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    Outubro Rosa: histórias para além do diagnóstico
    Angiola Harry
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    Ninguém deseja ficar doente. Acima de tudo, ninguém quer receber um diagnóstico de câncer durante a sua vida. Mas não é tão simples assim, sabemos o quão vulneráveis podemos ser e o quanto o futuro é imprevisível. Entender isso não é ser pessimista, mas sim aceitar o fato de que somos seres humanos e que precisamos observar nossa saúde de perto.

    O Outubro Rosa – surgido durante a década de 1990 nos Estados Unidos para conscientizar sobre a prevenção e diagnóstico do câncer de mama – se expandiu para diversos países do mundo e é uma das campanhas de saúde mais importantes no Brasil. A campanha alerta para a importância do diagnóstico precoce e, principalmente incentiva uma vida saudável para a construção de um ambiente de prevenção.

    Hoje, a doença é o tipo de câncer mais incidente em mulheres no mundo todo, com aproximadamente 2,3 milhões de casos novos estimados no ano de 2020. No Brasil, foram previstos 59.700 casos novos da doença em 2018, o que a torna tão comum na vida muitas mulheres. O câncer de mama também acomete homens, porém é raro, representando apenas 1% do total de casos da doença, segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA).

    Como lidar com o medo, as angústias e as dificuldades desse momento? Como buscar apoio emocional e suporte para percorrer esse caminho que certamente mudará sua vida? Como apoiar amigas, familiares e colegas de trabalho que estão passando por esse processo? O afeto, companheirismo, empatia e uma rede de cuidado podem ser boas respostas para isso.

    É comum que uma doença tão difícil e dolorosa possa trazer emoções e sentimentos diversos, por isso convidamos você, leitor e leitora, a conhecer histórias de pessoas que estão para além das estatísticas.

     

    O tratamento que virou filme

    Ariane Porto é uma dessas pessoas que não para. Concedeu entrevista um dia após um evento sobre seu documentário enquanto viajava para o aeroporto a fim de chegar a tempo para um voo marcado até à Itália. Mas a vida da antropóloga e professora deu uma pausa quando ela repentinamente descobriu que estava com um câncer de mama em estágio inicial.

    Depois dos primeiros exames, conversas com médicos, outros especialistas e o processo de aceitar e contar sobre o diagnóstico para o seu círculo social, Ariane decidiu que iria não só tentar passar por esse processo de uma forma reflexiva, como também passou a filmar todo o tratamento, as alegrias e dores, esperanças e medos, tudo registrado em vídeo.

    Foi um processo necessário, vital. Quando eu comecei a intuir que eu estava com um problema maior, eu resolvi gravar, talvez isso vire um filme, talvez não, não sei se eu chego ao final“, conta a professora. Ela diz que foi um momento muito particular da sua vida e que gostaria de registrá-lo, independente do desfecho, como uma ferramenta para manter na memória as dificuldades, fortalezas e momentos de alegria que também passou durante o tratamento. 

    “Quando o médico tirou um fragmento da biópsia, eu falei ‘para, eu preciso ver esse fragmento, porque é uma parte de mim que eu não vou ver mais’”, relembra a antropóloga. Ariane conta que foi um momento de caminhar com seus medos, se colocar de frente ao espelho e entender a realidade em que ela estava inserida.  “Ou eu olho pra isso ou eu não vou poder enfrentar”, afirma. 

    A partir dessa vivência surgiu o documentário Mama Minha, produzido de forma autoral e que é um relato autobiográfico do seu tratamento contra o câncer de mama. O filme, que foi selecionado para o festival Ecocine, pode ser visto na plataforma Taoplay de forma gratuita e é uma ótima programação para esse Outubro Rosa.

    O filme Mama Minha tem tido um impacto muito positivo em pessoas que estão em tratamento, profissionais da área da saúde, entre outros”, afirma Ariane. A presença de uma narrativa como essa proporciona o contato direto com alguém que passou por um tratamento como esse, além das implicações e mudanças na vida familiar, social e no trabalho. 

    Quando fazia radioterapia, Ariane relembra que fez amizade com um grupo de mulheres e juntas formaram o “radioativas”, passando a compartilhar suas histórias e buscar momentos de partilha, descontração e que fugiam da rotina de tratamento e conversas hospitalares. A partir disso surgiu a necessidade de ouvir outras histórias, outras mulheres que passam pela mesma situação e que buscam apoio e suporte conjuntamente.

    “A gente criou ouvidos para essas vozes múltiplas. E outra coisa que o Mama Nossa me trouxe é que algumas coisas a gente não pode mudar, por exemplo, você não pode mudar um diagnóstico, mas você pode mudar a situação que o paciente oncológico ocupa na sociedade hoje”, conclui a professora.

    O filme Mama Nossa reúne um grupo de mulheres que se submeteram ao tratamento contra o câncer de mama e também está disponível na plataforma de streaming gratuitamente. 

    Ariane Porto é antropóloga, professora, pós-doutora em Comunicações e Artes e educomunicadora, além de ter produzido os filmes Mama Minha e Mama Nossa. Foto: Arquivo pessoal

     

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    Uma oitava acima

    Bruna Lauer cresceu no campo, se formou como publicitária, casou e na sua vida parecia não haver muitas atribulações até ela precisar passar por um tratamento de seis meses depois de uma infecção séria na coluna. Aquele momento provocou uma série de mudanças na sua vida, seu casamento se encerrou, ela passou a se conectar com o Yoga e os cuidados com a saúde cresceram ainda mais.

