“Escancarado, estrutural, disfarçado, o machismo está presente no cotidiano de todas, todos e todes nós. Até aí, nada de novo.” É assim que se inicia a descrição do episódio “O machismo e o sexo” do podcast Sexoterapia, apresentado pela psicóloga e terapeuta sexual Ana Canosa e pela jornalista Bárbara Lima. Além de serem grandes problemas para diferentes sociedades, o machismo e a masculinidade tóxica são questões que afetam profundamente a vida de mulheres e homens.
Mas a novidade, segundo as apresentadoras do programa, são os movimentos de desconstrução e rompimento das estruturas misóginas da sociedade. Embora o machismo ainda seja uma realidade, há cada vez mais projetos, debates e iniciativas que nos instigam a refletir sobre o problema.
O impacto do machismo
Recentemente, o relatório Women in Business 2022, da Grant Thornton, revelou que 38% dos cargos de liderança no Brasil são ocupados por mulheres. Dados da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), organizada pelo IBGE, e reunidos pelo Dieese mostram que as mulheres ganham em média R$ 2.305, o salário dos homens era de R$ 2.909, ou seja, 21% a menos. Uma pesquisa realizada pela PageGroup e pela Dom Cabral apresentou que apenas uma em cada dez mulheres ou pessoa negra ocupa posição de CEO.
Juntas, essas pesquisas nos ajudam a construir o cenário brasileiro de desigualdade de gênero e impacto do machismo na autonomia e na presença das mulheres no mercado de trabalho. Mas não pára por aí, além de ser considerado um elemento estruturante da sociedade brasileira, ele afeta como nos relacionamos, demonstramos afeto e vivemos em sociedade.
Ao longo da vida, homens são treinados a não chorar em público, serem emocionalmente mais firmes, a objetividade é valorizada e a grosseria é até considerada uma qualidade em muitas situações. No entanto, tudo isso volta em sofrimento emocional, especialmente pela supressão de sentimentos.
É importante, nesse sentido, que diferentes homens sejam ouvidos, tenham suas dores processadas e possam passar por um processo de reeducação. “A nossa certeza é que precisamos envolver homens nos ‘problemas de gênero’ por meio do debate de masculinidades para entenderem que também somos responsáveis por essas questões“, explica Pedro Figueiredo, fundador do MEMOH, uma plataforma educativa que promove grupos reflexivos para homens.
Espaços de exclusão
Léo e Rémi são amigos desde a infância e compartilham boas brincadeiras, almoçam juntos e frequentemente costumam dormir no mesmo quarto, uma demonstração de afeto e companheirismo pela parceria que desenvolveram ao longo do tempo. Apesar disso, o início do ano letivo afetou a relação entre os dois. Não preciso falar o quanto isso gerou sofrimento em ambos, não é?
Essa história é um pequeno resumo da relação apresentada em Close (2022), filme belga indicado ao Oscar que aborda o machismo, amizade entre homens e o preconceito em relação à demonstração de afetos. Sim, pois é, o motivo do afastamento entre Rémi e Léo foi bullying, porque os dois eram frequentemente acusados no colégio de serem gays pela proximidade que tinham.
Além de comentários homofóbicos serem extremamente desconfortáveis na relação de amizade entre dois homens, o potencial que isso tem de causar transtornos psicológicos é preocupante e serve de alerta para a sociedade. Por isso, conteúdos educacionais e midiáticos tentam popularizar a presença de uma educação saudável para as novas gerações de homens.
Essa, inclusive, é a ideia do documentário The Mask You Live In, que apresenta a realidade educacional dos Estados Unidos e como a misoginia é um problema sério para o mundo inteiro.
Continuando o diálogo, a psicóloga e professora Niobe Way mostra como o ambiente da masculinidade tóxica exclui as possibilidades de trocas afetuosas positivas. “Eles realmente introjetam uma ideia de que não podem fazer parte de uma cultura com comportamentos considerados femininos. Se você está em uma sociedade que não valoriza o cuidado, relacionamentos saudáveis e a empatia, provavelmente vai ter homens e mulheres afetados por essas relações“, explica.
