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    Não-monogamia: uma nova perspectiva para as relações
    Pablo García Saldaña
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    Sandra Guimarães viveu relações não-monogâmicas durante boa parte da sua vida adulta. Apesar de hoje morar na cidade de Paris, na França, a cozinheira nasceu e cresceu em Natal, capital do Rio Grande de Norte, lugar onde teve suas primeiras relações amorosas com garotas, ainda na adolescência.

    “Passei por várias etapas, era uma monogâmica em série, e, durante um tempo, comecei minha vida amorosa assim, porque não tinha outro modelo”, relembra. Até que um dia, Sandra percebeu que estava apaixonada por uma nova pessoa, embora continuasse amando a sua namorada. Criou-se um impasse, surgiram dúvidas e questionamentos sobre a forma como ela vinha lidando com a relação.

    Mas, se para muitas pessoas isso pode ser um enorme problema, para outras isso não é uma questão. Por que não manter duas ou mais relações em paralelo, desde que haja consentimento, responsabilidade afetiva e respeito mútuo?

    Há muito tempo, a não-monogamia se tornou um espaço de referência para a construção de novos relacionamentos e dinâmicas afetivas que fogem do padrão convencional, embora hoje exista muito mais conteúdo, livros, pesquisadores e debates nas redes sociais sobre o tema.

     

    Mas, afinal, o que é a não-monogamia?

    Antes de se embrenhar nesse modelo de relação, Sandra sequer havia ouvido falar sobre isso, e foi uma grande caminhada de autoconhecimento para poder se descobrir e encontrar seu lugar nessa infinidade de ideias, conceitos e experiências.

    Depois de ter tentado uma estratégia de relacionamento aberto, só que sem o diálogo entre ela e sua parceira a respeito de seus outros envolvimentos sexuais, Sandra percebeu que aquele não era o melhor caminho para ela.

    “Essa foi minha primeira tentativa e eu vi que acaba levantando muita suspeita, te obriga a mentir para a pessoa”, conta. Depois de um tempo, percebeu que a não-monogamia era a melhor alternativa para ambas, pois assim poderia continuar nutrindo a relação com a sua companheira – com quem vive há 14 anos -, além de outros relacionamentos em paralelo.

     

    Sandra é linguista, não-monogâmica e militante pelo veganismo popular no Brasil e na França. Foto: Arquivo pessoal / Sandra Guimarães.

     

    “Para definir a não-monogamia eu gosto muito do  conceito de quebra de exclusividade. Se a gente for pensar, a monogamia traz, além de outras lógicas, essa questão: ‘eu estou em uma relação contigo e essa relação é exclusiva'”, afirma Tatiana Perez, psicóloga e terapeuta de casal especializada no assunto.

    A relação não-monogâmica estabelece, em sua base fundamental, a quebra dessa exclusividade, ou seja, as pessoas são livres para viverem suas relações, se apaixonarem, conhecerem novos indivíduos e amarem umas as outras. É claro que isso precisa ser feito com acordos firmados entre as partes, diálogos, responsabilidade afetiva e momentos de comunhão que agreguem a todos.

    Há quem se relacione com cinco pessoas ao mesmo tempo, há aquelas que vivem a não-monogamia solo – pessoas solteiras que vivem várias relações livremente – ou outras que, assim como Sandra, se relacionam com duas pessoas. “Não é porque eu sou não-monogâmica que eu vou estar sempre namorando outras pessoas”, explica ela, que já chegou a ficar vários meses com sua companheira, sem se relacionar com outras mulheres. 

    Diferente da monogamia, que está relacionada com o cultura do patriarcado e à uma estrutura social que limita as experiências das mulheres, além de reforçar estereótipos como a de “dona do lar”, responsável unicamente pelo cuidado dos filhos e que satisfaz seus desejos dentro de casa, a não-monogamia surge como um movimento anti-hegemônico e emancipatório.

    Ela “vai contra toda essa toxicidade trazida pela estrutura monogâmica e traz à tona um pensamento de não hierarquizar as relações, de vivê-las pelo que são, sejam relações afetivo/sexuais, afetivas, de trabalho, familiares…”, explica Marcela Aroeira, psicóloga e criadora da página Amores Plurais no Instagram.

