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    Artesanato e afeto: muito mais que um objeto
    Elio Santos
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    6000 a.C. Essa é a data mais provável que os arqueólogos acreditam ter iniciado a produção do artesanato, uma das expressões artísticas mais antigas do mundo e que carrega histórias, técnicas, culturas e muitos significados dentro de si. Para além da produção de objetos, utensílios de casa, bordados ou adereços para o corpo, o artesanato é uma atividade viva, que se traduz em cada corpo, ganha importância, afeto e muito mais do que uma decoração, assume muitas das vezes um papel central em nossas vidas.

    Por muito tempo o artesanato foi fundamental para o desenvolvimento da espécie humana, seja na produção de panelas e pratos de barro em situações nas quais não havia utensílios de ferro disponíveis para compra e eram muito caros, ou contribuindo para o mundo da moda, já que as costureiras até hoje representam um segmento da sociedade que produz de forma manual e cuidadosa roupas e outros tipos de tecidos para a casa.

    No corpo, além das vestimentas, temos brincos, pulseiras, tiaras, colares e outros adereços que nos constituem e são importantes inclusive para a formação da nossa identidade, já que o que vestimos e usamos também diz muito sobre quem somos. Assim, a relação entre artesanato e afeto não é tão difícil de ser imaginada e se apresenta em muitos exemplos e inciativas de artesãos no cotidiano, como a Vida Simples apresenta nesta matéria.

     

    Madeira natural como decoração

    A natureza revela belezas antes escondidas ou que nossos olhares sequer percebiam por estarem desatentos com outros estímulos visuais, mas é justamente nisso que foca o trabalho de Gica Castro, uma artesã que se volta para a construção de objetos decorativos feitos com madeira natural.

    O trabalho surgiu há 11 anos quando a artesã fazia parte de um projeto de manejo florestal na fazenda da família e foi impulsionado a partir da necessidade de geração de renda na vida de pequenos pescadores durante o período em que a pesca é proibida pelos órgãos de regulação ambiental.

    A madeira usada é sustentável e provém de troncos caídos, mortos e queimados, bastante desgastados pela ação do tempo, o que não implica na derrubada ou desmate de uma área.

    “A beleza natural dessa madeira encontrada encantou os meus olhos e despertou em mim a ideia de trabalhá-la, reutilizando-a e dando vida nova àquilo que estava descartado, desvalorizado”, conta Gica Castro.

    Segundo ela, todo o acabamento das peças procura conservar os aspectos, formas e cores originais. “Meu trabalho coopera para uma visão de mundo mais ecológica porque leva a natureza para dentro do ambiente onde a peça irá adornar”, explica Gica, que se baseia em três princípios: 1. Revitalize; 2. Reuse; 3. Ressignifique, e, por ser atemporal, as peças passam de geração em geração, em um atitude que vai de embate aos estímulos consumistas da nossa sociedade.

     

    Fruteira produzida a partir do pequi. Foto: Gica Castro / Arquivo Pessoal

     

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    Artesanato, cura e autoconhecimento

    Tudo começou quando o arquiteto Augusto Niyaz mergulhou em processos de autoconhecimento, cura interior, Leis Herméticas e Geometrias Sagradas, “essas transformações geraram muitos questionamentos e havia muitas peças soltas em minha mente“. Para digerir tudo isso, o artesão decidiu que transformaria todas aquelas ideias em um livro e produziria tudo artesanalmente, embora seu projeto inicial tenha mudado um pouco, quando decidiu em um Fab Lab de São Paulo que iria transformar alguns trechos do livro em arte.

    “Desenvolvi um método para criar esculturas tridimensionais em corte a laser, e transformo todos meus textos e todo conhecimento adquirido em verdadeiros amuletos“, conta o artista, que hoje vive em Santa Catarina. As peças produzidas seguem um mesmo conceito de que tudo é energia, embora sejamos parte de “um todo”, mesmo que divididos, explica Augusto,  que “através da Geometria Sagrada encontrada nos padrões da natureza crio as peças para materializar toda essa energia”, acrescenta.

    Dentro do seu processo criativo, o artesão busca um contato com o que chama de “Eu superior”, passa certos momentos do dia sozinho e se conecta com a natureza. “Se pudesse definir em uma palavra diria que sou um canal, e tento manter minha vida de forma mais sutil possível para que esse canal esteja sempre aberto”, conta Augusto, que usa nas suas peças produtos sustentáveis e com baixo impacto ambiental.

    O artesão lembra que sua arte tem o papel de tocar as pessoas, de ajudá-las em momentos difíceis e de canalizar uma energia que nos direcione para um caminho seguro e de cura. E apesar de usar a tecnologia para a produção dos objetos, a criação, montagem, valor cultural agregado e importância simbólica são independentes desse processo.

    Minha arte é toda baseada em autocura, uma forma de demonstrar que somos responsáveis por nosso crescimento e cura“, conclui.

     

     

    Artesanato natural e criativo

    Tânia Beloto é uma artesão que define seus objetos como naturais e criativos, embora isso não queira dizer que são menos interessantes, bonitos ou que não chamem a atenção do público. A curitibana que vive na cidade de Caicó, no Rio Grande do Norte, há 12 anos, vive do artesanato desde muito jovem quando frequentava as feiras de artesãos na capital do Paraná e em Santa Catarina.

    Entre idas e vindas, a artista migrou do Sul para o Nordeste por questões familiares, mas foi criando raízes, fazendo novos clientes e se aproximando da arte potiguar, que a cativou pelas suas particularidades. Embora seu artesanato tenha sofrido uma certa resistência no início, Tânia foi abrindo espaço na cidade e chegando a públicos mais nichados, como artistas, pessoas ligadas à música e grupos alternativos que foram se afeiçoando do que ela produz.

    O artesanato para mim é uma coisa que me preenche a vida. Quando eu vou a um lugar que eu vejo as pessoas usando minhas coisas,  isso não tem preço, é a coisa mais gratificante“, conta a artesã.

    E embora o artesanato agregue um valor comercial e seja uma fonte de renda importante para muitas pessoas, especialmente mulheres, a artista enfatiza que o trabalho é muito mais colaborativo e diz respeito a questões ligadas ao afeto, à parceria e significados pessoais de quem adquire um produto. O trabalho em si também é coletivo, como explica ela, há uma parceria entre as diversas habilidades, entre quem produz crochê com quem borda e vice-versa, por exemplo.

    Neste ano, a artista foi selecionada em um edital de fomento à cultura do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) para desenvolver uma coleção de roupas local inspirada nas rimas de cordel, no crochê, no fuxico e no bordado a mão, destacando a fauna e flora do sertão nordestino nas peças – produzidas em parceria com artistas visuais e artesãos -, que serão utilizadas em um desfile que preza a diversidade de corpos, com pessoas gordas, negras e LGBTQIAP+. A apresentação ocorrerá na Casa do Artesão do Seridó, um espaço dedicado à valorização dos artistas locais da região potiguar.

     

     

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