“O luto é o preço que se paga pelo amor”, declarou a (hoje falecida) rainha Elizabeth II, da Inglaterra, em uma carta sobre os atentatos de 11 de setembro de 2001, ocorridos nos Estados Unidos.
Amplamente reproduzida, a frase expressa, com fidelidade à cultura ocidental, esse sentimento difícil da saudade e do luto, que nasce quando perdemos alguém que amamos.
Em um planeta repleto de prazeres diversos, aceitar a possibilidade da morte é um processo complicado e altamente desafiador. Após viver na companhia de alguém que morreu recentemente, nosso cérebro pode ter dificuldades em aprender a conviver com a sua falta.
Apesar de muito se falar sobre as fases do luto, especialistas apontam que não existe fórmula para a superação dele, e nem um caminho único para a aceitação.
O luto é um sentimento que tem seus altos e baixos, e pode transitar durante o resto de nossas vidas, carregando memórias e, muitas vezes, nos levando a concluir sobre a falta que aquele amor e aquela pessoa nos faz.
O que acontece na nossa psique
Diversos processos acontecem no nosso psicológico quando perdemos o contato rotineiro com uma pessoa querida. Rafaela Jóia, psicóloga do Centro Médico Pastore (RJ), diz que nossa psique é profundamente impactada no luto. Isso porque somos naturalmente apegados às relações e às rotinas que construímos com as pessoas.
“A ausência de alguém desencadeia uma série de sentimentos difíceis de processar, porque nosso cérebro precisa se reajustar a uma nova realidade sem aquela pessoa. Além disso, a perda mexe com nossa percepção de segurança e estabilidade, o que torna o processo de aceitação um desafio emocional e cognitivo”, explica a psicóloga.
Dessa forma, quando perdemos alguém, nosso cérebro precisa passar por um processo de reorganização que pode ser muito desafiador.
“A falta de alguém com quem convivemos pode criar um vazio emocional difícil de suportar. E frequentemente tentamos negar ou preencher essa ausência, num esforço de adaptação e proteção psíquica”, diz Danilo Suassuna, psicólogo e diretor do Instituto Suassuna.
Para o especialista, a dificuldade de aceitar essa falta está relacionada ao modo como as memórias e os sentimentos, outrora vinculados a uma presença constante, se transformam em uma ausência física e emocional profunda.
Perder alguém também significa perder a si
Outro aspecto difícil do luto é que quando perdemos uma pessoa, acabamos perdendo também uma parte de nós mesmos.
“A perda de alguém significativo provoca uma ruptura na nossa vivência relacional. É o que Merleau-Ponty descreve como uma modificação na intersubjetividade — a percepção de nós mesmos em relação ao outro”, explica Danilo.
Ou seja, é através do outro que nos percebemos, e quando essa presença desaparece, enfrentamos uma mudança abrupta na relação ‘eu-tu’.
Essa ruptura intensifica a sensação de perda e nos desafia a encontrar novas maneiras de nos adaptar emocionalmente, reorganizando aos poucos a nossa autonomia, dessa vez sem a presença da pessoa que se foi.
Assim, o luto pode ser visto não apenas como uma resposta à perda, mas como um convite à transformação e à renovação do “eu” na ausência daquela pessoa.
“Não se trata de esquecer ou de superar, mas de transformar o que foi aquela presença significava, adaptando-se a uma nova forma de relação com as lembranças e o valor da pessoa que não está mais presente”, completa Danilo.
Fases do luto não são lineares
Por conta de todas as complexidades, podemos dizer que o processo de luto não é linear, e nem segue regras pré-definidas. As fases do luto, que conhecemos como negação, raiva, barganha, depressão e aceitação, foram pensadas pela psiquiatra Elisabeth Kübler-Ross, em seu livro Sobre a morte e o morrer. Apesar de ajudar a entender algumas vivências que os enlutados atravessam, cada pessoa experimenta o luto de forma única.
“As fases podem não ocorrer na mesma ordem ou intensidade, e é comum que uma pessoa retorne a uma vivência de negação ou tristeza em momentos específicos”, explica Ticiana Paiva, psicóloga de luto e head de saúde mental da Starbem.
