O melhor bolo
O que torna algo saboroso talvez não tenha apenas a ver com os ingredientes, mas com a intenção que colocamos na comida
O que torna algo saboroso talvez não tenha apenas a ver com os ingredientes, mas com a intenção que colocamos na comida.
Bolo para mim sempre foi a suave mistura de farinha, ovos, açúcar, que poderia vir acompanhado de chocolate (ou não), baunilha, limão, laranja e uma porção de outros complementos. Então, a primeira vez que ouvi falar de bolo sem farinha de trigo, sem ovos ou açúcar, torci o nariz. Foi na casa da minha mãe. Minha irmã havia feito uma versão de maçã e presenteado minha mãe com um pedaço. “Não tem açúcar”, sentenciou minha mãe, denunciando, pelo tom da voz, sua desconfiança com o doce.
Perguntei se estava bom e ela apenas insistiu para que eu comesse. Aqui, uma pausa se faz necessária. Meus pais sempre pediram que eu e meus irmãos, desde muito pequeninos, provássemos tudo. Tudo mesmo. Não podia dizer “não gosto” sem ter provado. Isso me trouxe muitas descobertas saborosas, como o quiabo com carne moída e o doce de casca de laranja. E outras não tão agradáveis assim.
Mas, voltando ao bolo, eu, obviamente, provei a versão “zero açúcar” do tal doce de maçã – minha mãe me ensinou a provar, afinal. A aparência não era apetitosa, mas segui em frente. Quando coloquei a primeira garfada na boca, tentei identificar o sabor. Havia maçã, era fato. Mas nem mesmo o sabor da maçã estava muito saboroso.
E havia mais uma porção de outros ingredientes que eu não sabia direito o que era. Disse a minha mãe que, sinceramente, não tinha gostado. Preferia os bolos tradicionais. Se era para restringir o açúcar, que ficasse sem comer doce. Mas bolo, para mim, tinha que ter farinha de trigo, ovos e açúcar como base. E, por conta disso, passei a ser mais rígida e criteriosa quando alguém me oferecia bolos e doces veganos.
Provar sem pré-conceitos
Até que essa semana, a Ju, minha cabeleireira, que tem sempre um sorriso no rosto e um papo delicioso, me contou, enquanto cuidava do meu cabelo, de um bolo de maçã e banana que tinha feito. “Ficou muito bom”, me contou. Ju adora cuidar de si, do corpo. Se exercita diariamente, presta atenção no que come, naquilo que lhe faz bem.
O bolo não levava farinha de trigo, nem ovos, tampouco açúcar. Mas ela insistia que era bom. Aceitei a opinião dela de bom grado. Enquanto eu também seguia cuidando de mim no salão, a Ju sumiu por alguns minutos. Ao reaparecer, olhou para mim e disse: “Já, já vai ter bolo de maçã com banana”.
Pois bem, ela tinha ido fazer o bolo rapidinho para que eu provasse. Esperei, claro. Bolo pronto, quentinho, café recém coado. Deixei meus pré-conceitos de lado e provei uma fatia. E estava bom. Talvez não seja o melhor bolo de maçã com banana da vida, mas estava saboroso. E o sabor, entendi, não vinha só dos ingredientes, mas da generosidade. Na hora de ir embora, ela ainda cortou uma fatia grossa, embalou e me deu: “para você comer mais tarde”.
Agradeci e sai de lá com muito mais do que entrei. Entendi que, muitas vezes, a gente se apega demais aos nossos conceitos, as nossas verdades. E isso nos tira a oportunidade de ir além. Hoje, eu diria que o melhor bolo não é aquele que leva farinha de trigo, ovos e açúcar, mas aquele servido com generosidade e amor.
Ana Holanda é diretora de conteúdo da Vida Simples, autora dos livros Minha Mãe Fazia e Como se Encontrar na Escrita, ambos da Rocco. Gosta de cozinhar e de escrever, sua maneira de estar no mundo e de lidar com seus sentimentos mais profundos. Escreve mensalmente nesta coluna.
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