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Você quer (mesmo) envelhecer em paz?
Stockfour | IStock
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Mulheres, envelhecimento e padrões estéticos: precisamos falar sobre o ageísmo

Há uma semana, ri sozinha pensando que deveria fazer um print da tela do celular para guardar como lembrança. É que eu estava conversando com uma pessoa por texto e tinha acabado de responder a minha idade, 39 anos. Farei 40 anos em 3 dias. Reconheço que ainda tenho muito chão pela frente, mas para muitas de nós, mulheres humanas, 40 anos é um marco ácido. Será possível encarar o amadurecimento com leveza quando estamos inseridas em uma sociedade que trata o envelhecimento com tanto preconceito? 

Ageísmo é o nome técnico que se refere aos estereótipos (o que pensamos), preconceitos (o que sentimos) e a discriminação (como nos comportamos) em relação às pessoas por conta da idade que têm. Um exemplo de ageísmo são os comentários depreciativos nas redes sociais sobre as mulheres que assumem seu processo natural de envelhecimento. Outro dia encontrei um artigo que discutia a violência com que os fãs – melhor qualificados como haters –  encaravam o envelhecimento de Xuxa. É que a rainha tem ousado envelhecer e mostrar a cara sem cirurgias, maquiagem ou procedimentos em plena luz do dia. 

O elefante branco no centro de nossas salas

As discussões sobre ageísmo têm colocado de forma bastante lúcida a violência social de que somos vítimas à medida que envelhecemos. Ainda bem, porque precisamos discutir os estereótipos sociais se pretendemos substituí-los por outras crenças. No entanto, eu recebo com estranhamento o slogan que costuma acompanhar esse tema: “deixe-nos envelhecer em paz”. Vou ilustrar com um exemplo didático. Eu tenho filhos pequenos, acordo cedo e durmo bem menos do que eu necessito.

Eu desejo dormir, portanto, consigo me imaginar suplicando aos meus filhos nas manhãs de domingo: “deixem-me dormir em paz”. Também desejo silêncio para trabalhar e consigo imaginar a mim mesma implorando em uma tarde barulhenta: “deixem-me trabalhar em paz”. Mas será que com o envelhecimento é a mesma coisa? Será que temos o desejo de envelhecer e só não conseguimos porque outras pessoas nos atrapalham? 

envelhecer em paz

Crédito: Insta Photos | IStock

Não desejamos envelhecer

Como uma mulher de 40 anos que escuta outras pessoas da mesma faixa etária, posso dizer-lhe que raramente encontro mulheres que encaram o envelhecimento de forma leve. É que vivemos em uma cultura que comercializa nossos corpos e reduz o nosso valor à capacidade de mantê-los jovens. Formamos nossa identidade e vivemos toda a vida inseridas neste contexto. Passamos a acreditar que somos de fato menos interessantes à medida que envelhecemos. Por um lado, sofremos porque nos deparamos com o preconceito e a pressão social para sermos eternamente jovens. Mas por outro lado, sofremos porque internalizamos ideais de juventude e beleza que são impossíveis de conquistar ou dificílimos de manter.

Mesmo que os nossos ideais inatingíveis tenham origem em um discurso social que é machista e opressor, a opressão não está apenas fora de nós. Necessitamos de conversas que nos auxiliem a lidar com as angústias fruto dos estereótipos que já absorvemos a respeito do envelhecer. Precisamos falar sobre como nos violentamos para que a nossa idade passe despercebida,  falar sobre como a frustração de ideais inalcançáveis tem produzido mulheres inseguras e infelizes.

Motivados por medo ou por amor?

Não estou defendendo que você abandone todos os procedimentos estéticos e se jogue na vida como ela é. Mas é saudável que conheçamos o que motiva comportamentos que muitas vezes passam despercebidos na fila do autocuidado. Uma boa forma de avaliar comportamentos é entender qual a necessidade que eles resolvem. Por exemplo, você pode sentir-se motivada a comer melhor porque isso te fará sentir bem. Ou então, você pode descobrir que a dieta extremamente restritiva que te deixa com dor de cabeça é motivada pelo desejo de ficar mais bonita aos olhos dos outros. No primeiro exemplo, as suas ações são motivadas pelo desejo de cuidar de si mesma. No segundo, as suas ações são motivadas pelo desejo de aumentar o seu valor social. Ou seja, para resolver o medo da rejeição. 