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– Quebrando o silêncio sobre as emoções dos homens
Redes sociais como espaço de acolhimento
Acolher os homens de forma responsável, segura e com projetos educativos que se propõem a uma masculinidade saudável é considerado um dos passos fundamentais para ser estabelecido o respeito. Com o crescimento do acesso à internet e a popularização das redes sociais, muitas ferramentas de suporte, diálogo e educação vêm sendo utilizadas virtualmente.
“É preciso promover cada vez mais o debate de masculinidades, com uma linguagem acessível, sem pagar de ‘iluminado’, possibilitando, assim, mais homens se aproximarem da discussão — e, claro, de uma forma séria e comprometida”, esclarece Pedro Figueiredo. Ele destaca que, além de combatermos discursos danosos, como o de que “homem não chora”, é preciso assumir os problemas causados pelo machismo na sociedade.
“Para além de acolher, precisamos, repito, nos responsabilizar pela mudança, individual e coletivamente.”
Pedro destaca ainda a importância de atividades como os grupos reflexivos desenvolvidos pelo MEMOH, com o objetivo justamente de trazer acolhimento com responsabilização, além, é claro, dos conteúdos sonoros produzidos por meio do podcast da plataforma.
“E para além dos grupos, é fundamental que ocupemos e disputemos os espaços das redes sociais e produção de conteúdo para oferecer uma reflexão, um contraponto responsável sobre a masculinidade“, complementa Thiago Queiroz, escritor, educador parental, fundador do “Paizinho, Vírgula!” e da Abrace.digital.
Homens, como lidar com as emoções?
Sabemos, até aqui, que diversas condições estruturais, comportamentais, sociais e políticas são responsáveis pela manutenção de um ecossistema permeado pelo machismo na sociedade brasileira. Por isso, além de mudanças individuais na vida de cada um, é importante haver um esforço coletivo.
“Os homens precisam do cuidado e o cuidado precisa de nós homens. Do ponto de vista da educação, valorizar o cuidado socialmente, fazer com que a gente contribua para construção dessas redes de solidariedade e afeto baseado no cuidado“, explica Pedro Figueiredo.
Ele mostra que valorizar o cuidado é também estar mais presente no ambiente doméstico, dividir tarefas de manutenção e limpeza da casa e sensibilizar os homens para uma relação afetuosa com suas parceiras e filhos, por exemplo.
Pedro enfatiza ainda que é preciso haver uma extensão da licença-paternidade (atualmente, no Brasil, ela vai de 5 a 20 dias), “ou uma licença-parental, para deixar explícito que a responsabilidade do cuidado de uma criança recém-nascida não é exclusividade da mãe“, lembra. Além disso, o reconhecimento da profissão de dona de casa e dono de casa como uma atividade profissional também é importante, segundo o especialista.
“Também é possível estimular via programas de saúde uma maior participação dos homens no cuidado em geral, de crianças a idosos, de pessoas com deficiência a si próprio”, complementa.
Mobilize-se para uma masculinidade saudável
Além de apoiar e acompanhar políticas públicas de igualdade de gênero, é importante que cada homem possa agir em sua comunidade ou individualmente para a promoção de um ambiente saudável. Entrevistados para essa matéria, Pedro Figueiredo e Thiago Queiroz destacam caminhos importantes que precisam ser trilhados pelos homens no cotidiano:
- Ouça as mulheres, suas reivindicações e demandas. Além disso, participe de mobilizações sociais e organizações que reivindiquem direitos esse público;
- Leia livros escritos por mulheres, participe de clubes de leitura e conheça os principais debates feministas da sociedade;
- Ouça pessoas LGBTQIAP+: você deve lembrar como a homofobia afetou a relação entre Léo e Rémi no longa-metragem Close, não é? Ter um ambiente de respeito e convivência saudável com pessoas Queer só traz pontos positivos para sua vida.
- “Ouvir os nossos semelhantes que trazem questionamentos valiosos é importante, mas é igualmente essencial diversificar as vozes que ouvimos”, finaliza Thiago.
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