     

    O mito do amor romântico

    Atire a primeira pedra quem nunca chorou ou se emocionou assistindo a uma comédia romântica, ou melhor, imaginou uma vida como aquela que nos é mostrada nos filmes, uma paixão do acaso, várias reviravoltas e um maravilhoso final feliz para ambos. É, pode até acontecer, mas não é regra na vida de todas as pessoas.

    Surgido no século XIX, essa visão do amor romântico perdura até hoje e influencia, inclusive, a forma como vivemos os nossos relacionamentos amorosos. “É muito raro vermos um filme, uma série ou escutar músicas que não reproduzam esse discurso. É sempre falando sobre estar louco de paixão ou sobre traições, sacrifícios, abandonos… Ou seja, promove discursos empobrecidos que nos fazem acreditar que ainda encontraremos àquela ‘alma gêmea’ que vai suprir todas as nossas carências”, explica Marcela Aroeira.

    Platão acreditava que havíamos sido separados uns dos outros e estamos vagando em busca da outra metade que irá nos completar. Pode ser até poético, mas sabemos que isso não é mais verdade: temos desejos individuais, pessoas entram e saem das nossas vidas e está tudo bem, faz parte das nossas vivências.

    “Se eu encontrei a pessoa com quem eu vou ficar, com quem eu vou destinar o resto da minha vida com essa pessoa, eu deixo de ser inteira e passo a ser metade de um relacionamento“, lembra Tatiana Perez. Abdicar das nossas vontades, particularidades e desejos pode ser um problema quando o único a ser priorizado é o relacionamento.

    Para Sandra Guimarães é simples. Ela divide parte do tempo que tem na semana com a sua companheira, uma outra parte com sua namorada e o restante sozinha, porque é importante também se cuidar e permitir com que os outros tenham liberdade. “A pessoa existe por motivos próprios e não para ocupar uma função na minha vida. Para mim, a não-monogamia é um esforço ativo, uma prática de não objetificação de outras pessoas. A gente constrói algo junto, mas ela não me deve o seu corpo ou atenção”, complementa a Sandra. 

    Mas, calma, não é porque o amor romântico pode ser problemático que atitudes e ações afetuosas e carinhosas não possam ser praticadas, de forma alguma. “O amor romântico é uma coisa, outra coisa é o romance, o amor, situações e cenas românticas. A não-monogamia não vem para quebrar com o romance“, esclarece Tatiana Perez. 

     

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    Não-monogamia é para todo mundo?

    Se você chegou até aqui e ainda não conhecia a não-monogamia, deve estar achando o quão impositivo esse modelo é, ou algo como “ah, agora todo mundo vai ter que sair se pegando na rua?”.

    Na verdade, o assunto é bem mais profundo do que isso e todas as especialistas ouvidas pela Vida Simples foram uníssonas em dizer que a não-monogamia é apenas um dos diversos modelos de relação que podemos adotar nas nossas vidas.

    O ponto central da não-monogamia é que ela “não necessariamente vai estar falando do tipo de relacionamento ou da quantidade de pessoas, mas da forma de se ver o mundo, e das relações também”, explica Tatiana.

    “Existe uma questão de escolha. A não-monogamia não está vindo para impor, ela está vindo para dizer ‘olha, tem formas diferentes de se relacionar e não tem problema se você quiser se relacionar exclusivamente com uma pessoa. O problema é quando a gente faz isso sem ter consciência em um relacionamento”, acrescenta a psicóloga.

    “Reinterpretar o amor como um cuidado mútuo”, essa é uma das tarefas elencadas pela Sandra Guimarães que a não-monogamia é capaz de cumprir nas nossas sociedades. A cozinheira, que também é escritora e ativista pelo veganismo no blog Papacapim, defende ainda que “essa é minha vivência, a maneira como eu vivo, mas acho importante ressaltar que diversidade de existência, diversidade de relações na sociedade, acaba ensinando uma coisa muito importante, que diversidade é vida, é riqueza. Tudo que é igualzinho, uma monocultura de relações, acaba enfraquecendo, porque pra mim a força está no que é diverso.”

    Não-monogamia para iniciantes

    Debater sobre a não-monogamia pode render horas de conversas, livros inteiros, debates e congressos científicos, mas é importante irmos um passo de cada vez.

