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A filosofia de Sartre e o futebol de Pelé se encontram em Araraquara
Foto: Arquivo Biblioteca Nacional
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Só para contextualizar a época, o presidente do Brasil era Juscelino Kubistchek, que havia vestido a faixa presidencial em janeiro de 1956 e deixou o cargo em janeiro de 1961. Ele foi substituído pelo “presidente cometa” Jânio Quadros, que permaneceu na função por apenas 206 dias. Eram os anos que precederam o movimento militar de 64.

Parte da juventude brasileira estava empolgada com o exemplo da revolução cubana, que apenas um ano antes, no dia 1º de janeiro de 1959, em movimento armado e guerrilheiro liderado por Fidel Castro, havia tirado do poder o ditador Fulgêncio Batista. A ideia de muitos era repetir o feito aqui no Brasil.

Sartre no Brasil

Jean-Paul Sartre, depois de passar por Cuba e ter se maravilhado com a conquista revolucionária, visitou o Brasil. Em verdadeira peregrinação, esteve em várias cidades brasileiras, como Recife, Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, Salvador. Acompanhado de Simone de Beauvoir, conheceu tudo o que pôde sobre o nosso país.

Conversou com estudantes, jornalistas, sindicalistas, intelectuais e até terreiro de candomblé ele frequentou. Aqueles que o acompanharam em suas movimentações afirmam que o filósofo anotava tudo o que ouvia. Há testemunho de que ele tomava apontamentos em um singelo caderninho como um colegial aplicado.

Jorge Amado, Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir. (Foto: reprodução/”Sartre no Brasil – a conferência de Araraquara”, de Luiz Roberto Salinas Fortes, ed. Paz e Terra.)

De maneira astuciosa, o professor de filosofia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Araraquara, Fausto Castilho, instigou o grande existencialista com uma questão provocante: “É possível superar a filosofia sem realizá-la?”.

Evidentemente esse é apenas o resumo do questionamento, já que Castilho elaborou muito bem a provocação. Fez um breve histórico da posição de Sartre quanto à filosofia, e citou duas de suas obras, “Questão de Método” e “Crítica da Razão Dialética”, para afirmar que o pensador francês havia renunciado ao nome de filósofo. E ponderou ainda: “Como dizer-se ideólogo, hoje, e, entretanto, não cair nas dificuldades que Marx assinala a propósito de toda ideologia?”.

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Sartre em Araraquara

Sartre não resistiu. Não apenas se dispôs a responder ao professor como também resolveu ir até Araraquara para fazer uma conferência sobre os temas levantados. De todas as cidades que visitou, esta foi a única em que proferiu conferência.

Foi uma festa. Uma cidade quase desconhecida, lá no centro do estado, naquele memorável 4 de setembro de 1960, recebia um dos maiores nomes da intelectualidade mundial de todos os tempos.

O auditório da faculdade fervilhava. Quem não conseguiu cadeira, assistiu à apresentação em pé, e alguns até tiveram de sentar no chão. Compareceram ao evento personalidades como Fernando Henrique Cardoso e sua esposa, a araraquarense Ruth Cardoso, José Celso Martinez Corrêa, Jorge Amado, Simone de Beauvoir, entre outras.

Público acompanhando a conferência de Jean-Paul Sartre em Araraquara. (Foto: reprodução/”Sartre no Brasil – a conferência de Araraquara”, de Luiz Roberto Salinas Fortes, ed. Paz e Terra.)

A conferência proferida em francês e o debate que se seguiu foram gravados em áudio. Em 1986, Luiz Roberto Salinas Fortes, araraquarense e um dos mais importantes nomes da história da filosofia brasileira, transcreveu o que fora registrado na gravação e publicou, pela Editora Paz e Terra, um livro bilíngue com o título “Sartre no Brasil – a conferência de Araraquara”.

A publicação não poderia ter ficado em melhores mãos. Salinas Fortes foi um incansável pesquisador. Conta que Sartre começa a conferência com uma afirmação que define seu pensamento a respeito da questão formulada por Fausto Castilho:

“A ideia de realização da filosofia é uma noção marxista. Verificou-se no século XIX um fato capital: a Filosofia tornou-se prática”.

Sartre e Pelé: caminhos cruzados

Terminada a conferência, na saída do prédio da faculdade, Sartre ficou intrigado com a quantidade de carros que passavam pela rua. É que naquele dia o Santos, com Pelé e todos os craques do time praiano, jogara contra a Ferroviária. Como o time local meteu uma goleada de 4 X 0 nos visitantes, a torcida estava eufórica desfilando pelas ruas.

Com certeza o rei do futebol passou em frente à faculdade para se dirigir à estrada no retorno a Santos. Era trajeto obrigatório.

A pergunta que sempre me fiz foi essa: será que Sartre viu Pelé? Será que Pelé viu Sartre? E se, por acaso, se viram, será que um sabia quem era o outro?

Afinal, cada um em sua área, são dois dos nomes mais conhecidos em todo o mundo.

Leia todos os textos da coluna de Reinaldo Polito em Vida Simples.

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