajudar. Sabemos que os problemas do mundo são muito sérios e difíceis de resolver, mas com certeza se mudarmos nossos condicionamentos e deixarmos o egoísmo de lado, podemos evitar muito sofrimento. Que possamos nos tornar mais conscientes sobre isso.

Nos questionar sobre o autoconhecimento que olha pra dentro e esquece o que está fora é imprescindível. Essa busca é inerente à vida. É urgente resolver a desunião, a ganância, sanar as dores da fome, da violência, da solidão, do abandono, tornar a educação e a arte mais acessíveis, criar oportunidade para os talentos se desenvolverem  etc. Como poderíamos, de forma incondicional, agir nessa direção? O que nos impede de  amar? O autoconhecimento só é importante se essas correções e mudanças estiverem na conta.

Algumas pessoas podem entender o autoconhecimento como algo que proporciona alguns momentos de paz, harmonia, equilíbrio para se tornarem mais autocontroladas,   porque partem do princípio de que, se nos autoconhecermos e aprendermos a curar nossos maus hábitos de comportamento, muitas coisas que nos tiram a paz irão embora. Certamente a vida melhora, pois ensina a lidar com as demandas da vida, desenvolver  convívio com pessoas da família, amigos, colegas do trabalho etc.

Nos superamos, saímos de condicionamentos negativos, que já não cabem mais e prejudicam a todos. Existem realmente inúmeros motivos que nos levam a praticar o autoconhecimento. Cada um de nós terá as suas razões. Mas isso não é tudo. Aprender a se comportar não é o foco. O foco  do autoconhecimento é e a gente olhar para o mundo, não só para si.

Não se trata de esquecer do mundo lá fora. Nunca foi sobre isso. Não existimos sozinhos, isolados. E agora com a pandemia ficou ainda mais claro como somos importantes uns para os outros, de fato. Mesmo que a gente nem se conheça. Imagine-se em uma praia, que é um lugar de todos. Ver as pessoas ali é muito prazeroso, não é? Estar com gente, abraçar gente, cuidar de gente, amar gente. É o que dá sentido à vida. Tudo o que realizamos é para os outros, então por que precisamos ficar viciados em olhar para dentro? Autoconhecimento é como respirar, é para dentro, mas também é para fora. Tudo que a gente consegue nutrir de sabedoria e amor por dentro é para colocar para fora.

Nós somos totalmente dependentes da natureza e uns dos outros. Pense em uma fruta que você ache saborosa, que você ama. Pensou? Desejar comprar essa fruta não será o suficiente, teremos que contar com a bondade da terra, das chuvas do sol, para ela vingar. E ainda mais, vamos precisar contar com a bondade de alguém que a plantou, outro alguém que colheu, outro alguém que entregou e finalmente alguém que vendeu. Isso é a vida, uns dependendo totalmente dos outros. Nós não estamos separados. Essa é a real beleza, talvez encoberta por ingenuidade, desprezo ou distração nossa. Então tudo o que fazemos e o que somos é sobre todos.

Zygmunt Bauman, no livro “A ética é possível num mundo de consumidores?”, escreve sobre uma pesquisa da Sociedade Zoológica de Londres que foi para o Panamá estudar a vida social das vespas. Acreditava-se até então que a “sociabilidade” desses insetos era restrita ao ninho a que pertenciam, mas o que descobriram foi que a maioria das vespas trabalhadoras se desloca para outras colônias ao longo da vida e trabalhavam por essa nova sociedade. “Vespas nativas e imigrantes viviam e trabalhavam lado a lado, ombro a ombro ― tornando-se indistinguíveis umas das outras”, ou seja, que a noção de que os insetos viviam em comunidades fechadas era apenas uma projeção humana sobre os animais.

Bauman mostra que os pesquisadores se recusaram a aceitar as evidências de sociabilidade das vespas, supondo que elas deviam se sentir à vontade trabalhando em outros ninhos que não os delas porque poderiam ser “primas” umas das outras. Reforçaram, assim, suas projeções anteriores através de hipóteses bastante anticientíficas para o comportamento naturalmente solidário e integrativo das vespas. Com isso, podemos nos questionar: por que acreditamos com tanta força nessa forma de viver, em que nossas atenções e zelo são direcionados apenas ao nosso “ninho”, nossos círculos restritos?

As nossas ações impactam o todo, então, que a gente se autoconheça, se aperfeiçoe, se corrija, evolua, se transforme para melhor e que isso seja também para transbordar amor no mundo. Mesmo que seja em pequenas ações. Esse é um dos  efeitos reais do autoconhecimento. Autoconhecer-se permite que possamos dar algo bom, belo e verdadeiro, mesmo que não seja perfeito. É um ponto de partida, tirar os olhos de nós mesmos e, com autorresponsabilidade, ir nos soltando da distração com o nosso próprio umbigo e nos colocar à disposição para olhar para o todo. Abertos a trocas gentis. Escolhemos nos responsabilizar sobre o que somos.

Tentar dar algo verdadeiro e bom uns para os outros através das nossas ações, pensamentos e sentimentos é vital. Nós vamos falhar muitas vezes, sim, a vida é um processo, as coisas não são lineares, mas tudo o que nós conseguirmos fazer pelo todo trará algumas saídas para o sofrimento que todos nós vivemos. Não precisamos ser pessoas gigantes, só precisamos ser gente, desenvolver mais amor em nós. Precisamos agir aos poucos com o que der, com o que tivermos, mas agir pelo todo. Isso não faz de nós especiais, faz de nós humanos, isso deveria ser o normal, o lugar comum, acessível, corriqueiro. E será.

Abraço.


Desejo uma vida com inteireza, proveitosa com afeto, mesmo estando tão de coração partido com essa pandemia, vamos ser inteiros com os nossos valores. Dando um passo de cada vez.

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