COMPARTILHE
O nosso luxo simples de cada dia
Siga-nos no Seguir no Google News
Neste artigo:

O que é luxo para você? Em seu texto de estreia, a colunista Hilaine Yaccoub traduz conceitos da Antropologia para mostrar o impacto do consumo em nossa vida.

Acompanho e estudo as muitas facetas do consumo como antropóloga. Para quem não sabe, a Antropologia do Consumo é uma linha dentre tantas outras da Antropologia que toma o consumo, suas representações e práticas como forma de entendimento de diferentes grupos sociais, indivíduos, lugares e tantas outras variáveis.

O estudo do consumo não é um fim em si mesmo, mas sim uma forma para entender outras questões. Vou dar um exemplo simples. Quando tomamos sorvete, o que sentimos? O que pensamos ao saborear uma casquinha de chocolate? O que associamos a esse produto?

VEJA TAMBÉM: Episódo do podcast Café com bolo com Hilaine Yaccoub

Para muita gente, o produto está associado a excesso de açúcar, a um verdadeiro veneno. Para outros, pode estar associado a festa, a reunião em família, a praticamente um item indispensável para sobremesa depois do almoção de domingo. Alguns podem associar à praia, a calor, a frescor, ao programa que se fazia quando ainda jovem e saía para tomar sorvete de casquinha com o primeiro namorado. Certas amigas tomam sorvete quando estão tristes do coração, outras na famosa TPM.

Resumindo: o que temos aqui é que um determinado produto ou serviço pode ser muito mais do que nós imaginamos. Sabor, cor, formato, gosto, maneira de comer, forma de usar, processo de ser produzido são informações que podem nos indicar muita coisa sobre o que chamamos de público-alvo.

Consumindo luxo

Dentro desse contexto, fico pensando no consumo de luxo. Alguns podem penar que luxo é aquilo que é caro, ostentatório, aquilo que não apenas tem um valor alto mas parece ser caro em nossa sociedade. Até por isso temos tantos dourados que remetem ao ouro, tantos brilhos que remetem ao diamante e tantas “animal prints” remetendo às peles dos animais nobres.

Este luxo existe e é inegável. O luxo antigo, tradicional, está aí para mostrar que ele vive e permanece. No entanto, como cultura é algo que se renova e transforma a cada momento – e eu diria que hoje a cultura voa -, é preciso se atentar para suas nuances.

Luxo, portanto, não é um estado, não é apenas uma expressão de classe econômica. Luxo é uma categoria analítica. Podemos e devemos usar o luxo como forma de entendimento da nossa sociedade. Cada tribo, cada grupo social – seja ele da camada que for -, terá sua forma de expressão e entendimento de luxo.

O luxo para cada um

Luxo é aquilo que é para poucos e isso não está diretamente associado a dinheiro.

Como assim? Hoje em dia, pense comigo…

  • Luxo é poder fazer escolhas.
  • Luxo é ter liberdade.
  • Luxo é ter tempo.
  • Luxo é poder dizer não para muitas coisas, por exemplo, um trabalho chato que você não gosta de fazer.
  • Luxo é poder ir ao cinema em uma terça-feira em plena tarde. Luxo é trabalhar em casa vestindo sua roupa mais confortável.
  • Luxo pode ser trabalhar na praia olhando um mar azul incrível bebendo água de coco.
  • Luxo é estar cercado de amigos em dias tão corridos.
  • Luxo é contar com familiares amorosos (consanguíneos ou não) que irão te socorrer quando você ficar doente ou tiver que passar por uma cirurgia e precisar de cuidados.
  • Luxo é poder dizer não ao salto alto e sim para o batom vermelho seja lá que ocasião for.
  • Luxo é conquista. Luxo é reconhecimento. Luxo é você se cercar daquilo que escolheu.

Estamos em plena era do protagonismo. Hoje valorizamos buscar as experiências através do consumo, de uma viagem, de um sabor diferente, de um novo drink ou de uma cerveja artesanal, por exemplo.

Luxo é poder se aventurar

Devemos reconhecer o nosso “luxo simples” diariamente.

O consumo de experiência está aí para isso. Estamos nós, antropólogos do consumo, focados nesta trajetória de experimentações das pessoas, cada vez mais antenados nas suas motivações, deste que prefiro chamar “luxo simples”.

Mais provas disso: causas sociais, ambientais, fazer o bem, busca do prazer estético do design, o faça você mesmo em suas várias formas (transformar a si mesmo, a sua casa e a sua cidade são valores e ações cada vez mais presentes em nosso dia a dia).

Para entender esses processos, estudamos formas de expressão através do consumo, principalmente as mensagens que nossas escolhas e práticas diárias estão revelando.

Diante disso, fico imaginando como podemos compartilhar nossos “luxos simples” para promover o reconhecimento de uma vida mais plena, menos pesada focada em grandes conquistas (que o dinheiro e um grande sacrifício poderia nos ofertar) e mais concentrada nos pequenos luxos, ou nos nossos luxos simples de cada dia.

Pílulas de felicidade?

E aí fica a pergunta… Já parou para pensar que você tem muitos luxos e não se dá conta deles?

Depois de uma pandemia de dimensões avassaladora questiono: será que aprendemos a olhar os detalhes e privilégios que temos e sequer nos dávamos conta?

Choque cultural serve para nos mostrar as os elementos da nossa vida que passam batido porque os naturalizamos. Tivemos que precisar de um vírus em escala mundial, com um poder invisível, para que passássemos a olhar para dentro (do nosso corpo, da saúde mental, da família, da casa, da rotina dos filhos, até mesmo da geladeira).

Dizem, e pode ser verdade, que a tão utópica felicidade, pode ser encontrada em pílulas. Será que já não as temos em várias áreas da nossa vida e nem nos dávamos conta disso?


HILAINE YACCOUB é mestre e doutora em Antropologia do Consumo. Como pesquisadora, palestrante e consultora, há 20 anos aplica a Antropologia Estratégica nas empresas traduzindo comportamentos, movimentos culturais e lógicas de consumo das pessoas para a construção de soluções, entendimentos e tomadas de decisão assertivas.

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

0 comentários
Os comentários não representam a opinião da revista. A responsabilidade é do autor da mensagem.

Deixe seu comentário