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O que aprendi ao assumir a minha calvície feminina
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Olhar com mais compaixão para os nossos problemas, físicos e emocionais, nos ajuda a encarar a dificuldade com coragem e, finalmente, seguir em frente

O ano de 2015 foi o mais louco da minha vida. Foi quando tive a coragem de soltar as amarras do meu mundinho particular, seguro e confortável, para me jogar no mundão de verdade. Posso dizer que passei por muitas libertações e desprendimentos para seguir com meu plano de tirar um período sabático e viajar por países diversos: casa, carro, emprego, segurança financeira, entre outras coisas. Mas tenho certeza de que a maior parte das pessoas não imagina qual foi minha maior e mais difícil libertação nessa história toda.

Há pouco mais de dez anos, descobri que tenho um problema genético chamado alopecia, que é uma perda gradual dos cabelos. Os fios vão se tornando cada vez mais finos e ralos até que o couro cabeludo fica à mostra. O problema é popularmente conhecido como calvície feminina. Existem diversos tratamentos para tentar estagnar o processo e fiz inúmeros deles, mas o que influencia numa maior ou menor queda dos fios é o estado emocional.

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Muitas vezes o tratamento estava caminhando bem, mas bastava passar por algum período de tristeza ou qualquer outra dificuldade emocional e os cabelos voltavam a cair vertiginosamente. O gatilho para o início dessa doença, aliás, foi a fase terminal do meu pai.

Dói demais
Acho muito difícil escrever sobre isso, pois não sei se é possível traduzir em palavras a tristeza que é perder os cabelos, principalmente para uma mulher. Penso que muitas pessoas podem ler isso e pensar: “Mas que besteira, não é uma doença grave, um câncer ou outra coisa do tipo. É só um efeito estético”. Mas, acredite em mim, dói demais perder os cabelos.

A cada manhã, quando percebia que havia muitos fios caídos no travesseiro, no ralo do banheiro, nas minhas roupas, a ferida ardia no meu peito. Acho que é um dos problemas que mais afetam a autoestima de uma mulher. Cansei de chorar ao me olhar no espelho e também desisti de muitos programas com os amigos por estar me sentindo horrível.

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Passei vários anos tentando esconder minha calvície, não gostava nem de falar a respeito. Usava produtos para tentar disfarçar as falhas, que se tornavam cada vez mais evidentes, não entrava na piscina, nem no mar.

Se com o cabelo seco eu já parecia careca, imagina quando estava molhado. Acho até que a maior parte das pessoas não percebia o meu início de calvície, mas o problema era o meu olhar. E, quando me observava no espelho, a primeira e única coisa que eu conseguia enxergar era o couro cabeludo brilhando embaixo dos fios finos e ralos.

No ano de 2011, já cansada e desanimada de todos os tratamentos, tomei uma decisão bem importante: resolvi colocar uma prótese capilar. Era algo de muita qualidade, com cabelos naturais, feita na Itália e que me custou o valor de um carro popular. Coloquei a prótese no final daquele ano e o resultado foi bastante satisfatório. Logo pensei: “Estou livre!”. Eu podia lavar os cabelos normalmente, secar, nadar, era vida normal. Era libertação.

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Mas, com o passar do tempo, percebi que saí de uma prisão para entrar em outra, aparentemente mais bonita. Essa prótese era fixa e exigia uma manutenção mensal. Era preciso removê-la em uma clínica especializada nisso e fazer uma higienização absurda tanto nos cabelos quanto no couro cabeludo. Passei os primeiros anos sem ter coragem de me encarar no espelho quando estava sem a prótese, não tinha coragem de me ver careca. Aquele dia do mês machucava.

Olhar para o espelho
Sempre que eu considerava ficar um tempo fora do Brasil ou mesmo longe da minha cidade, São Paulo, pensava na questão dos cabelos: como eu faria a manutenção mensal da prótese capilar? É claro que eu poderia buscar outros lugares para fazer todo esse processo, mas, por ser algo muito específico e caro, eu tinha receio.

No início de 2014, comecei a me obrigar, nos dias da manutenção, a me encarar careca. A Camilla de verdade era aquela do espelho, sem cabelos, e eu precisava aceitar essa verdade. Precisava olhar para a realidade. E comecei a fazer isso, todo mês, até que, um dia, tive um dos insights mais gostosos da minha vida.

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Me olhando no espelho, careca, sozinha na sala da clínica em um dia de manutenção da prótese capilar, me achei bonita sem os cabelos. Pude ver o brilho dos meus olhos, o contorno do nariz, minhas orelhas perfeitas, e achei que a ausência dos fios era só um detalhe. Nesse momento, uma emoção diferente correu nas minhas veias.

E, então, tomei a decisão que faltava para finalmente fazer a viagem que eu tanto desejava de volta ao mundo: eu ia tirar a prótese e embarcaria com o que havia sobrado dos meus cabelos de verdade. Lembro que, naquela época, quando alguém dizia que eu era corajosa por estar largando tudo para viajar pelo mundo, pensava comigo: “Você nem imagina que eu ainda vou ter que ir careca”.

Tirei a prótese no dia 10 de setembro de 2015. Na véspera, passei mal. Tive diarreia e crise de enxaqueca. Uma amiga quis me acompanhar, mas fiz questão de ir sozinha. Não sabia o que ia sentir, podia ser que depois eu quisesse entrar correndo num táxi e, em seguida, me trancar no quarto de casa. Mas acordei tão firme naquele dia que eu mesma não acreditei.

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Acho que meu anjo da guarda me levou pelas mãos. Tirei a prótese na clínica, junto com a equipe mais que especial que me acompanhou em todos aqueles anos de tratamento. Em seguida, pedi para cortar bem curtinho os cabelos que sobraram e saí dali para passear no shopping, sentindo uma liberdade indescritível.

Um dos dias mais felizes que tenho recordação foi meu primeiro banho de mar sem a prótese e sem me importar com o julgamento ou os olhares alheios. Isso aconteceu na Nova Zelândia. Estava um pouco frio, mas eu não via a hora de me jogar naquele mar e sair livre, leve e solta sem a preocupação de que alguém estaria percebendo a minha falta de cabelos. Isso, sim, era libertação, ou superação.

Minha viagem ao redor do mundo está acontecendo neste exato momento. E é claro que tento tirar as fotos do meu melhor ângulo sem focar diretamente no problema. Uso as minhas queridas faixas na cabeça e também um produto para esconder um pouco as falhas. Mas não tenho problema algum em encarar os outros com meus fios molhados ou com minha carequinha aparecendo. Eu sei que sou muito mais do que isso, e essa descoberta foi o maior e melhor presente que me dei.

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Nesse processo, aprendi tanta coisa… Aprendi que ninguém no mundo, por mais que o ame, é capaz de sentir o que você realmente está sentindo. A minha dor era só minha, e só eu tinha o poder de curá-la. Entendi que, quando alguém o trata mal ou está mal-humorado, devemos tentar relevar, pois nunca sabemos os dragões que cada um enfrenta dentro do peito. Me dei conta de que autoaceitação leva tempo e que nós somos muitos mais que cabelos, bundas ou peitos, pois, se isso fosse tudo, talvez eu seria nada.

CAMILLA ALBANI é apaixonada por gente e por uma boa prosa. Conta suas experiências no asaseraizes.com.br.

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