O que aprendi no meu sabático
O jornalista que parou por alguns meses, por opção própria. A ideia nunca foi fazer algo extraordinário, mas redescobrir o prazer e a beleza do cotidiano
O jornalista que parou por alguns meses, por opção própria. A ideia nunca foi fazer algo extraordinário, mas redescobrir o prazer e a beleza do cotidiano
Sempre gostei de futebol. De jogar e de assistir. O juiz apita o início da partida e o tempo começa a correr numa batalha de 90 minutos. Os jogadores suam a camisa, driblam os adversários, dão e tomam caneladas até conseguir colocar a bola entre as traves e correr para o abraço. Gol! Quem gosta de futebol sabe, porém, que nem sempre o placar se define no primeiro tempo. Muitas vezes o time começa jogando mal, não consegue criar nem finalizar as jogadas, toma gol. Mas aí tem algo que pode mudar o rumo da partida: o intervalo.
Ao final dos 45 minutos iniciais, é hora de ir para o vestiário, conversar sobre os lances, ouvir o treinador e voltar ao gramado com ânimo renovado. Também na vida, muitas vezes pensamos que estamos dando o nosso melhor, suamos a camisa, disputamos cada bola no limite de nossas forças, apanhamos de adversários que nem sempre jogam limpo, e o resultado não vem. O gol não acontece.
É hora de parar e refletir sobre o sentido do que estamos fazendo. Um intervalo pode abrir espaço para o novo, pode fazer com que vejamos as coisas sob outra perspectiva e, principalmente, mergulhemos profundamente em nós mesmos para saber quais as nossas reais necessidades e o que queremos da nossa vida. Foi isso que eu fiz no dia 17 de agosto de 2018, quando dei meu último boa-noite aos ouvintes do 3 em 1, programa político que ancorava diariamente na rádio Jovem Pan. Deixei também a gerência de jornalismo, cargo executivo que havia cinco anos me impunha uma rotina extenuante e já sem significado.
Tempo para mudar
Eu acabara de completar 45 anos. Havia chegado a minha hora de descer ao vestiário. Eu me sentia doente, embora os diagnósticos médicos atestassem que eu estivesse saudável. Na verdade, eu estava diante de um diagnóstico que considero tão letal quanto uma grave enfermidade: o de que a vida estava passando e eu, morrendo aos poucos. Meu semblante não escondia a carga de estresse que meu corpo carregava, meu estômago não estava dando conta de digerir o meu momento.
Lembro-me de cada segundo daquela sexta-feira, em meados de agosto, quando me despedi. No estúdio, os ponteiros do relógio giravam à velocidade da luz. Dentro de mim, uma mistura de sentimentos antagônicos, felicidade e tristeza, coragem e medo, alívio e exaustão. A decisão de parar nunca é fácil, ainda mais em uma sociedade que considera vitoriosos apenas aqueles que acumulam diplomas ou que tomam decisões num zás-trás, no ato imediato da vontade, como se fosse possível resolver nossos impasses num estalar de dedos. A vida é muito mais complexa do que imaginamos ou gostaríamos.
Depois de fazer um planejamento financeiro, decidi tirar um período sabático para olhar para mim, reorganizar minha vida e dar um mergulho no autoconhecimento. Comecei tentando desmistificar o clichê de que em um sabático é preciso fazer algo incrível, extraordinário, como atravessar o oceano num veleiro, dar volta ao mundo, aventurar-se por lugares escondidos e inacessíveis ou subir a Cordilheira do Himalaia. Optei por algo mais simples e bem mais em conta: perder-me pelas ruas do meu bairro, descobrindo lugares incríveis e pessoas que eram, até então, invisíveis aos meus olhos. Vivemos tão enfurnados em nossos casulos, condicionados a ir do trabalho para casa, de casa para o trabalho sem desvios e paradas, que mal conhecemos quem mora ao lado.
A vida é muito mais que um cargo
Troquei meu carro pelos calçados. Gastei muita sola de sapato para entender que a vida é mais que um cargo numa grande empresa. Em minhas andanças, passei a valorizar os detalhes, conheci gente, como o Seu Domingos, dono de uma assistência técnica em Perdizes, bairro paulista. Em tempos de lançamentos em penca de eletrônicos, ele ganha seu sustento consertando coisas velhas. Seu Domingos não tem pressa. Na minúscula loja, esconde-se atrás de uma montanha de copos de liquidificadores e aspiradores de pó, garantindo que “tudo tem conserto”. O velho de cabelos brancos e costas curvadas não entende o porquê de tanto descarte. Para ele, os aparelhos antigos são melhores que os novos. Preocupados com o lixo acumulado, ele e eu nos perguntamos: onde vai parar essa tralha toda?
E o pior é que não são só os aparelhos eletrônicos que estamos descartando sem critério. Os relacionamentos, amigos, a família, o carro, vai tudo para o mesmo saco. A oferta de novos produtos é tão grande que o novo só dura até o dia seguinte. Talvez por isso não fiquei surpreso ao saber que os tapumes ao lado da padaria onde tomo café escondem a terceira farmácia no mesmo quarteirão. As drogarias estão se multiplicando pelo bairro. Haja remédio para tanta doença ou para tanta gente doente.
Superação do medo
Passados nove meses dessa minha pausa, muita coisa mudou. Consegui gestar o livro 45 do Primeiro Tempo, no qual conto toda essa minha experiência, meu reencontro comigo mesmo, meus encontros com o desconhecido, com as pessoas, com uma vida cotidiana e pulsante. Alguns Patricks ficaram pelo caminho, outros nasceram para a etapa complementar que está começando agora. O certo é que, com o tempo, consegui superar o medo que me impedia de olhar a vida por outra perspectiva. O medo me assombrava. Encará-lo de frente, depois de muitos recuos, foi a maior vitória desse intervalo do jogo. Pude, então, reencontrar minha história, mergulhar nos meus sentimentos e compreender que, como bem diz minha avó, “problemas todo mundo tem”. As dificuldades fazem parte. Carregamos dentro de nós um baú de sentimentos conflituosos que muitas vezes nos impedem de avançar por campos menos esburacados.
Antes de começar meu sabático, muita gente me perguntava se eu não temia que esse período fora do mercado de trabalho atrapalhasse minha carreira. Eu não fazia ideia da resposta, mas tinha certeza que a experiência seria transformadora. Hoje posso dizer que estou voltando a campo mais revigorado que nunca, com novos planos, sabendo que ainda tem muito tempo no jogo e muita bola para rolar. O período sabático abriu espaço para que pudesse vislumbrar novos projetos; ver que é possível buscar outras formas de atuar profissionalmente. E, principalmente, caminhar pela vida sem tanto medo. O segundo tempo vai começar.
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