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Tabu para homens: o que a pornografia tem a ver com a falta de diálogo sobre sexo?
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A sexualidade pode ser uma fonte muito rica de autoconhecimento. Infelizmente, nossa sociedade ainda a trata como um tabu, o que incentiva o consumo de pornografia e limita nossas experiências.

Falta de diálogo e informação sobre algum assunto sempre traz problemas. Vivemos isso na política e no enfrentamento à disseminação da Covid-19. Com a sexualidade não é diferente. O sexo ainda é um tabu na nossa sociedade. Isso faz com que pessoas não possam explorar e viver sua sexualidade integralmente.

A ausência de informações adequadas também contribui para a enorme quantidade de atos de violência sexual, praticados principalmente contra as mulheres.

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Aprendendo sobre sexualidade

Quando eu tinha por volta de dez a doze anos, lembro de estar descobrindo a minha sexualidade. Lembro de sentir vontade de me tocar e sentir prazer na região genital, e passei a ter mais interesse pelas meninas. A curiosidade foi aumentando, mas eu não tinha ninguém próximo que tivesse mais experiência com quem eu pudesse aprender.

Não tinha espaço para falar sobre esse assunto com o meu pai ou nenhum outro homem. Então, me socorri da pornografia por meio de revistas e alguns vídeos – Internet ainda não era como a de hoje – para saciar minha curiosidade sobre sexo e sobre o corpo das mulheres.

Já na adolescência, época em que a gente costuma querer independência dos pais, descobri que meus amigos também assistiam a pornografia e essa era a principal fonte de conhecimento deles (e minha) sobre sexo e sexualidade.

Apesar de termos recebido algumas aulas de educação sexual na escola, nelas apenas aprendemos sobre o funcionamento dos genitais, concepção dos bebês e métodos contraceptivos. Informações necessárias, mas insuficientes para o desenvolvimento de uma vida sexual saudável, ainda mais quando consideramos a exposição que já tínhamos tido à pornografia sem sabermos dos seus potenciais malefícios.

Já adulto e interessado sobre estudos de gênero e masculinidades, descobri que muitos homens, talvez a grande maioria, têm uma história parecida com a minha:

  • nenhuma ou pouca orientação de algum homem mais experiente,
  • conversas superficiais com os amigos e
  • grande influência da pornografia.

Em resumo: os homens não aprendem adequadamente sobre sexo e sexualidade, o que é um terreno fértil para as fake news sexuais.

Pornografia faz um desserviço para a sexualidade

A evolução fez com que nós seres humanos fôssemos programados a sentir prazer em nossas relações sexuais, assim estimulando nossa reprodução. Essa sensação prazerosa é estimulada pela liberação do neurotransmissor dopamina. Isso contribui para que nosso cérebro possa se lembrar do que fazer depois para conseguir o mesmo prazer novamente.

Assistir a pornografia fornece a recompensa que nosso corpo busca para sentir prazer. No entanto, em virtude da facilidade de acesso à pornografia, ela pode se tornar viciante por querermos cada vez mais sentir esses estímulos até que se torna difícil sentir prazer sozinho sem a ajuda de um vídeo.

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Durante a pandemia, o consumo de pornografia aumentou especialmente entre os homens que são seus maiores consumidores. Ainda que não cheguemos a uma situação limite de vício, ter a pornografia como fonte principal de aprendizagem sobre sexo é muito prejudicial.

Além de muitos vídeos incentivarem situações de abuso sexual de mulheres, inclusive estupros, o consumo de pornografia vai nos dessensibilizando da violência, fazendo com que muitos homens busquem conteúdos mais agressivos para conseguirem suprir suas expectativas de estímulo.

A pornografia também limita a exploração de prazer em nosso corpo. Ela passa a mensagem errada de que a excitação das mulheres acontece sempre rapidamente.

Adicionalmente, supervaloriza a penetração, tornando-a central na prática sexual e negligencia o que é comumente conhecido como preliminares, tão centrais quanto necessárias em uma prática verdadeiramente prazerosa.

Na minha história, eu notei essas e outras crenças comuns arraigadas em minha mente e só fui desconstruindo após um esforço individual e experiências sexuais com mulheres que me mostraram que eu tinha muito a aprender fora da pornografia.

Perguntar nos abre para aprender

A minha segunda principal fonte de conhecimento sobre sexo e sexualidade foi com as mulheres com quem tive a oportunidade de me relacionar. Aqui, cabe dizer que sou um homem hétero e nunca tive experiências sexuais com outros homens, então não tive essa mesma oportunidade com eles.

Pude estabelecer relações de confiança e abertura com essas mulheres em que comecei a me interessar mais não apenas pelo meu próprio prazer, mas em como eu poderia contribuir para que elas sentissem prazer. Fui vendo como o sexo ia muito além da minha ejaculação.

Também fui me descobrindo no toque delas nas diferentes partes do meu corpo e percebendo novas fontes de prazer. Ao fazer perguntas e abrir essa conversa com elas, aprendi muito sobre os seus corpos e vontades e sobre a minha própria sexualidade.

Pressão por performance

Os homens muitas vezes sentem a pressão de já ter que saber tudo e de ter uma boa performance na cama, muitas vezes baseada em padrões apresentados pela pornografia. Isso pode gerar ansiedade e outras dificuldades emocionais que são talvez as principais causas de disfunções sexuais como ejaculação precoce, falta de ereção ou ejaculação retardada. Sem falar no ainda persistente mito de que pênis grande dá mais prazer ou torna o homem mais viril, o que faz com que muitos homens ainda se sintam desconfortáveis com seus órgãos.

Com base nas minhas experiências com as mulheres e enfrentando o desafio inicial, tomei coragem e descobri que abrir conversas com amigos e outros homens sobre sexualidade poderia me ajudar a perceber as crenças que mantemos e que limitam nossa experiência sexual.

Compartilhar sobre minhas experiências e perguntar e ouvir sobre as de outros homens foi me deixando mais confortável comigo mesmo e percebendo que muitos dos desafios e dúvidas que eu enfrentava não eram só meus.

Mais diálogo para mudar esse cenário

A sexualidade pode ser uma fonte muito rica de autoconhecimento, aceitação e valorização de quem somos, bem como contribuir para termos uma vida mais saudável. Infelizmente, nossa sociedade ainda a trata como um tabu, o que dificulta a educação sexual de homens e mulheres, incentiva o consumo de pornografia, contribui para a violência sexual e limita nossas experiências.

Para mudarmos esse cenário, podemos começar diminuindo ou parando o consumo de pornografia e conversando abertamente com nossas parceiras e parceiros sobre o tema. Também podemos convidar outros homens para essa conversa, abrindo diálogo com nossos amigos, pais e outros homens próximos.

Por fim, para aqueles que são pais, um caminho é ter conversas abertas com seus filhos e incentivar a educação sexual nas escolas. Talvez assim tenhamos homens com mais consciência sexual e que pratiquem menos atos de violência contra as mulheres e contra si mesmos.


Luiz Eduardo Alcantara, atua na área da justiça, é um dos guardiões do Brotherhood Brasil e um curioso sobre os papéis dos homens na sociedade

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