Chás poderosos: descubra como usar a bebida para abrir caminhos
Os chás podem abrir muitos caminhos, convidando você a ressignificar hábitos, deleitar-se, curar-se ou simplesmente acolher-se.
Antes de se enredar nas palavras que tramei para este nosso encontro nas próximas páginas, sugiro que você providencie uma xícara de chá. Pois, o calor perfumado que há de se desprender dela serpenteará o ambiente, convidando você a adentrar o maravilhoso canteiro das sensações que tratam bem do corpo e afagam a alma. Vá lá. Eu espero.
Voltou? Ótimo! Agora, perceba. O mundo continua a rugir do lado de fora, mas você serenou ou, pelo menos, mergulhou sua atenção no bebericar. Talvez, neste instante, esteja segurando a porcelana morna com as duas mãos, como se ela fosse uma cuia sagrada que você leva à boca com delicadeza, lembrando que, sim, você tem a si mesmo.
Pode ser que tenha escolhido para o momento um chá, bebida feita a partir da planta asiática Camellia sinensis. Tal qual mãe de muitos filhos, ela provê os chás verde, branco, amarelo, preto e oolong. Contudo, as variações vão depender dos processos de oxidação e secagem das folhas. Ou então tenha preferido uma infusão botânica, preparado que pode conter ervas, flores, frutas, cascas, sementes e raízes – inteiras, partidas ou moídas. Cada qual com seus benefícios e sabores únicos, a espelhar a incrível diversidade da natureza com seu leque de propriedades medicinais e aromáticas.
FOTO LUCAS MENDES/UNSPLASH
A descoberta do poder dos chás
Além disso, a beleza dessa escolha é que ela vem embalada em uma série de cuidados. “É preciso cuidar da quantidade de folhas, da temperatura da água, do tempo de infusão, da xícara em que se quer servir, do acompanhamento.
Preparar um chá é momento de entrega, podemos transformá-lo até mesmo numa meditação ativa”, enaltece Eloína Telho, chazeira e instrutora na Escola de Chá. “O resultado dessa experiência é que se descubra como chás podem abrir muitos caminhos em você, nas pessoas que você ama, em todos nós”, acrescenta Eloína Telho.
Independentemente de sua escolha, os chás e infusões podem levá-lo a explorar diferentes estados internos e físicos, pois as plantas abrigam diversas energias líquidas. Conectar-se com suas necessidades e desejos pessoais pode abrir um mundo de possibilidades em seu armário de chás.
Pesquisando profundamente e vivendo em fazendas de chá ao redor do mundo, Dani Lieuthier, pesquisadora e fundadora do Instituto Chá, acredita firmemente no poder das plantas para nos conectar com nossa essência mais profunda, como ela demonstra enquanto saboreia uma infusão de lavanda para acalmar a alma e transcender dilemas.
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Chás acordam afetos
A literatura, da mesma forma, bem se serviu dessas possibilidades. Marcel Proust, autor do clássico Em Busca do Tempo Perdido, aceitou um chá em visita à mãe, e eis o que se sucedeu: “Um prazer primoroso invadiu meus sentidos e imediatamente as vicissitudes da vida tornaram-se indiferentes para mim. Essa nova sensação teve em mim o efeito que o amor tem de me encher de uma essência preciosa”.
Assim, a partir dessa epifania, ele revisita sua história desde a infância, povoando de reminiscências nada menos do que sete volumes. Chás e infusões frequentemente carregam memórias afetivas, transmitindo a conexão íntima com plantas usadas para promover bem-estar ao longo das gerações.
Dafne Jazmin, tea blender da Chá Azul, é um exemplo disso, com sua família cultivando plantas como Clitoria, Cidró, e Erva-Luiza por três gerações. Essas plantas, nativas da América do Sul, são conhecidas por seus benefícios digestivos e relaxantes. Além disso, Dafne mantém uma segunda herança viva: uma roseira plantada por sua bisavó, que agora decora seu ateliê de chás. As rosas são colhidas e usadas para elevar a autoestima e a aceitação interior. A tradição e a conexão com as plantas se fundem harmoniosamente, criando um elo especial entre o passado e o presente.
