Carta aos meus filhos
Não tenham pressa de ver as coisas prontas. Tenham sede de ver as coisas acontecendo e transformando-se. A alegria mais presente estará no caminho e não no resultado
Alimentem-se de sonhos. Não precisam ser todos extraordinários, porque podem parecer muito distantes de vocês. Acreditem, muitas vezes a felicidade estará na realização dos sonhos mais simples e, que caibam mais pessoas além de vocês mesmos. É bem difícil ser feliz sozinho.
Sempre tenham a intenção de serem justos e compassivos, mas lembrem-se que as vezes a intenção somente não basta se não houver uma ação. Por inúmeros momentos, me tornei omissa a situações de opressão, mas percebi que desperdicei momentos importantes de ajudar a quem precisava ou apenas exercer a minha humanidade. Procurem olhar ao redor de si mesmos e se engajem em lutas que valem a pena por um mundo mais justo.
Olhem as pessoas em seus olhos, respeitando suas histórias. Jamais façam distinções entre raça, religião ou escolhas que estas pessoas tenham. Diariamente elas buscam o mesmo que vocês: aliviar o sofrimento e sentir felicidade. Algumas terão trajetórias difíceis e ao reconhecer seus sofrimentos, acolham. Lembrem-se: a maior demonstração de amor ou respeito por alguém, sempre será o seu tempo dedicado.
Talvez eu os incentive demais para buscarem soluções, mas as vezes a solução será o próprio tempo resolver por si só, sem esforço, sem intervenção, somente cultivando a paciência. Em outros, pode ser que percebam que a vida não se resolve. E não tenham vergonha de pedir ajuda. Se alguém disser que é sinal de fraqueza, desconfiem! Recentemente eu li algo que me chamou a atenção: pedir ajuda é um ato de humildade e uma oportunidade de dar ao próximo a chance de ser generoso.
Aceitem
Cada vez mais tenho me convencido de que a felicidade está contida na compaixão. Quando incluímos o outro em nossos sonhos, quando vamos nos desvencilhando do autocentramento e quando reconhecemos a dor do outro. E ao reconhecer esta dor, procurem não entrar no lugar de dar solução, porque provavelmente a sua solução será simples demais para questões que exigem mais atenção e são mais complexas. Ajudem partindo de um lugar dentro de vocês que visa escutar, acolher, não julgar e sim auxiliar a identificar possibilidades que minimizem o sofrimento.
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Vão dizer: “vocês precisam ser fortes”, “nunca tenham medo” e talvez em algum momento invalidem o que vocês estão sentindo. Se eu, por acaso, não estiver por perto, relembrem que nós só temos escolhas quando reconhecemos nosso próprio sofrimento. Nem sempre vamos nos sentir fortes e plenos, e está tudo bem. Em muitos momentos ao longo da nossa trajetória teremos medos. Aceitem-os. Não tem como levar uma vida sem medo. Querer eliminá-los é desumanizar-se e não dar a oportunidade a si mesmo de sentir coragem.
As mídias em geral são importantes, pois nos conectam com o mundo, com o novo, com o real, mas também com as narrativas que são criadas para interesses comerciais ou poder de pessoas ou grupos específicos. Por isso, conectem com pessoas que façam vocês refletirem de forma individual e coletiva. Que façam sair do egoísmo, do lugar de imediatismo e lhes instiguem a construir reflexões mais sustentáveis e compassivas.
Tenham presença
Sejam presença. Eu sei que será difícil em vários momentos, porque a nossa mente tem costume de se distrair. Tenho aprendido que quando trabalhamos a nossa atenção, temos mais condições de observar ao nosso redor, criar conexões mais profundas e nos possibilita reconhecer o que há de bom em nós também. Nos dias de hoje será bem desafiador viver distraído em um mundo que necessita de mais atenção.
Quando sentirem-se perdidos, voltem-se à natureza. Tirem os sapatos, coloquem os pés na grama, observem as flores, os pássaros, o sol, a lua, a chuva. Nada é tão perfeito quanto a natureza que se transforma a cada estação, se regenera, enfrenta momentos de solidão e que alegra não só a si mesma, como também a todos aqueles que a buscam. Que a natureza seja a inspiração para seguirmos na simplicidade de ser.
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Nada fala mais sobre vida do que a morte. Sei que é um tabu, mas talvez seja este tema que nos faz perceber a nossa finitude e o quanto temos que nos voltar para o hoje – e não somente esperar o tal “depois”. A morte nos faz pensar sobre o perdão, sobre o que de fato vale a pena investir tempo e energia, nos faz lapidar nosso olhar para a realização dos sonhos… E mesmo vivendo, vocês vão morrer muitas vezes, simplesmente porque a vida é uma constante impermanência e para renascer é necessário morrer algo em nós.
Sejam vocês mesmos
As crises vão surgir e vão doer. Neste momento, busquem alimentar-se de autobondade, cuidado e deem todo o carinho que necessitarem. Se não se acharem capazes de se acolherem em algum momento, peçam colo. Sempre haverá alguém que lhes abracarão com a alma e através da empatia, escolhas surgirão em suas jornadas. Somente indo ao encontro do desagradável é que conseguimos ver alternativas para lidar com ele. Já fugi muito do desagradável, e ele sempre foi atrás de mim. Quando corri ao encontro, ele parou pois ficou assustado com a minha reação.
Se puderem, não percam a curiosidade genuína pelos por quês da vida. Interessem-se por histórias, ouçam atentamente. Os meus aprendizados mais significativos adquiri-os através das histórias de vida que me confiaram. Seus avós possuem muitas histórias e mais do que isso, muito amor e paciência para contá-las.
Não tenham pressa de ver as coisas prontas. Tenham sede de ver as coisas acontecendo e transformando-se. A alegria mais presente estará no caminho e não no resultado.
Procurem não desejar ser ninguém além de vocês mesmos. Em algum momento vamos querer ser o outro, quando não acharmos que somos merecedores do que somos e temos. E quando isso acontecer, voltem para suas casas e acomodem-se dentro do espaço do corpo de vocês, observem suas próprias sensações, sintam-se e contemplem o ar que entra e sai. Pode parecer bobo, mas quanto mais contemplarmos coisas simples em nós mesmos, mais familiarizados estaremos com as situações mais desafiadoras.
Busquem a minha escrita
Sei que já falei demais, mas, por fim, saibam que eu amo vocês imensamente. E em qualquer lugar que eu esteja, procurarei ser colo e atenção, para então continuarem trilhando o caminho de vocês. E se um dia eu não estiver fisicamente aqui, busquem a mim no que há de mais verdadeiro em minha alma: minha escrita.
Com afeto, carinho e muito amor,
Mamãe