A vida e a busca de sentido
A compreensão do que somos e o que queremos é a base da motivação e da alegria de viver
Penso que a pandemia do Covid será lembrada como o ano em que o mundo parou… mas cada um à sua maneira. A mesma tempestade para todos, mas cada um no seu barco. Uns sentiram um grande abalo; outros, o desconforto das águas agitadas; outros apenas a náusea da ondulação. Subitamente, a sociedade das pessoas incrivelmente ocupadas — entretidas com a vida funcional — ficou sem nada. Porém, houve um fenômeno que tocou a todos: ninguém escapou à reflexão sobre o estado das coisas e, principalmente, sobre sua própria vida.
No Google, a palavra “propósito” figurou no topo do ranking das pesquisas durante vários dias. “Quem eu sou”, “O que faço aqui?”, “Qual é a vida que vale a pena”, “Como viver de acordo com a minha essência?”, “Como reconhecer e respeitar o que sou?”, “Qual é o meu ponto de equilíbrio?”. O Google — oráculo da modernidade — respondeu que propósito é “aquilo que se pretende alcançar ou realizar”. Sim. Compreendido. Mas… O que quero eu realizar? O que quero eu alcançar? O Google não tem essa resposta porque a resposta não existe no mundo. Está dentro de nós e só nós somos capazes de acessá-la.
Sem prática
A vida na superfície, com suas tarefas e ruídos, não deixa espaço para este tipo de questionamento. E depois, temos os contornos sociais que dão uma aparência de que está tudo bem. Todas as horas são preenchidas, o que nos dá um certo status de relevância e vida vivida. Temos uma profissão valorizada pela sociedade, uma casa de sonho aos olhos dos outros; uma relação aparentemente estável.
Porém, são aparências. A insatisfação e a sensação de vazio permanecem. E como incomoda, de vez em quando, alguém parte para as buscas. Mergulha em suas águas profundas e depois emerge cansado e de mãos vazias — o caminho para o interior é penoso e labiríntico. Sem nenhuma pista sobre o nosso propósito, tateamos terrenos desconhecidos, tentamos preencher o vazio e experimentamos remédios — ou pelo menos o alivio de paliativos. Buscamos outras experiências, profissões e gostos. Procuramos aplacar a falta com outras pessoas e até com a comida.
Mudei hoje?
Entretanto, a pergunta permanece: como acesso o meu propósito? Qual é o ponto de partida? E aqui, ainda estamos no terreno do particular e do inédito. Cada um deve fazer o seu caminho. Há pessoas que precisam de muito exercício, muitas viagens para dentro de si mesmo. Outros precisam de um período longo e exclusivo, como um ano sabático. E — muito importante — há quem esteja convencido do seu propósito e não compreende o vazio. Talvez você precise atualizá-lo. O mundo muda e nós mudamos com ele. O que nos iluminou ontem, pode não ser o mesmo que nos ilumina hoje.
O que importa?
Exatamente aqui encontramos um alinhamento com as ideias Viktor Frankl, o neuropsiquiatra austríaco — fundador da Logoterapia e Análise Existencial. Para ele, a fonte principal de infelicidade do homem não vem exclusivamente de frustrações sexuais, como queria Freud, ou de complexos de inferioridade, como afirmava Alfred Adler. Para Frankl, o maior apelo do ser humano é mesmo a necessidade de sentido. Quando conhecemos a força que nos move, todo o resto fica em segundo plano porque somos guiados pela nossa verdadeira essência e andamos numa espécie de caminho iluminado. Saímos da insatisfação e do papel de vítima esmagada pelo destino. Enfrentamos os obstáculos sem drama e exercermos o nosso poder.
Conhece-te a ti mesmo
O caminho para o encontro do propósito coincide com o próprio surgimento da filosofia. Há quase 2.500 anos, era da pré-escrita, sem livros e sem internet, o homem dirigia-se aos oráculos em busca do seu propósito. Muitos viajavam quilômetros com esse único objetivo, com essa única pergunta.
O mais famoso deles — o Oráculo de Delfos, cuja ruínas até hoje é possível visitar — o viajante, antes de se dirigir à sacerdotisa, depara-se com a recomendação inscrita na pedra “conhece-te a ti mesmo”.
Saber quem se é
Michel Foucault, para quem a filosofia serve para revelar o que é visível, afirma que esse conselho não foi traduzido de forma precisa. O seu sentido mais completo seria algo como “saiba bem qual é a sua pergunta antes de se dirigir ao oráculo”. Primeiro sabe-se quem se é, e depois parte-se para a busca do seu sentido. O grande Spinoza denomina esse eu interior de conatus. É ele que nos faz únicos, a nossa impressão digital abstrata. O conatus é a força que nos alimenta e nos move. É o motor que nos faz levantar da cama todos os dias.
E qual é o combustível do conatus? O propósito. Aqui, o leitor atento verificará que estamos falando de motivações que contêm toda a diversidade do mundo. O que alegra um, entristece outro. O que estimula um, entedia outro. Não há fórmulas. E é também por essa mesma razão que não existe uma definição do que é ser feliz. O conceito de felicidade — a quem o poeta alemão Goethe chamava de “a deusa das pessoas vivas” — é pessoal e intransferível. Por isso, levanta-te! Descobre o teu propósito e caminha com ele.
*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.
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