    Era impensável que, depois de todos os hábitos saudáveis que Bruna adotou em sua vida, algum outro problema de saúde fosse visitar seu corpo. “Eu estava em casa, na sala, vendo TV quando senti [o nódulo], só que na hora eu nem imaginei que fosse câncer de mama, na minha cabeça era como se eu tivesse protegida de qualquer doença”, relembra a escritora. 

    Apesar do choque, a busca por profissionais foi feita de forma rápida, a realização de exames, a marcação de cirurgia e as decisões sobre o seu futuro também. “As pessoas tinham medo que eu morresse ou elas achavam que eu iria sofrer muito“, relembra, que tenta tirar o estigma que existe sobre o câncer e critica a ausência dos debates em torno do assunto. “É importante tirar da mente das pessoas aquela ideia que se tinha do câncer, ou que se tem, porque a gente tem uma palavra para muitas doenças”, enfatiza Bruna, que defende mais ações como as do Outubro Rosa.

    Ao contrário do que se poderia esperar ao receber um diagnóstico desse tipo, Bruna Lauer tentou lidar com a situação de uma forma otimista, ou que pelo menos conseguisse ocupar a mente com bons momentos e outras vivências para além do tratamento e dos efeitos colaterais dos medicamentos em seu corpo. “Eu estava super viva, eu amava mais ainda a minha vida, eu via mais sentido“, acrescenta. 

    Além de manter esse espírito positivo ao longo do trabalho, Bruna encontrou uma maneira de se conectar com os amigos e familiares que estavam preocupados com sua situação.

    Todos os dias, ou na maioria deles, a escritora compartilhava momentos, vivências, avanços no tratamento e novas informações de como seu câncer estava agindo no corpo. “Eu fui percebendo que a minha história poderia ajudar as pessoas”, conta.

    Foi a partir daí que surgiu a ideia do livro, Uma oitava acima, um relato pessoal do seu tratamento, as mudanças que aconteceram na sua vida e as dificuldades que enfrentou nessa caminhada. 

    Revisitar todas as dores é complexo, tem que ter coragem, para que tenha sentido e conecte com as pessoas”, afirma. E não foram poucas dores, sua vida virou de cabeça para baixo, desde o término do seu casamento, passando pela infecção na coluna, o diagnóstico do câncer de mama, a pandemia da Covid-19 e a morte da sua mãe – também por câncer -, implicando uma série de mudanças com efeitos profundos em sua vida. 

    Escrever o livro – que está com desconto durante o Outubro Rosa – , segundo ela, foi uma forma de cicatrizar esse ciclo dos últimos anos, de estancar uma ferida, compreender os proveitos e experiências traumáticas que aconteceram a partir do seu tratamento. Hoje, ela vive com seu companheiro em uma área rural da cidade de Monteiro Lobato, interior de São Paulo, organiza vivências no campo a partir da arte e passou a entender as múltiplas dinâmicas que ocorreram dentro de si.

     

     

    Quando a dor nos atinge

    Karla Felmanas, vice-presidente da Cimed, sabe bem o que é vivenciar a dor e o processo de acompanhar um tratamento de câncer de mama na vida de quem amamos. A empresária perdeu a mãe há mais de 10 anos para a doença e relembrar esses momentos é um misto de dor, saudade e memórias em família que ficaram eternizadas.

    “Lidamos com muito amor, procurando levar a ela, toda energia positiva e força, proporcionar momentos felizes com a família, os netos que ela tanto amava ter com ela”, relembra a executiva.

    Fizemos muitas viagens e não medimos esforços para vê-la feliz. Minha mãe é um eterno exemplo de coragem para mim e para toda nossa família. Nos anos de tratamento estivemos mais unidas do que nunca, procurei levar para ela toda energia, carinho e presença para ajudá-la a enfrentar a situação da forma menos sofrida possível”, acrescenta Karla.

    O diagnóstico do câncer de mama não mudou apenas a vida da mãe de Karla, mas também de toda a família, inclusive das percepções sobre a existência humana e as incertezas que podem surgir ao longo dela. Para a empresária, esse momento trouxe como consequência uma necessidade de viver intensamente e aproveitar os momentos especiais com as pessoas que amamos: “a vida é todo dia e quando nos conscientizamos disso, entendemos o real sentido da vida, porque estamos aqui. Eu sinto a presença dela comigo sempre, temos uma conexão muito forte”, enfatiza.

    Hoje, Karla usa suas redes sociais para divulgar informações sobre o diagnóstico, tratamento e prevenção, além de sua experiência familiar como uma forma de conscientizar e sensibilizar outras mulheres, especialmente durante o Outubro Rosa. “Para mim é uma nova descoberta que estou adorando, muitas trocas e aprendizados, novas conexões e possibilidades. Explorar novas potencialidades e nos desafiar faz muito bem, nos mantém viva e em movimento.”

    Além dos cuidados preventivos expostos pela executiva, como a prática de atividades físicas, aumento da imunidade, realização de exames regulares e práticas de bem-estar, ela destaca a importância de tratarmos do assunto com empatia, respeitando a história de vida de cada um e suas necessidades. Neste Outubro Rosa, Karla conclui que “todas as pessoas querem se sentir acolhidas e amadas na vida, seja essa pessoa a levar amor, carinho, palavras e gestos de conforto, podem não curar o câncer, mas curam a alma.”

     

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