A profissional complementa que “hoje, os pesquisadores compreendem o processo do luto como uma oscilação entre a dor, a perda, a saudade, de um lado, e a reconstrução e reorganização, do outro”.
É o chamado Processo Dual do Luto, descrito no final da década de 1990 pelos psicólogos Margaret Stroebe e Henk Schut. “A experiência do luto é influenciada por vários fatores, como a natureza da relação com a pessoa, o momento de vida, as crenças pessoais e o suporte disponível. Assim, o luto é um caminho singular e complexo que pode ter altos e baixos, sem uma sequência fixa”, complementa a especialista.
Quando a saudade bate, o luto se transforma
Mesmo após aceitar a perda, é comum que a saudade volte a bater em momentos especiais, como datas comemorativas, aniversários ou eventos que gostaríamos de compartilhar com quem se foi.
Podem se passar meses, anos, e um dia nos pegamos lembrando, com tanta saudade, que relembramos no corpo a sensação de receber a notícia da perda.
“Esses momentos evocam memórias e emoções porque a conexão que tínhamos com a pessoa querida desejava uma continuidade — queríamos que a presença do outro fosse algo permanente em nossas vidas”, explica Danilo.
Esse fenômeno é natural, aponta o psicólogo, pois nossas conexões emocionais formam memórias que revivem a saudade em momentos significativos.
“Do ponto de vista psicológico, o luto é compreendido como um processo dinâmico, que não desaparece, mas se transforma ao longo do tempo. A intensidade da dor pode diminuir, mas a lembrança e o significado permanecem”, pontua.
Assim, o luto não é algo que “acaba”; ele se manifesta de forma transitória, mudando conforme os eventos e as novas situações da vida, mas sempre presente em algum nível.
O luto, então, não tem um fim, mas passa por constantes transformações. No início, ele pode ser uma dor constante e intensa. Com o tempo, a intensidade diminui – e as sensações no corpo também vão se transformando.
“Como todo sentimento, o luto pode se fortalecer ou se atenuar, dependendo das novas experiências e do contexto emocional em que a pessoa se encontra.
Ao invés de buscar um “fim” para o luto, o processo saudável envolve aprender a conviver com ele e permitir que a dor se acomode dentro da nossa trajetória de vida, sem nos impedir de avançar”, completa o profissional.
Quando é preciso procurar ajuda
Podemos tentar fugir de sofrer o luto, por ele ser um processo complicado. Fugimos através da negação ou afastando os sentimentos negativos, tentando ser feliz em uma sociedade que nos cobra isso a todo instante.
“O ritmo de vida está tão acelerado, a gente se cobra tanto de ser produtivo e de estar sempre bem, que precisamos lembrar que temos sensações e percepções altamente humanas. Elas são naturais e muito saudáveis.” Assim explica Marilia Zendron, psicóloga especializada em teoria e práticas do luto.
“Então, após a perda recente de alguém próximo, é natural você sentir falta, ter saudade e chorar por lembrar de alguma situação que você viveu”, ressalta a especialista.
Portanto, é preciso saber se escutar. E quando pessoas próximas te alertarem com preocupação sobre o seu comportamento, aceite ajuda.
“Não conseguimos lidar com muitas questões sozinhos e pode ser bom também compartilhar algumas histórias boas que você viveu com esta pessoa, que foi tão especial e importante em sua vida”, complementa Marilia.
Além disso, apesar do luto ser um processo natural e constante, ele não precisa nos paralisar de continuar vivendo neste planeta. Que, afinal, é também repleto de prazeres diversos.
Comportamentos frequentes de isolamento, irritação, dificuldade para dormir e choro são sinais de que o luto pode estar afetando o dia a dia. E talvez seja a hora de buscar auxílio profissional para enfrentar este momento.
Nem sempre a família ou pessoas próximas dão conta, pois não possuem o conhecimento adequado para lidar com o luto e podem, até mesmo, estar passando por ele também.
Pedir ajuda é uma forma de administrar esse amor que continuamos sentindo por aquele que se foi. Pois esse amor, mesmo após a morte, continua para sempre vivo.
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