FOTO GAELLE MARCEL/UNSPLASH
A tradição dos chás
Porém, a sommelier de chá, Alessandra Pinheiro, da Encontro com o Chá, não recebeu esse saber das mãos de suas antepassadas. Teve de ouvir e validar o próprio instinto. Em meio a uma crise existencial, ela buscou se alimentar adequadamente e acabou fazendo um curso de gastronomia funcional. Foi quando descobriu o fascinante mundo dos chás.
Ela visitou, então, regiões produtoras na China e voltou de lá transformada por essa cultura milenar em que são presentes da Natureza para que se descubra como os chás podem abrir caminhos.
Pois, segundo ela, “nesse encontro tive um grande ensinamento, para além das propriedades medicinais do chá. Pude me conectar com minha essência e com aspectos imprescindíveis para a nossa sobrevivência, como paz, harmonia, respeito, tranquilidade, pureza, simplicidade e alegria genuína”, ela lista.
Boas escolhas incluem a natureza
É por isso que a pressa e o pragmatismo destoam do sutil reino dos chás e das infusões. Há muito ali para ser desvendado e degustado com calma, como propõe o movimento Slow Tea Brasil, coletivo encabeçado por Dani Lieuthier. “Além de valorizarmos as tradições e os conhecimentos de cura pelas plantas, perpetuados pelos povos indígenas, nos envolvemos com projetos sociais e ambientais, fomentando uma cadeia sustentável que também valorize o pequeno produtor e seu cultivo livre de veneno”, conta Dani.
Então, um sonho que ela realizou foi o projeto Brasil Mate, parceria entre Sebrae e produtores. “Olhamos para a erva-mate como uma planta de poder brasileira ainda pouco trabalhada”, define, alimentada pelas perspectivas desse mercado.
A preferência por ingredientes frescos e cultivados de forma sustentável e natural aumenta a qualidade das matérias-primas e, por consequência, seu benefício para nós. O cultivo orgânico e agroflorestal está crescendo no país, assim como os negócios artesanais, beneficiando não apenas as pessoas, mas também os ecossistemas. Chás de saquinho ainda são uma opção prática e comum, mas podemos optar por sachês biodegradáveis e minimamente processados com ingredientes de alta qualidade. Muitas ervas podem ser cultivadas em vasos, mesmo em apartamentos.
Uso medicinal
É importante lembrar que, embora as bebidas naturais sejam agradáveis ao paladar, é fundamental consumi-las com moderação e compreender seu impacto em nosso corpo. Além de apreciá-las como parte de momentos agradáveis, as infusões também podem ser usadas como remédios naturais para diversos fins, como acalmar, melhorar a digestão, reduzir inflamações, aliviar a tosse, estimular e revitalizar.
Embora haja muita literatura disponível sobre o assunto, em casos específicos, é recomendável consultar fitoterapeutas, terapeutas ayurveda ou especialistas em medicina tradicional chinesa. Esses especialistas podem dar sinais para que se descubra como os chás podem abrir muitos caminhos.
Dicas dos especialistas
Carlos Alves Soares, engenheiro agrônomo especializado em plantas medicinais e autor de “A Cura que Vem dos Chás,” sugere chás energéticos pela manhã, digestivos após o almoço, estimulantes à tarde e relaxantes à noite, com instruções sobre a quantidade de planta e qualidade da água a serem usadas. No entanto, é importante lembrar que as plantas não são uma solução milagrosa para a saúde, e uma dieta equilibrada e atividade física também são essenciais.
Leia rótulos, veja o que mais tem dentro desse chá”, alerta Luciana Maira, da Chá Contigo, especialista em blends de chás e infusões artesanais inspirados no universo feminino. Ela gosta de partilhar com os seus o chá que se segue ao almoço, “só para estender o tempo do papinho da família reunida”, confessa. Mas também não dispensa os preparos para honrar sua solitude, para “parar, respirar e se encontrar”. Nessa hora, a recordação materna se acende. “Na infância, lembro-me de minha mãe fazendo camomila para dormir e relaxar, boldo para a digestão, espinheira-santa para o estômago. Na faculdade de nutrição, segui por esse caminho de saúde.” E você, também vai por ele?
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