Pesquisas demonstram que quando nos comportamos com o intuito de ganhar status social, passamos a nos comparar com o outro. O nosso senso de valor próprio fica condicionado à capacidade que temos de nos destacar nesta competição. Ou seja, somos capazes de aturar condições extremamente duras, como dietas punitivas, tratamentos malucos e cirurgias invasivas, para nos sentirmos mais parecidos com as pessoas que elegemos como modelos.

No fundo, queremos ser admirados, mas na prática, nos perdemos em uma lista infinita de pré-requisitos. Tornamo-nos escravos da busca por um valor próprio que fica cada vez mais distante. Afinal de contas, envelheceremos todos os dias que acordarmos vivos. Por outro lado, nunca esgotará o manancial de mulheres jovens para você se comparar.

Ativando a mentalidade compassiva

É radicalmente diferente quando nossas ações são motivadas pelo desejo de cuidar de nós mesmas. A começar pelo fato de que cuidamos daquilo que já tem valor, ou seja, partimos do sentimento de valor intrínseco. Isto acalma nossos medos e nos comunica que estamos seguras. Então conseguimos discernir o que de fato nos fará bem, quais sacrifícios que valem a pena, e quais objetivos são punitivos e aprisionadores.  

As pesquisas em Terapia Focada em Compaixão demonstram que somos naturalmente motivados por medo e por amor. No entanto, uma vez que desenvolvemos a consciência de que estamos sendo motivados pelo medo, é possível mudar, intencionalmente, o sistema que nos governa. Por exemplo, podemos acionar a motivação compassiva fazendo algumas respirações longas junto com um toque suave, como colocando as mãos sobre o peito ou outro lugar do corpo que te comunique segurança. Ou então, você pode imaginar uma pessoa – como por exemplo, uma mentora fictícia — que te ame incondicionalmente e que seja infinitamente sábia. Quais as metas essa pessoa teria para você? 

Siga a rainha

O autor Lewis Richmond defende que envelhecer é um processo que naturalmente passa pela surpresa, seguida da comparação com quem éramos e um luto por aquilo que nunca seremos. Abandonar nossos ideais aprisionadores é difícil em um primeiro momento. Afinal de contas, depositamos nestes ideais as nossas fantasias ingênuas de felicidade eterna e onipotência. 

Talvez a liberdade emocional que vem com o abandono de metas irrealistas seja o grande presente que só recebe quem passa pelo processo de maturidade. Curiosamente, é esta uma das explicações que pesquisadores deram para um achado interessante quando mediram os níveis de felicidade das pessoas mundo afora. Na maior parte dos países, a felicidade começa a cair em torno dos 25 anos e chega nos níveis mais baixos em torno dos 50 anos. A partir de então, a felicidade volta a aumentar de forma crescente. 

Metas realistas

Se a felicidade de uma maturidade mais avançada está apoiada no abandono de metas pouco realistas, podemos esperá-la motivando nossos comportamentos a partir da compaixão em vez  da competição. Podemos escolher metas alinhadas com o que nos faz bem. Podemos também trocar nossos modelos.

Por exemplo, escolhendo melhor as mulheres que nos inspiram. Mulheres que desafiam os estereótipos da idade, que tem coragem de mostrar que são mortais e que valorizam outros aspectos para além da aparência inspiram mulheres humanas a aceitarem a passagem natural do tempo. Sem dúvida, precisamos de mais Xuxas no país campeão da cirurgia plástica.


ADRIANA DRULLA  é Mestre em Psicologia Positiva pela Universidade da Pennsylvania (EUA) e pós graduada em Terapia Focada em Compaixão pela Universidade de Derby (Inglaterra), onde teve como mentores Martin Seligman, psicólogo fundador da psicologia positiva, e Paul Gilbert, psicólogo criador da Terapia Focada em Compaixão. Semanalmente fala sobre psicologia e mente compassiva no podcast Crescer Humano.

*Os textos de nossos colunistas são de inteira responsabilidade dos mesmos e não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples

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