    Compreender o tema e se abrir para conhecer outras formas de amar e de demonstrar afeto é um ótimo exercício para se questionar e tentar compreender as estruturas sociais que nos colocam em padrões, como o da heterossexualidade ou o da monogamia.

    Os sentimentos e as dores, por exemplo, não desaparecem. As pessoas sentem ciúmes, raiva, se desentendem, mesmo que estejam sempre em diálogo e elaborando acordos que atendam às necessidades de todo o coletivo envolvido, afinal, somos humanos. “Eu sou não-monogâmica porque eu entendo que existe algo muito mais importante do que o meu ciúme”, explica Sandra Guimarães.

    Tatiana Perez sugere que busquemos autoconhecimento e que cada um mergulhe em seus desejos e interesses para se conhecerem melhor. “Quando a gente sabe o que a gente quer, onde vai chegar, com o que se sente confortável, independente se a gente vai estar em uma relação monogâmica ou não, a gente vai conseguir respeitar nossos limites e colocar para o outro o tipo de relação que a gente quer.”

    Para Marcela Aroeira, é preciso que a gente esteja sempre interessado em “buscar se informar mais, ler mais sobre o assunto, buscar diferentes fontes para sabermos do quê realmente se trata. Se quiser podem vir conversar comigo também, sempre estou disponível para falar sobre este tema!”

    Materiais para se aprofundar

    1. Amores Plurais (página no Instagram)

    Amores Plurais é o Instagram da psicóloga Marcela Aroeira, entrevistada para esta reportagem. Nele, a profissional, que vive hoje em Lisboa, aborda inúmeros temas relacionados a não monogamia por meio de conteúdos didáticos e posts informativos nas redes.

    2. Tati Perez (página no Instagram)

    Tatiana Perez, que também participou da matéria,  debate em seu perfil do Instagram as diversas possibilidades de buscarmos modelos de relação baseadas no afeto, no diálogo e na responsabilidade afetiva, seja entre duas ou mais pessoas.

    3. Não-monogamia com Isabela Saldanha e Sandra Guimarães (podcast)

    O episódio 47 do podcast Outras Mamas entrevistou Isabela Saldanha e Sandra Guimarães, a personagem deste conteúdo. Nele, as duas abordam as diferentes perspectivas sobre o assunto, compartilham suas experiências e vivências, além de proporcionar um bate-papo ótimo para quem gosta de consumir conteúdo nesse formato.

    4. Ética do Amor Livre (livro)

    Compreender que a monogamia é uma construção ideológica não é tão difícil quanto romper com esse conceito na prática. Desde crianças, somos programados para o amor romântico. Por isso, se você decide pautar suas relações por padrões que escapam à tradição do “felizes para sempre”, pode enfrentar dificuldades: primeiro, para encontrar parceiros que compartilhem dos seus pensamentos sobre amor e sexo; depois, mesmo quando encontra alguém, porque você talvez se torne alvo da incompreensão de colegas de trabalho, vizinhos, familiares e amigos — e alguns deles não hesitarão em julgar suas opções, dedicando-lhe vocativos como “puta”, “galinha”, “vadia” etc.

    Este livro elaborado por Janet W. Hardy e Dossie Easton pode ser um ótimo material para quem deseja se aprofundar no tema.

    5. Amores Livres (documentário)

    A série documental de João Jardim retrata os diferentes tipos de relacionamento que vão além do padrão Amor Romântico através de depoimentos de pensadores sobre o tema e de pessoas que formam diversos tipos de configurações amorosas.

    6. O Romântico é político (texto)

    O romântico é político é um texto da escritora espanhola Coral Herrera e indicado pela psicóloga Marcela Aroeira durante a entrevista para esta matéria. “Ela fala que o amor romântico é usado como uma ferramenta de controle e distração, no sentido de fazer com que nos juntemos em pares contra o resto do mundo. Isso faz com que olhemos para o de fora como inimigo, o que dá origem a pensamentos e ações misóginas, racistas, homofóbicas, transfóbicas, xenófobas… ou seja, tudo o que é de fora a essa união é visto como perigoso, errado e deve ser afastado”, resume Aroeira.

     

     

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