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O que você prefere: dar ou receber?
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Decepção, inimizade, ingratidão. Por que nem sempre a generosidade compensa?

Em tempos difíceis, as virtudes humanas são colocadas à prova. Mas é principalmente quando a justiça falha e quando o amor é escasso, que a generosidade surge como virtude fundamental. Para Espinosa, ela é condição da nossa humanidade: “nada é mais útil ao homem do que o homem. O ato de dar é um esforço racional para ajudar o outro e criar vínculos. Quem é conduzido pela razão, deseja para os outros o que deseja para si mesmo. Para o filósofo francês André Comte-Sponville, a generosidade é uma forma de liberdade e de domínio de si. “Saber-se livre para agir bem e querer-se assim”.

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Pode haver alguma confusão entre generosidade e amor. Não deveria. Quando há amor, a generosidade não é necessária. “Ah, você é muito generosa com o seu filho!”. Não. Eu não sou. Eu sou amorosa. O amor é melhor, mas ocorre que amamos pouco e poucos. E os sentimentos não estão no nosso poder, não dependem da nossa vontade. Então, quando o amor falta, entra em cena a imitação do comportamento daquele que ama: a generosidade.

O exercício da gratidão

Embora a filosofia esteja cheia de teorias cristalinas sobre o ato de dar e receber, o problema está mesmo no seu exercício. A generosidade entra no consagrado “na prática, a teoria é outra”. Por que o seu exercício comporta tantos percalços? Porque essa virtude acontece no meio das nossas emoções, nossos traumas, nossos medos. E é muito raro não encontrar um generoso arrependido. A psicologia apresenta estudos que mostram que aqueles que doam — seja dinheiro, tempo ou apoio — correm o risco de ter como paga a ingratidão e “portas na cara”. Entrando em outras esferas, as estatísticas são desanimadoras. Os praticantes da generosidade ganham cerca de 20% a menos do que os que negligenciam essa virtude e são mais vulneráveis a serem vítimas de crimes e burlas. A sabedoria popular com o “quem dá luz para cego, leva bengaladas”, confirma os estudos.

Generosidade, só que não

Nesse universo, o psicólogo norte-americano Adam Grant, autor do livro Give and Take (Dar e Receber, tradução livre) destaque três tipos humanos: o doador — aquele que ajuda os outros — sem esperar nada em troca; o aproveitador — que se dedica a extrair o máximo de todos; e o adaptável — aquele que está sempre atento ao equilíbrio dar-receber. Esses são os principais tipos, há outros. Existe o falso doador, aquele que precisa desesperadamente “salvar” alguém. Aqui é um disfarce de generosidade. Por trás do vício de ajudar, de agradar — e falamos aqui sobre essa problemática em “A coragem de não agradar”  existe alguém que tenta “comprar”  o reconhecimento e a aceitação do outro.

Com o foco nessa busca, o falso doador sacrifica os seus interesses — e até a sua segurança material — em benefício do outro. O que não resolve a sua carência, porque espera a gratidão do outro e, às vezes, ela não vem. E também porque ele não pára por ai. Por ter ajudado, como contrapartida, almeja estar no centro da vida do outro, criando vínculos de codependência.

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Mas o problema maior dessa equação é que, às vezes, o falso doador — por uma questão de oferta e procura —  encontra um aproveitador. Ora, esse — habituado aos saques — integra a dádiva e segue a vida. O mundo está repleto desses seres que andam a procura de alguém que atenda os seus interesses. Detectam a vítima e atacam. Comportam-se como saqueadores noturnos que após encher a mala, partem pela manhã. Há outra categoria que pode ser confundida com o aproveitador: aquele não aceita ajuda. Esse desconhece o que é a gratidão e nem sequer sabe verbalizar o “obrigado”. São pessoas com problemas de autoestima. Não reconhecem a ajuda porque não se julgam merecedores.

É normal

Todas essas anomalias faz com que muitos pensem que a generosidade não vale a pena. Quem nunca passou pela experiência de ter ajudado alguém no momento de grave crise e após o final feliz, o amigo ajudado simplesmente desapareceu, sem ao menos um “obrigada”. E pior, o ajudado tornou-se mesmo um inimigo. É injusto, mas é humano. Há pessoas que nunca perdoarão a testemunha ocular de suas dificuldades, de um período de declínio, de suas fraquezas. Outros simplesmente associam a pessoa que o salvou à fase vergonhosa que eles querem esquecer. Apaga-se a fase vexatória e apaga-se a testemunha – no caso o amigo.

Autoterapia

E você? Em que categoria você está? Faça uma autoanálise. Se você se sente constantemente decepcionado e julga que a sua ajuda não é agradecida o suficiente, você deseja ajudar ou apenas busca uma recompensa para suprir carências? Devemos fazer o exercício do esteta de si e explorar as motivações dos nossos papéis nas relações. Observe também os outros. Quando navegar por seus relacionamentos românticos, amizades ou parcerias profissionais, procure descobrir a que categoria pertencem. Se você pende para a posição de aproveitador — acontece — provavelmente você está a procura de um doador disposto a lhe prestar serviços. Mas fique atento. O resultado final é sempre ruim para os dois. De um lado, estará um aproveitador que nunca estará satisfeito e, do outro, um doador totalmente esgotado. E esse — por razões estratégicas — acabará por evadir-se.

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Adam Grant detectou que as melhores relações  — e as mais felizes — são entre doadores e doadores. Se você for um doador, procure outro doador. Se você não for, torne-se um. E mais do que o ato de dar, é preciso exercitar essa virtude, sem olhar para quem e nem buscar recompensa. Por mais problemas que ajam, ela continua sempre a ser melhor caminho. Oposta ao egoísmo, a generosidade é mais do que um benefício para o outro, ela nos eleva, nos liberta do nosso pequeno “eu”, do nosso egocentrismo. O que o outro faz com a nossa generosidade não importa. O benefício maior é para quem a pratica.

Margot Cardoso (@margotcardoso) é jornalista e pós-graduada em filosofia. Mora em Portugal há 16 anos, mas não perdeu seu adorável sotaque paulistano. Nesta coluna, semanalmente, conta histórias de vida e experiências sempre à luz dos grandes pensadores.

*Os textos de nossos colunistas são de inteira responsabilidade dos mesmos e não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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