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O que aprendi ao ser diagnosticada com Transtorno Afetivo Bipolar (TAB)
Marcos Paulo Prado
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Sou escritora, dramaturga e poeta e tenho formação em psicologia. Tenho um histórico familiar intenso de transtornos mentais e eu não percebi que também sofria de um. Sempre tive medo de ser diagnosticada com o Transtorno Afetivo Bipolar (TAB).

Um dos motivos de eu ter procurado análise é que eu não queria enlouquecer. Por muitos anos tratei isso como garantia.

Os sinais antes do diagnóstico de Transtorno Afetivo Bipolar (TAB)

Também tinha preconceito com psiquiatras e remédios, achava que era algo que afetaria minha escrita (e afeta), mas negligenciei muitos sinais, situações e sintomas: fases de depressão extrema seguidas de fases maníacas. A análise me ajudava muito, mas eu já precisava de medicação há muito tempo.

É recente o meu diagnóstico, foi feito há um ano e meio. Pensar em como isso afeta meu processo de escrita é novo também. São sentimentos, sensações e sensibilidades que sofro desde muito nova. Tudo isso vinha com muita culpa.

O que antes eu pensava que era preguiça, falta de disciplina ou achava que eram movimentos da minha personalidade, hoje vejo como adoecimento.

Fico produtiva em momentos de empuxos da vida. Percebo que fico mais maníaca e tudo é lindo demais — sinto tudo muito profundamente, minha hipersensibilidade fica muito aflorada e é tanta coisa acontecendo em mim que preciso escrever. Agora tudo muda quando a fase é depressiva e melancólica, fica muito difícil escrever. Também fico com hipersensibilidade, mas não me emociono poeticamente. Não consigo nem ouvir música, ler ou conversar, parece que só o que me leva à morte é possível. O corpo pesa demais, parece um imenso navio naufragando.

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O que a escrita artística significa para mim

Quando comecei a fazer análise em 2012, eu tinha muito medo de falar da minha escrita e ela desaparecer (todo artista lida com isso de alguma forma, eu acho). Aconteceu o oposto: só fez crescer a escrita em mim e eu nela. Em alguns momentos levo fragmentos de escrita como levo sonhos, porque são enigmáticos e caminhar por eles acompanhada produz muitas coisas.

Penso que qualquer fazer artístico pode salvar vidas, tanto para quem produz quanto para quem consome. A escrita tem sido a minha maneira de atravessar a vida, antes do diagnóstico e depois. Qualquer fazer artístico é a construção de lugares possíveis no mundo. É lidar materialmente com a invenção de algo que irá circular e movimentar outras pessoas também. É coletivo, ancestral. Também nos projeta para um futuro. É catártico. Cada artista se relaciona de uma forma com esse fazer. Para mim, é poder dar outra chance para a vida, de novo e de novo.

Só escrevo sobre o que me atravessa, como modo de sobreviver. Escrevo pra morrer um pouco mais devagar. Para aproveitar as sensibilidades do corpo, habitar a loucura sem que ela me consuma. Eu me empolgo quando a escrita circula, passa a se movimentar a partir de um outro que lê. É muito delicado, pois é partilhar minha loucura, algo que na maioria das vezes me faz mal, me dissocia e me perturba. Mas tenho relatos de leitores que se identificam e que se sentem acompanhados, podendo juntos (leitor e obra) encontrar uma saída possível, um retorno e um fundar a vida de cada dia, com e apesar da loucura.

A importância de buscar o diagnóstico

A ideação suicida desde os 12 anos não é uma brincadeira. As pessoas ficam muito assustadas quando você fala desses sintomas, não acreditam. Isso é tão violento: você se sente mais louco ainda e acaba não compartilhando mais.

Quem tem transtornos é constantemente deslegitimado, ainda mais quando envolvem sintomas psicóticos. Não que eu ache que as pessoas sejam obrigadas a ouvir tudo, mas venho pensando o quanto é temerário esconder esse tipo de loucura.

Se você desconfia que tem Transtorno Afetivo Bipolar (TAB), consulte um psiquiatra de confiança — o tratamento particular no Brasil ainda é muito caro, infelizmente, mas vejo e já fiz parte de coletivos incríveis que fazem atendimentos com valores acessíveis. O SUS tem uma rede maravilhosa, mas que está muito sobrecarregada, abandonada e adoecida, ainda mais pensando em saúde mental.

Preste atenção em como o profissional te escuta, diagnósticos demoram bastante para serem formulados. O medo de ser medicada vem com muita força, mas os remédios fazem parte de um tratamento complexo. O médico não irá medicar à toa, se for um bom profissional. Tirar dúvidas é importante, mas não desqualifique a escuta médica. É normal a insegurança, medo e negação aparecerem — tudo isso vai fazer parte de seu processo de luto. Por isso a importância de também procurar por terapia ou análise.

Falar sobre a loucura nos liberta

Falar abertamente sobre minha loucura trouxe uma abertura maior para entender um pouco mais do meu processo de escrita. Não deixarei de habitar a loucura, ela me atravessa em vários sentidos, farei dela função, lugar e desejo. Quero conversar com as pessoas que atravessam transtornos, escrever com elas, ler o que escrevem.

Fico um tanto revoltada pensando que passei muito tempo muito mal, muito doente, desejando mais a morte do que a vida. Falei para o meu antigo analista que só viveria, no máximo, até meus trinta anos. Fiz trinta esse ano.

Estou atravessando uma idade que nunca esperei antes e me sinto finalmente livre. E é por isso que escrevo esse e escreverei outros testemunhos: há vida na loucura.

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Martina Sohn Fischer (@nomedemar) é escritora, dramaturga e poeta. Formada em psicologia, com formação contínua em psicanálise. Teve três peças encenadas: Aqui, por Club Noir (SP); Casa de Inverno, Artrupe (AM) e Coração de Baleia, Ateliê 23 (AM). A peça Aqui, publicada pela editora 7Letras, obteve uma crítica na Folha de S. Paulo por Luiz Fernando Ramos. Escreveu contos para o site Caos Descrito, revista Jandique e Mathilda Revista Literária. “O que estive fazendo quando nada fiz” (Urutau, 2023) é seu primeiro livro de poemas.

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